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Como Daniel Clowes mudou a história dos quadrinhos independentes

A voz ácida de melancólica de Eightball chegou à DarkSide

21/08/2025

Personagens deslocados, neuróticos, cruéis e hilários… você poderia muito bem estar falando do seu grupo de amigos, mas desta vez estamos nos referindo às características que Daniel Clowes emprega aos atores de suas histórias. Com seu humor ácido e por vezes melancólico, o artista mostrou em suas obras um retrato cru e irreverente do que é ser um adulto morando em um centro urbano — e com isso revolucionou o cenário dos quadrinhos independentes.

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O autor estreia na DarkSide® Books com Eightball Completo, um volume único inédito no Brasil, que reúne as dezoito edições da icônica revista Eightball, escritas, desenhadas e publicadas por Daniel Clowes entre 1989 e 1997. A série é considerada um divisor de águas dos quadrinhos independentes e abriu espaço para novas narrativas visuais que rejeitavam os clichês do mainstream, trazendo de uma maneira crua e bem-humorada as desventuras da vida adulta urbana, com direito a todos os perrengues e boletos.

Nascido em Chicago em 1961, Clowes demonstrou reagir a arte mais “gráfica” ainda cedo: aos 4 anos, chorou copiosamente e começou a bater a cabeça contra a parede após ver uma capa do quadrinho Strange Adventures que mostrava uma família morrendo de calor. Sua “educação” no mundo das HQs seguiu quando ele ganhou pilhas de revistas como Archie e Quarteto Fantástico de seu irmão, que também o apresentou à lendária arte do cartunista Robert Crumb, de Heróis do Blues, do Jazz e do Country.

Daniel Clowes

Ele entrou de vez como um artista do universo dos quadrinhos na década de 1980, com sua primeira aparição na revista Cracked em 1985, onde atuou até 1989. Lá, ele assinou com vários pseudônimos, sendo o mais recorrente Stosh Gillespie.

Combatendo a chatice com loucura

Foi a partir de 1989 que ele começou a tomar com mais força as rédeas que definiriam a sua carreira — uma espécie de resposta à chatice dos Estados Unidos no período, conforme ele próprio falou em uma entrevista ao El País: “O fim dos anos 1980 realmente foram uma das épocas mais tranquilas e menos loucas na história dos EUA. Era muito chato. Do que mais lembro são as eleições da época, em que todo mundo reclamava que os dois partidos eram iguais. O voto não era uma escolha verdadeira”. 

Porém, ele mesmo garante que essa aparente tranquilidade era apenas a superfície do que realmente acontecia no país. “Você conseguia sentir que sob a superfície existia uma loucura na América, e que sempre esteve lá. E eu estava bem interessado na loucura. Queria explorá-la. Então a loucura chegou ao topo e agora foi libertada de vez. Quase como uma caixa de Pandora”, definiu.

Eightball

Desde aquela época, Daniel Clowes se dedicou a explorar personagens estranhos e complicados com quem você definitivamente não iria querer sair para tomar um café. Seus roteiros complexos e surreais eram inspirados em uma de suas paixões: o cinema noir. E talvez nenhum deles fizesse muito sentido, ele estava fazendo experiências com o gênero, com sua própria voz. E seus quadrinhos mantiveram essa estranheza.

Personagens soltos pelo mundo

Por mais complexos e, por que não, bizarros seus personagens fossem, o cartunista sempre tentou compreendê-los, mesmo com todas as péssimas escolhas que eles faziam. “Tentei retratar personagens que meio que me oprimiam, ou aqueles com quem eu me identificava. Sempre que estou por aí com a minha esposa e amigos, eles olham para alguém é dizem ‘Esse é um de seus personagens!’. Eles realmente estão por aí pelo mundo.”

Para Clowes, o objetivo é sempre tentar entrar nesses personagens e ver o mundo pelas lentes deles e tentar compreender por que eles tomam tais decisões. Mas isso não quer dizer que ele escreveria sobre qualquer tipo de personagem. 

Eightball

Ao El País ele ainda disse que há algumas linhas que ele não ousa cruzar por simplesmente não compreender a mente de como tal personagem seria: “Não conseguiria escrever como um guarda nazista, como alguém que é mau de tal maneira que quase nem pensa. Não consigo entrar na mente de alguém assim”. 

Outro tipo de personagem que o artista disse que acharia particularmente difícil de retratar seriam os magnatas do Vale do Silício, como Elon Musk. “Não conseguiria fazer isso sem um profundo desprezo. Seria muito difícil encontrar empatia por isso”, afirmou, emendando que talvez seria possível em uma história já desenvolvida. “Quer dizer, eles devem ter algum tipo de fragilidade. Embora pareça inútil e talvez eles não mereçam, eu tento entendê-los”, refletiu.

Um artista incansável

Se tentar entrar na mente dos tipos mais absurdos de seres humanos já dá trabalho — e retratar tal humanidade já é um dos trunfos de Clowes —, ele ainda se mostra um artista incansável com sua produção, que se estende há mais de quatro décadas.

Eightball

Um dos principais motivos que o torna uma influência inabalável no cenário independente é a alta qualidade de seu trabalho. Tudo o que ele se propõe a fazer tem um alto nível de refinamento, como por exemplo as aventuras de Dan Bucetts, publicadas na metade dos anos 1990, e que estão em Eightball Completo

Cada vez mais ambicioso com suas criações, Daniel Clowes é sem dúvida um artista incansável, e ele mesmo diz que não consegue parar, conforme afirmou ao The Guardian: “Normalmente quando terminei um livro nesses últimos dez anos, eu tinha algo na espera, então sempre existe essa pressão para acabar, e daí na próxima segunda eu começo tudo de novo”.

Quando Patience, um de seus trabalhos recentes, foi concluído, ele decidiu tirar férias de suas semanas, mas nem assim conseguiu relaxar: “Depois de dois dias eu senti que não tinha propósito no mundo”, contou em tom humorado ao periódico inglês.

eightball

Eightball: Um verdadeiro laboratório criativo

Não tem como falar da obra de Daniel Clowes sem destacar sua obra mais marcante: as publicações de Eightball, que o acompanharam por mais de uma década e mostraram sua evolução como artista. Publicada entre 1989 e 2004 com experiências e abordagens diferentes ao longo de 23 edições, ela é uma espécie de revista Mad, mas com o DNA de Clowes impresso em cada página.

As primeiras dezoito edições foram publicadas em formato de antologia — e são elas que estão em Eightball Completo, publicada pela DarkSide®. Do nº 19 em diante, cada edição passou a ser dedicada a uma HQ completa.

Mais do que mergulhar na mente de personagens fictícios (mas absolutamente reais, como já pudemos observar), Eightball escancarou o próprio Daniel Clowes em suas histórias e dilemas. Como definiu a Comics Alliance, é como ver o id, o ego e o superego de seu criador em cada página.

Eightball Completo

Ironicamente, seu trabalho mais icônico foi pensado por ele como uma despedida, como o próprio Clowes afirmou ao Nerdist: “Pensei que faria alguns quadrinhos, o melhor que pudesse, para depois ir para a faculdade de odontologia ou qualquer outra coisa”. E foi assim que seu maior trabalho ganhou vida, marcando não apenas a carreira dele, mas mudando o jogo no cenário do quadrinho independente.

Ao longo de mais de uma década de Eightball, suas edições dissecaram o absurdo e a melancolia do cotidiano, explorando temas como alienação, fama, identidade, vazio existencial e a eterna busca por sentido — angústias ainda tão presentes nos adultos de hoje.

Além disso, Eightball é uma celebração ao mesmo tempo em que subverte a linguagem gráfica dos quadrinhos. Ela tem colagens, capas falsas, anúncios fictícios, metalinguagem e referências à estética pulp dos anos 1940 e 1950, uma época que ainda era livre do rígido código de censura que foi imposto pela indústria dos quadrinhos.

Eightball Completo

Seja pela ousadia em mergulhar em personagens complexos e absolutamente humanos, pela obstinação de seu trabalho ou pela inventividade que resolveu contar suas histórias, Daniel Clowes se consagrou como uma das influências mais importantes, cruas e divertidas dos quadrinhos independentes. Seu trabalho ecoa em obras de artistas que vão desde Charles Burns a Derf Backderf, e merece estar na coleção de todo fã de HQs. 

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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