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A ligação feminina com o sobrenatural na ficção

Descubra o que está por trás dessa construção histórica

12/08/2025

O que você faria se descobrisse que sua esposa é uma poderosa bruxa? Não, não estamos falando de A Feiticeira, famosa série da década de 1960 estrelada por Elizabeth Montgomery, mas sim de A Invocação da Bruxa, primeiro romance do escritor estadunidense Fritz Leiber. Lançado mais de duas décadas antes de Samantha Stephens fazer sua estreia na televisão, A Invocação da Bruxa abordou o assunto com uma seriedade única, se transformando em um clássico do horror moderno que celebra a bruxaria como um poder natural e feminino. 

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Publicado pela primeira vez em 1943, de forma seriada na revista Unknown Worlds, A Invocação da Bruxa acompanha Norman Saylor, um cético professor universitário que descobre que sua esposa, Tansy, é uma poderosa bruxa. Após a descoberta chocante, ele tenta convencê-la de que sua fé na magia não passa de uma grande superstição. No entanto, quando Tansy destrói seus encantamentos e amuletos, a vida de Norman toma um rumo inesperado, o fazendo perceber que até agora estava sendo protegido pelos feitiços da esposa. 

a feiticeira

Confrontando conceitos como ciência e magia, A Invocação da Bruxa inspirou diferentes adaptações ao longo dos tempos, sendo A Filha de Satã, filme de 1962 dirigido por Sidney Hayers, a mais famosa. O romance também chama a atenção por combinar elementos de horror, fantasia e realismo psicólogo, desafiando classificações tradicionais e levantando temas como papéis de gênero, a relação entre o racional e o irracional e a própria natureza da magia.

Entre personagens assustadoramente humanos, motivados por interesses mesquinhos e disputas banais, A Invocação da Bruxa traz em seu âmago uma questão que continua ecoando entre pesquisadoras e pessoas interessadas no assunto: por que as mulheres têm mais ligação com o sobrenatural na ficção?

Invocação da Bruxa

Uma questão histórica e simbólica

Muito antes de sequer pensarmos na existência da ficção literária tal qual a conhecemos hoje em dia, há muito tempo que assuntos como magia, superstição e sobrenatural já eram concebidos como particularmente femininos. Inúmeros documentos da Antiguidade Clássica, por exemplo, demonstravam a crença no poder mágico de determinadas mulheres de fabricarem venenos e serem intermediárias em casos amorosos. 

Essa relação com o sobrenatural também era vista na mitologia grega, personificada por divindades como Diana, Hécate e Selene e suas ministras, Medéia e Circe. Por estarem associadas a elementos da natureza, a saberes ancestrais e à própria lua, tais personalidades simbolizam uma sabedoria feminina oculta, muitas vezes inacessível aos homens.

Além dos gregos, muitas culturas antigas associavam as mulheres aos ciclos da lua e da fertilidade, assim como às noções de noite e morte, comumente consideradas mágicas e misteriosas. A capacidade de gerar vida e dar à luz, contribuiu imensamente para que se construísse uma elaboração discursiva do feminino como naturalmente associado a forças ocultas, ao invisível e ao perigoso. Levando em consideração a grande quantidade de mulheres que morriam durante o parto e de crianças natimortas, também foi criada uma ambiguidade em torno da própria maternidade, reforçando a associação entre o feminino, o sobrenatural e a morte. 

circe

Isso por sua vez explica porque em muitas civilizações, os cuidados dos mortos e os rituais funerários eram atividades essencialmente femininas, já que as mulheres estavam mais conectadas aos ciclos de vida e morte. Por outro lado, isso também nos ajuda a entender a existência de várias deusas da morte e de monstros femininos famosos, como a Medusa e as sereias. De certa forma, todas essas questões contribuíram para a construção de um arquétipo feminino conectado ao mistério, aos saberes místicos, à natureza e ao sobrenatural, algo que com o tempo foi sendo lentamente incorporado em outros aspectos sociais e culturais, como a literatura e o cinema. 

O sobrenatural como forma de expressão e subversão

Historicamente, essa ligação entre o feminino e o sobrenatural ajudou a construir as mulheres como o “Outro”, criando uma diferença em relação aos homens, que eram vistos como a norma. Essa associação entre o feminino, o inexplicável, o perigoso e até mesmo o sobrenatural também gerou discursos de inferioridade, que por sua vez ajudaram a basear a exclusão das mulheres de espaços de decisão e debate, além de serem um dos vários motivos que alimentaram as perseguições como a caça às bruxas na Idade Moderna.

a filha de satã

Contudo, no campo da ficção essa relação foi muitas vezes utilizada como forma de agência e subversão. Basta pensarmos, por exemplo, nas histórias góticas escritas por mulheres no século XIX. Aqui, a relação entre o feminino e o sobrenatural era utilizado como uma forma de expressão, permitindo às escritoras tecer críticas ao poder masculino e à sexualidade, algo inacessível em gêneros mais realistas. 

Por meio de enredos sobrenaturais e fantasmagóricos, escritoras como Elizabeth Gaskell, Edith Nesbitt, Emily Brontë e inúmeras outras encontraram maneiras de abordar a opressão e vitimização feminina. Ao confrontar o mundo masculino, marcado por uma pretensa racionalidade moderna, com crenças mais antigas, como superstição, magia e intuição, tradicionalmente ligadas à feminilidade, isso também transformava o sobrenatural em um espaço de resistência, tanto dentro quanto fora das páginas. 

Com o tempo, o sobrenatural também passou a ser utilizado pela ficção como uma forma de conceder agência a suas personagens, que utilizam a magia, a bruxaria e até mesmo habilidades psíquicas como forma de comandar seus próprios destinos e explorar uma autonomia historicamente negada. É o caso da figura da bruxa, por exemplo, a qual em muitas narrativas se torna uma personagem poderosa que desafia a ordem social com seu poder e ligação com forças ocultas.

sabrina

Por outro lado, no gênero do terror encontramos uma diversidade de representações em que as mulheres podem ser retratadas tanto como vítimas quanto como agentes do sobrenatural, algo que por sua vez pode tanto reforçar a ideia do feminino como o “Outro” perigoso quanto criticá-lo. Enquanto alguns filmes e livros realmente utilizam essa conexão com o sobrenatural como algo “anormal” que deve ser temido, refletindo medos e ansiedades masculinas, outros a utilizam para explorar ansiedades e medos específicos sentidos por mulheres, como maternidade forçada, pressões sociais, traumas, desejos.

 Desta forma, enxergamos como a ficção utiliza uma ligação histórica e simbólica, que data de séculos atrás, como uma lente para explorar questões atuais e ressignificar preconceitos antigos. No caso de autoras como Shirley Jackson, Carmen Maria Machado e Tananarive Due, o sobrenatural surge como um terreno fértil para contarmos histórias sobre temas e assuntos invisibilizados ou reprimidos, como questões de gênero, violência e resistência. Para além do cinema e da literatura, basta pensarmos em séries de televisão como Buffy, Sabrina e Charmed, os quais utilizam personagens femininas conectadas ao sobrenatural como uma ferramenta poderosa para abordar temas como empoderamento, identificação, amadurecimento e autonomia. 

charmed

Já em A Invocação da Bruxa, Fritz Leiber traz justamente um pouco desse debate, utilizando a dicotomia entre ciência/magia e racional/irracional para abordar papéis de gênero e a ligação histórica entre mulheres e o sobrenatural. No entanto, Leiber não utiliza essa conexão como mais um clichê ou arquétipo negativo, mas sim como um espelho simbólico de uma discussão antiga, que o ajuda a criar uma narrativa complexa e rica em nuances. 

É justamente por isso que A Invocação da Bruxa se tornou uma das melhores obras do autor, que escreveu uma história assustadora e convincente sobre amor, sacrifício, magia e o invisível, mostrando que realmente não somos capazes de enxergar tudo que existe ao nosso redor. 

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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