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Peregrinação Portuguesa

A Alquimia de Sintra em Serpentes & Serafins

25/07/2025

Manuscritos são mapas a serem desvendados. Cartografias são narrativas a serem lidas. Viagens são histórias a serem vividas e relembradas. Desde Homero e sua Odisseia que a ficção explora textual e geograficamente os territórios perdidos do mundo, sejam esses distantes, familiares, desconhecidos ou inteiramente inventados. Nesse sentido, todo leitor é um Odisseu que embarca em uma aventura cujo percurso é sempre desconhecido, mesmo quando o destino for a distante ilha de Ítaca ou o clímax de uma determinada história.

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Peregrinação Portuguesa

Em Serpentes & Serafins, entre os espaços percorridos por Alex em sua jornada contemporânea estão São Paulo e Berlim, com algumas reminiscências a Londres e Madrid, chegando agora em Sintra, Portugal. A razão dessa viagem, como vimos na coluna anterior, é travar um embate – ou seria empreender um encontro? – com o próprio demônio. Este, que se anuncia como um jovial e apaixonado Samael, vai ao encontro do protagonista do livro, com os dois dividindo um fascínio por uma paisagem lusitana que desafia definições.

Patrimônio Mundial da Unesco, Sintra é um dos destinos mais fascinantes da Europa, combinando belezas naturais e assombros arquitetônicos. Situada entre uma linha de montanhas verdejantes e o Atlântico, ela oferece cenários encantados, como o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros, além de jardins labirínticos, castelos medievais e vilas coloridas saídas de uma pintura. Refúgio de artistas e escritores ao longo dos séculos, Sintra continua a inspirar viajantes com sua atmosfera mágica, seus nevoeiros enigmáticos e sua fusão de história, arte e natureza, uma fusão que combina perfeitamente com a atmosfera alquímica de um lugar construído para alterar a consciência de cada um de seus visitantes.

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Lord Byron fez uma celebrada visita ao lugar, em julho de 1809, em plena ocupação francesa, com a família real portuguesa tendo partido ao Brasil um ano antes. Sua visita inspirara versos do seu “Childe Harold”, no qual nomeava Sintra de “glorioso Éden”. Sintra marcou também a literatura de Eça de Queiroz, registrada em O Maias (1888), e a de Fernando Pessoa. Este, segundo diziam as boas e as más línguas, guiara Aleister Crowley até lá, em setembro de 1930, para uma noite de invocação mística e pactos nefastos, entre outros rituais e mistérios.

Por todas essas referências, começamos a entender o motivo do encontro de Alex com Samael ocorrer lá. Mas esse encontro marcado, com o destino e com o diabo, tinha lugar definido: a Quinta da Regaleira. Será nesse lugar mágico e fascinante, mescla de livro de pedra e de poema arquitetônico, de mapa esotérico e palácio iniciático, que Alex viverá uma série de revelações apocalípticas, revelações que envolvem a origem do universo e sua relação com a fé e a magia.

 Quinta da Regaleira

A Quinta foi idealizada pelo comerciante Augusto Carvalho Monteiro no final do século XIX e projetada pelo arquiteto e cenógrafo italiano Luigi Manini. Entre 1898 e 1912, Monteiro tornou a propriedade – adquirida anteriormente pela baronesa da Regaleira, daí seu nome – um dos maiores enigmas arquitetônicos da história, dando ao jardim, que subia morro acima, uma série de platôs e figurações, cuja simbologia apontava para o esoterismo oriental, a cabala judaica e o hermetismo gnóstico. O frontão do casarão também foi repensado, com símbolos naturais se confundindo com signos antigos, com estátuas de animais reais se unindo a seres fantásticos.

Unindo estilo neogótico e neomanuelino a projeções cênicas, cristãs e pagãs, a Quinta da Regaleira resultava em um código arquitetônico a ser lido e interpretado, um lugar nascido da obsessão de um homem que desejava criar algo que desafiasse os séculos e sua própria mortalidade. A casa em si foi construída com quatro altos pavimentos, compreendendo quartos de dormir e salas de habitação, numa arquitetura que culminava com o terraço onde ficava o laboratório alquímico de Monteiro. A visita de Alex à Quinta findará nesse laboratório e com seu encontro com o próprio Monteiro e sua esposa alquímica, Perpétua Augusta.

 Quinta da Regaleira

Mas antes disso, homem e anjo caído visitarão o Pátio da Quinta, com destaque para a Alea dos Deuses, uma porção de jardim com uma série de estátuas olímpicas, com imponentes figurações de Zeus, Pã, Ceres, Flora, Vulcano, Hermes e Vênus, todos protegendo a trilha do jardim e vigiando seus visitantes. Além dela, percorrerão o Portal dos Guardiões, um paredão cavernoso de pedras em que uma fonte ofertava aos visitantes descanso e inspiração. É ali, diante de dois répteis tritões, seres híbridos que guardavam o umbral dos mistérios, que o demônio relembra a Alex uma das máximas de Carvalho, “Devagar, que tenho pressa”, um lembrete bem-vindo aos nossos dias acelerados e às nossas mentes sobrecarregadas.

Por fim, um dos lugares mais estranhos e mais temidos da Quinta eram os túneis subterrâneos que marcavam seu jardim. Quando construiu sua quinta, Carvalho Monteiro projetou seu território como uma geografia de iluminação mística e iniciação arcana. Esta acontecia através de túneis subterrâneos nos quais os iniciados eram deixados na escuridão da noite para se aventurar nas entranhas da terra até a boca do Poço de Iniciação, um poço pétreo e belíssimo que ficava dezenas de metros acima. Mas antes de ascender aos céus da iluminação, era necessário encarar a escuridão dos túneis, escuridão na qual o próprio herói de Serpentes & Serafins precisará enfrentar suas dúvidas, preocupações e traumas.

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É nesse lugar de sonhos e pesadelos, de certezas racionais e medos instintivos, horrores contemporâneos e ameaças atemporais, que Alex e os leitores vivenciarão uma mudança de perspectiva. No capítulo alquímico do livro, todos nós teremos de encarar a iminência de um apocalipse, seja este uma revelação ou então a conclusão lógica da nossa jornada nesse plano físico. Em certo sentido, a viagem de Alex à Sintra para encontrar o Demônio dá ao livro o preâmbulo para o clímax da narrativa: a jornada de todos nós em direção ao Juízo Final.

Serpentes & Serafins foi escrito como um guia de viagens insólito, tanto geográfico quanto psicológico, como um mapa no qual os leitores podem se encontrar, se revelar, se perder. Uma das belezas da arte é justamente propiciar mapas de compreensão para quem somos e para quem poderemos ser. Seja em meio ao Mediterrâneo da Odisseia ou ao Inferno da Divina Comédia, seja nas surpresas do País das Maravilhas ou nas aventuras de Oz, seja entre hobbits e elfos da Terra Média ou entre dragões e reis loucos de Westeros, a ficção nos oferta uma grande excursão por terras, mares ou invenções. Que os leitores que estão encontrando as referências de Serpentes & Serafins nesta coluna possam fazer o mesmo, percorrendo entre os espaços reais do mapa deste livro, seus próprios espaços de magia, sonho e revelação.

serpentes e serafins

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Sobre Enéias Tavares

enéias tavaresEnéias Tavares é escritor e professor de literatura clássica, com especialização acadêmica nos livros iluminados de William Blake e na tragédia de William Shakespeare. Publicou pela DarkSide Books os romances Parthenon Místico e Lição de Anatomia, ambos integrando o universo da série Brasiliana Steampunk. Também para a Caveira, organizou e prefaciou O Retrato de Dorian Gray, A Máquina do Tempo, O Rei de Amarelo e O Grande Deus Pã. Além de consultor editorial para a marca Sociedade Secreta, atua como diretor do ORC Studio de Economia Criativa e da Editora da UFSM. Saiba mais em eneiastavares.com.br.

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