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A casa como espaço de opressão

Tananarive Due aponta violências raciais e geracionais em Casa Hereditária

24/04/2025

Quando pensamos no gótico enquanto gênero literário, é fato que o ambiente físico impacta diretamente na narrativa. A casa, por exemplo, deixa de ser somente um espaço habitável pelos protagonistas e passa a ser um ambiente vivo, que pulsa e ganha identidade própria, se tornando essencial para o desenvolvimento da história. São exemplos já conhecidos por aqui obras como: A Casa de Folhas, de Mark Z. Danielewski que redesenhou o horror moderno, Quando os Adams Saíram de Férias e muitas outras histórias.

LEIA TAMBÉM: Horror que vem do sangue: Conheça Tananarive Due

O fato é que, muito mais do que espaços que guardam memórias, a casa enquanto espaço físico representa questões que dialogam com a nossa realidade. No caso de Casa Hereditária, de Tananarive Due, a casa é um ser geracional, que pulsa, gera a vida e representa a morte.

Em seu primeiro romance publicado no Brasil, a autora explora as questões do trauma geracional para a comunidade negra. Nele conhecemos Angela, advogada em Los Angeles que sempre passou a infância em Sacajawea, onde foi criada pela avó Marie. Mas, um 4 de julho muda toda a trajetória de sua vida e o seu ciclo familiar é descontinuado de modo sem igual, no entanto, anos depois, Angela decide que é hora de enfrentar os fantasmas do passado e encarar de frente os monstros que habitam a casa de sua avó.

casa hereditária

Tananarive coloca em pauta um dos assuntos mais importantes para pessoas negras na literatura: o trauma geracional. Enquanto Marie Toussaint herdou uma casa nos anos 20 e precisou lidar com o racismo da época, além dos estereótipos apontados para mulheres negras que eram vistas como “curandeiras”. Angela, em um período mais recente, precisa encontrar a sua própria história em meio ao luto e à tristeza, compreendendo que o lar é uma referência direta ao seu espaço de pertencimento.

Para muitos, uma casa no alto da colina é sinônimo de puro horror, para Tananarive Due o lar Toussaint significa muito mais que isso, apresentando diversos pontos de vista, Casa Hereditária mostra que a herança é muito mais ancestral do que se tem controle. A casa passa então a ser um espaço de denúncia para essas mulheres, primeiro Marie, enquanto uma das únicas mulheres negras na cidade na época, já Angela, precisando lidar com os impactos dos atravessamentos raciais nos dias de hoje. 

De modo metafórico, a casa em si apresenta todos os elementos do horror: um piano que toca sozinho, o encanamento que parece ter vida própria, pequenos estalos pelos cômodos, além das descrições que mostram como o ambiente parece acinzentado. No entanto, o que nos faz sentir arrepios é a contestação de que esse foi um espaço de dor, seja para Marie, por sofrer as duras consequências do racismo da época, pelos vizinhos ou pelas pessoas que não foram capazes de respeitar a crença alheia, ou por Angela, que compreende os atravessamentos que isso causou em sua família. A casa então passa a ser um lugar de lembrança do que aconteceu com essa ancestral e dos poderes ― sejam eles reais ou não ― usados quando necessário.

a casa hereditária

Due não tem medo de provar que em Sacajawea o que movimenta o ódio é o fato de que uma das terras mais preciosas da região, é de total poder de uma família negra. Estar no controle enquanto grupo historicamente marginalizado parece incerto para esses habitantes.

As tradições de matrizes africanas se mantêm vivas na narrativa através de Marie, principalmente porque para esses povos a cultura da comunidade e o vodu enquanto prática ancestral é muito mais do que um modo de vida, é uma forma de se conectar diretamente com os seus antepassados e garantir a existência daqueles que ainda existirão nessa casa. A conexão entre família, espaço e natureza é gritante, como se coexistissem em um microcosmo: não há comunidade negra sem a cura pelas ervas, não há família Toussaint sem uma conexão ancestral.

A casa se torna então o ponto de conexão entre os mais velhos, os mais novos e aqueles que não podemos ver, algo bem comum em culturas afro-diaspóricas. O que prova como Tananarive Due ao longo do processo de escrita da obra, se manteve comprometida com a pesquisa de culturas do continente africano, assim como se manteve atenta para desconstruir o imaginário criado pelo ocidente a respeito de práticas como o vodu.

a casa hereditária

Para os apaixonados por personagens impactantes, complexos e que são tão reais que beiram o assustador, Casa Hereditária definitivamente é o tipo de narrativa que irá te prender. Nessas mais de 500 páginas, Tananarive Due deixa evidente as suas referências a nomes já conhecidos pela Caveira, como Stephen King e Clive Barker. Já para aqueles que não abrem mão de uma boa descrição de casa mal-assombrada, a autora mostra que narrativas assim nunca saem de moda, e podem ser reimaginadas a partir de uma ótica que preza pelo debate mais diverso sobre o tema.

Se em Horror Noire Tananarive Due ficou conhecida pela frase “história negra é horror negro” em seu lançamento no Brasil, ela prova que o trauma histórico e geracional não cabe apenas em um cômodo, ele cabe em uma casa inteira, e essa casa quase sempre se mantém no alto da colina.

LEIA TAMBÉM: A importância de bruxas e curandeiros na história

Sobre Dayhara Martins

Avatar photoRedatora e mulher preta, fala de livros na internet há mais de 10 anos, sempre abordando a temática racial e mostrando a importância desses recortes para um olhar mais realista sobre o que nos cerca. A literatura é sempre o seu refúgio, mas também encontra em referências musicais e filmes o que a constitui como pessoa. Você pode sempre encontrá-la com um livro da caveirinha na cabeceira antes de dormir.

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