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Ada Lovelace desafiou o machismo e se tornou a primeira programadora da história

“Sou mais do que nunca a noiva da ciência. A religião para mim é ciência, e a ciência é religião.” — Ada Lovelace

11/02/2019

Por Isabelle Simões

Quem disse que matemática e programação não são coisas de mulher? Não ouvimos até hoje dizeres machistas que as meninas e mulheres não servem para estudar e seguir a carreira da área de ciências exatas? Que mexer com números, algoritmos e computação não é coisa de mulher? Ainda querem nos manter exclusivamente no âmbito familiar, delimitando nossos interesses de estudos e carreiras profissionais com base no gênero. Na mente de muitas pessoas ainda, o lugar da mulher ainda é da domesticidade no lar.

Pensando nisso, a autora Angela Saini escreveu um livro intitulado Inferior é o Caralho, que relata como a ciência e a história silenciou e invisibilizou ao longo das décadas as descobertas científicas e os trabalhos realizados por mulheres, com base em fatos distorcidos e guiados pelo preconceito da época, alegando a inferioridade das mulheres em comparação aos homens.

“Confiamos aos cientistas a missão de nos alimentar com fatos objetivos. Acreditamos que a ciência oferece uma história livre de preconceitos. É a nossa história, partindo da própria aurora da evolução. Quando o assunto é a mulher, uma enorme parte dessa história está errada.” — Angela Saini

Como disse a autora Virginia Woolf, “Por muito tempo na história ‘anônimo’ era uma mulher“. A história desde o início foi contada por uma perspectiva masculina e branca, que sempre destinou às mulheres o papel de musas inspiradoras e quase nunca de realizadoras, pesquisadoras, cientistas ou protagonistas de suas descobertas – a mulher como criadora de parte da história. Nas décadas passadas, diversas pesquisadoras e cientistas eram vistas apenas como ajudantes ou auxiliares de cientistas homens e muitas tiveram seus trabalhos e patentes roubados por outros homens. De acordo com a escritora Sam Maggs, no livro Wonder Women – 25 Mulheres Inovadoras, Inventoras e Pioneiras que Fizeram a Diferença desde o século XVIII, apenas 5% das patentes nos Estados Unidos foram concedidas em nomes de mulheres. Se a história foi contada majoritariamente pelos homens, portanto, por uma questão de gênero e preconceito, alguns acabaram levando o crédito das invenções e descobertas de outras mulheres.

Um pouco sobre a vida e obra de Ada Lovelace

A Condessa de Lovelace, conhecida como Ada Lovelace, foi uma mulher que marcou a história e desafiou a sociedade da sua época. Além de ter sido capaz de criar o primeiro algoritmo, tornou-se a primeira programadora do mundo. Fez história numa época onde pouquíssimas mulheres tinham sequer o privilégio de estudar, ainda mais de estudar matemática – uma área que até hoje é vista como “masculina”. Mesmo após a sua morte, em 1852, com o surgimento dos movimentos feministas e das conquistas relativas aos direitos das mulheres, por que ainda quase não ouvimos falar da importância da matemática e cientista Ada Lovelace nos livros de história ou até mesmo nos livros de programação?

Nascida em Londres, no dia 10 de dezembro de 1815, Ada Lovelace ou Augusta Ada King (seu nome de batismo) adquiriu o amor e o interesse por estudar matemática graças à sua mãe, a Baronesa Wentworth, Anne Isabelle Milbanke, que era grande conhecedora de ciências matemáticas e astronômicas e vinha de uma família rica. Sua mãe casou-se com o poeta Lord Byron, um dos poetas mais conhecidos do romantismo, mas Ada nunca chegou a conhecer seu pai. Sua mãe o abandonou logo após o seu nascimento, devido as inúmeras traições praticadas por ele durante o matrimônio.

Herdeira de uma grande fortuna, sua mãe não queria que ela se tornasse poeta como o pai. Educou sozinha sua filha e despertou o interesse dela, a partir dos 4 anos de idade, nas áreas de ciência, matemática e música. Ada também manifestou interesse nos avanços tecnológicos da Revolução Industrial, enquanto Byron era um apoiador do ludismo no Parlamento inglês, movimento que era contra todas aquelas máquinas que estavam substituindo trabalhadores.

Curiosa e sempre dedicada aos estudos, Ada pensou na ideia de criar mecanismos que voassem. E com apenas 12 anos de idade, escreveu e ilustrou um livro intitulado Flyology, explicando suas ideias sobre esse objetivo. Incentivada e educada com o grande privilégio dos melhores tutores e aristocratas de sua época, manifestou desde logo uma grande aptidão para a Matemática. Seus estudos mais avançados foram realizados com a supervisão de Augustus De Morgan, o primeiro professor de matemática da Universidade de Londres – que inclusive foi a primeira Universidade da Inglaterra que permitiu que mulheres estudassem, fato que ocorreu somente 26 anos após a morte de Ada.

Guiada pela mãe na nobreza intelectual londrina, Ada foi inspirada por Mary Somerville, a primeira mulher a entrar para a Sociedade Real de Astronomia, junto com Caroline Herschel. A conhecida astrônoma se tornou amiga e mentora de Ada, além de ter sido a responsável para que Ada iniciasse sua parceria, em 1833, com Charles Babbage, professor de matemática e o inventor da Máquina Analítica – uma espécie de aparelho que calculava e operava com elementos finitos.

Inicialmente, Charles Babbage recusou os pedidos de Ada para aceitá-la como sua aluna. Mas Ada não desanimou e mostrou sua resistência e perseverança. Quando o matemático publicou um artigo sobre a máquina analítica (criada para executar e imprimir cálculos matemáticos, considerada como precursora dos computadores modernos), Ada leu sua pesquisa e notou que sua invenção seria capaz de fazer algo muito além do imaginado. Portanto, Ada traduziu o artigo para o inglês – o artigo foi publicado originalmente em uma jornal suíço – e aproveitou para complementar o trabalho de Charles adicionando notas de rodapé, que duplicaram o tamanho do artigo. Impressionado com a genialidade e a perspicácia de Ada, ambos mantiveram uma grande amizade e trabalharam juntos.

Entre 1842 e 1843, Ada traduziu um artigo italiano sobre o motor e complementou a pesquisa com suas observações, que ela chamou de Anotações. Essas notas, que amplificaram o artigo original, continham um algoritmo criado para ser processado por máquinas, sendo considerado o primeiro software e programa de computador já criado. Ou seja, a matemática estava muito à frente de seu tempo quando teve a genial ideia do que um algoritmo seria capaz de fazer. Que mulher, hein?! <3

E o trabalho de Ada Lovelace não para por aí. A matemática criou o conceito de subrotina: uma sequência de instruções que pode ser usada várias vezes em diferentes contextos. Ada ainda descobriu o valor das repetições – os laços (loops), informando a necessidade da existência de uma instrução que retornasse a leitora de cartões a um cartão específico, de modo que a sequência pudesse ter sua execução repetida. Suas anotações revelaram que ela já previa o potencial para a música gerada pelo computador. Antes de adoecer, ela escreveu uma carta para sua mãe dizendo que estava pesquisando e explorando o relacionamento entre a música e matemática. Mesmo com o escasso material científico que existia em sua época, ela foi capaz que prever que futuramente a Máquina Analítica poderia ser utilizada para compor melodias complexas. A linguagem ADA foi criada nos anos 70 e batizada em homenagem a essa mulher genial que foi Ada Lovelace.

O autor Walter Isaacson escreveu o seguinte sobre Ada Lovelace:

“Ada herdou o espírito romântico do pai, um traço que sua mãe tentou minimizar ao ensiná-la matemática. A combinação produziu em Ada um amor pelo que ela chamou de “ciência poética”, que ligava sua imaginação rebelde a seu encantamento por números. Para muitos, inclusive seu pai, as sensibilidades rarefeitas da era romântica entraram em conflito com a euforia por tecnologia da Revolução Industrial. Ada porém, se sentia confortável na interseção de ambas as eras.”

Um fato que muitos desconhecem sobre a vida de Ada Lovelace é que além dela ter investido em seus estudos, sempre buscando melhorias e novas descobertas na sua carreira, ela também contestou os costumes delimitados as mulheres através da prática de hábitos que eram vistos como incomuns para as mulheres: gostava de beber e jogar. Portanto, além de toda a sua importante contribuição para a ciência e humanidade, ela ainda foi uma das pioneiras do movimento feminista, mesmo sem ter essa pretensão.

Casou-se aos 20 anos com William Lord King, que foi nomeado Conde de Lovelace em 1838, e Ada tornou-se Lady Lovelace. Ela ficou doente depois da segunda gravidez e acabou falecendo no dia 27 de novembro de 1852, com apenas 36 de idade, decorrente de um câncer no útero – diagnóstico que ela desconhecia na época. Foi enterrada ao lado do pai, Lord Byron, que nunca chegou a conhecer.

Ada não teve reconhecimento sobre suas pesquisas durante sua época. O que mais entristece é saber é que Ada apenas foi reconhecida como pioneira da computação após Alan Turing ter feito referência ao seu trabalho. Ou seja, ela somente foi reconhecida após a menção de um homem. E quantas mulheres não passam pela mesma invisibilidade nos dias atuais? Mulheres ainda são constantemente silenciadas e ignoradas mesmo quando possuem conhecimento sobre o assunto, como bem pontua Rebecca Solnit em seu livro Os Homens Explicam Tudo Para Mim. Quantos eventos científicos ou até mesmo no cenário nerd que não se preocupam em trazer a igualdade entre participantes? É comum ainda vermos majoritariamente homens como convidados nos eventos e palestras. Nossos argumentos ainda não são reconhecidos para muitos.

Ada Lovelace foi uma das mulheres geniais que foram ignoradas pela história. Mesmo dotada de privilégios, decorrente da fortuna de sua mãe, Ada permitiu que suas descobertas abrissem portas para o aprimoramento de seus conceitos, com o desenvolvimento de novas tecnologias. Se hoje temos computadores modernos e smartphones, parte dessa tecnologia ocorreu devido a elaboração de Ada com o surgimento do primeiro algoritmo da história. Precisamos reaprender e redescobrir a história que nos foi ensinada com outro olhar. Buscar o conhecimento sobre as diversas “anônimas” que realizaram grandes trabalhos na história da humanidade. Mulheres que resistiram e deixaram o seu legado, inspirando outras mulheres a tornarem-se cientistas. Obrigada, Ada Lovelace.

“Nada jamais foi dado à minorias ou às mulheres. Foi necessário lutar para conseguir oportunidades iguais, e continuamos lutando hoje em dia.” – Annie Easley (programadora de computador, matemática e cientista de foguetes)

Publicado originalmente no blog Delirium Nerd

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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1 Comentário

  • Sandra Babetto

    20 de agosto de 2020 às 14:26

    Sou uma mulher de quase 50 anos e é muito significativo conhecer a história de Ana Lovelace. Inspira-me a reaprender com essas mulheres. Vou procurar o livro Os Homens Explicam Tudo Para Mim (situação tão recorrente em minha vida, rsrsrsrs). Vou para de escutá-los (não que seja de todo ruim, adoro a companhia deles) mas devo dedicar mais tempo às minhas próprias leituras.

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