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DarksideNa Estrada com Serpentes & Serafins

Ponte Aérea Paraíso

Voando com os anjos de Serpentes & Serafins

08/11/2024

Eu adoro viajar. Mas não gosto tanto de voar. Na verdade, sendo sincero com vocês, toda a experiência que envolve entrar em um pássaro de ferro que pesa toneladas, que voará a milhares de metros do chão a uma velocidade média de mil quilômetros por hora me parece aterrorizante. Por outro lado, há alguns momentos, em que a visão da pequena janela nos enche de assombro e encanto: estamos acima das nuvens, perto do sol, e lá em cima, quase conseguimos ver o divino. Compreender momentos como esse, em termos imaginativos e existenciais, foi um dos motivos para a escrita de Serpentes & Serafins

Pensando em um roadmance que une viagem e aventura, revelações e descobertas, eu sabia desde o início que esse livro apresentaria uma primeira moldura de viagem aérea na qual, nas alturas literais de um voo que conecta São Paulo a Berlim, o comerciante de arte Alex Dütres encontraria um anjo chamado Barachiel. Afinal, anjos vivem nos céus — ou estão despencando deles — e é nessa percepção que a ideia de um voo mágico e turbulento nasceu. E falo da experiência como um todo: quando embarcarmos em um voo é como se nos transformássemos em modernos Ícaros — o jovem do mito antigo que foge da Ilha de Minos com as asas de cera construídas pelo pai — e ousássemos também tocar o sol. 

Quando viajamos, temos nossas proteções: passaportes, mapas, guias turísticos, reservas de hotel. Mas antes de tudo isso, precisamos chegar ao destino. E é nessa experiência insólita, na qual tempo e espaço são reinventados pela tecnologia humana, que nos vemos tanto aflitos pela experiência do voo quando enlevados por estarmos tão próximos das estrelas. E se pensarmos em anjos, não seria justamente suas imagens e histórias aquelas que nos fazem voltar a esse sonho antigo: de voarmos, de alcançarmos o céu, vermos a face de Deus e do que as religiões de ontem e de hoje nos prometem como o Paraíso?

A origem dos anjos é uma questão envolta em mistério e simbolismo, abordada de formas diversas nas tradições religiosas e mitológicas. Na tradição judaico-cristã, anjos são considerados seres espirituais criados por Deus antes da criação do mundo físico, destinados a servir como mensageiros e intermediários entre o divino e a humanidade. É mais ou menos essa linha que a primeira parte de Serpentes & Serafins desenvolve. Mas o livro não ignora tradições como a islâmica, na qual anjos são criaturas de luz, dedicadas a cumprir a vontade de Deus, ou até mesmo culturas mais antigas, como a babilônica e a egípcia, encontramos seres alados e entidades celestes que protegem, guiam e governam o destino dos mortais. Estaria Barachiel seguindo os planos divinos ou seus próprios interesses? Caberá aos leitores descobrirem à medida que que o livro avança.

E não são apenas as religiões que nos falam de anjos. As histórias ficcionais e os mitos também o fazem. Afinal, tanto a Bíblia quanto épicos como A Divina Comédia de Dante ou o Paraíso Perdido de Milton investiram nesse imaginário: de seres com asas que podem alcançar os céus e nos revelar o que está escondido atrás de suas nuvens. Em Serpentes & Serafins temos as duas coisas, com Alex encontrando o anjo e com Barachiel trazendo ao protagonista muitas promessas de revelação. Nesse sentido, ambos, homem e anjo, são viajantes, da história, da geografia e dos mitos antigos e atuais.

Além disso, Barachiel é uma testemunha da história bíblica. Mas não a história que estamos acostumados, em tramas filtradas e alteradas pelas religiões. Antes, suas compreensões são modernas e, no mínimo, surpreendentes. Minha ideia foi fazer esse anjo falar com um poeta bíblico que passou pelos portais críticos de Harold Bloom, principalmente em O Livro de J e Abaixo as verdades sagradas, Karen Armstrong, no soberbo Em defesa de Deus, Jack Miles, no impactante Deus Uma Biografia, e Rachel Pollack, que em livros como A Bíblia Clássica do Tarot, une mitologia, arte e cultura com raro talento — sua menção à taça de adivinhação de José no Egito não sai da minha mente.

Por fim, destaco outra referência importante para visualizarmos Barachiel. Embora a cultura ocidental tenda a privilegiar seres angélicos como etéreos e espectrais, gosto do modo como o artista inglês William Blake criou anjos feitos de sangue e músculos, com corpos concretos e humanos. Assim, as revelações que Barachiel traz a Alex são sentidas na matéria e na carne, como se a principal descoberta espiritual que esses seres pudessem trazer fossem aquelas dos sentidos e das percepções corpóreas. 

Foi também meu desejo recuperar nesse livro a corporeidade das criaturas divinas da Bíblia. Um Deus que tem corpo e caminha pelo jardim, anjos que descem aos céus para compartilhar refeições com famílias humanas, além de mitos obscuros do amor carnal e erótico dos anjos pelas “filhas dos homens”. Ao tratar desse fascínio divino pela carne — algo que perpassa a ficção de Anne Rice, sobretudo nas Bruxas Mayfair e em romances vampíricos como Memnoch — quis convidar o leitor a rever sua própria experiência com os sentidos, afastando a comum condenação ao corpo, ao prazer e às sensações físicas.  

Há uma densidade e uma corporeidade nos relatos bíblicos quando criaturas espirituais surgem, trazendo bênçãos ou maldições. Adoro a versão de Caravaggio para o assustador episódio de Abraão prestes a sacrificar Isaque quando é impedido por um anjo. Este segura o pulso de Abraão com a mesma força que o patriarca aperta a lâmina e o pescoço de seu filho. Em Serpentes & Serafins, temos uma nova versão dessa história, com a revelação da identidade desse misterioso anjo e de seus motivos para agir desse modo.

Assim, o que a arte concretiza, em seu júbilo de texto e poesia ou enquanto banquete de imagem, cor e materialidade, é nos convidar a redescobrir o corpo. E nada melhor do que um anjo vestido de carne para nos lembrar disso. Aos viajantes da DarkSide®, espero que apreciem a história de culpa e revolta de Alex e também as visões de Barachiel para o que vemos na história humana. Aos leitores deste roadmance que conecta tempo e espaço, sugiro buscarem lugares perto das janelas, não esquecendo de apertar os cintos. Serpentes & Serafins oferece uma viagem repleta de epifanias e encantos, mas também de perigos e turbulências, não raro em excelente e angelical companhia.

LEIA TAMBÉM: Parte 1: Passaporte Paulistano

Sobre Enéias Tavares

enéias tavaresEnéias Tavares é escritor e professor de literatura clássica, com especialização acadêmica nos livros iluminados de William Blake e na tragédia de William Shakespeare. Publicou pela DarkSide Books os romances Parthenon Místico e Lição de Anatomia, ambos integrando o universo da série Brasiliana Steampunk. Também para a Caveira, organizou e prefaciou O Retrato de Dorian Gray, A Máquina do Tempo, O Rei de Amarelo e O Grande Deus Pã. Além de consultor editorial para a marca Sociedade Secreta, atua como diretor do ORC Studio de Economia Criativa e da Editora da UFSM. Saiba mais em eneiastavares.com.br.

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