Apesar de parecer ter sido feita especificamente para o momento pelo qual o Brasil passa, a HQ Revolta da Vacina foi concebida há mais de 15 anos. A intenção do quadrinista André Diniz era retratar este período histórico do país, que remonta ao início do século 20. Nem ele fazia ideia de que a história conversaria tão bem com a situação atual.
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Diniz é um experiente e premiado roteirista e ilustrador, com mais de 30 títulos publicados em países como Brasil, França, Inglaterra, Portugal e Polônia. Atualmente ele mora com sua esposa em Braga, Portugal. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão Fawcett (2000, com arte de Flávio Colin, ganhador do prêmio Ângelo Agostini), 7 Vidas (2009 com arte de Antonio Eder, ganhador do Troféu HQmix), O Quilombo Orum Aiê (2010), Morro da Favela (2011, ganhador do Troféu hqmix) Matei Meu Pai e Foi Estranho (2017) e O Idiota (2018).
Em uma entrevista ao DarkBlog, André Diniz comentou um pouco de sua trajetória, a vida em Portugal, o mercado de quadrinhos brasileiro e, claro, o lançamento de Revolta da Vacina pela DarkSide® Books. Confira:
DarkSide: André, você como roteirista e ilustrador com mais de trinta títulos em sua carreira, vários deles premiados, conta pra gente como tudo começou.
André Diniz: Ih, aí eu pareço velho, porque envolve xerox e um mundo sem internet. Nem vou citar aquela questão de “faço quadrinhos desde criancinha” porque isso é quase que uma norma. Mas cheguei aos meus primeiros leitores em 1994 (caramba, 27 anos!) fazendo meus fanzines no formato 1/4 de ofício, oito páginas. Basicamente, uma folha ofício cortada ao meio e dobrando juntas as duas metades, com um grampo. Aí eu tirava 500 exemplares por uma pechincha (500 folhas impressas frente e verso) e punha para distribuir nas lojas especializadas. Depois, passei a pegar pequenos anúncios e a imprimir em jornal, o que também era muito barato.
D: Você nasceu no Rio de Janeiro, mas atualmente mora em Portugal. Como essa mudança aconteceu e em que isso influenciou em sua carreira?
AD: Eu e minha mulher somos do Rio. No entanto, desde 2003, quando fomos para Petrópolis, ficamos na busca de um lugar ideal. Um ano em Petrópolis, seis anos em Itaipava (distrito de Petrópolis, a 30 minutos do Centro), depois cinco anos em São Paulo, mais cinco anos em Lisboa, e agora em Braga (tida como a terceira cidade de Portugal, em termos de tamanho e infraestrutura – e bem mais barata que Lisboa, principalmente). Entre a busca por qualidade de vida e custo baixo, sem ficarmos isolados do que acontece no mundo, estamos muito satisfeitos aqui.
Amo cidades, adoro conhecê-las. A maior atração de uma viagem para mim é a cidade em si. Se tiver mais tempo, vou a museus, pontos turísticos, essas coisas, mas o mais importante pra mim é andar e se perder pela cidade e sentir a personalidade dela. A maior parte das minhas HQs tem uma cidade como personagem, mesmo que mais implícito. Se fosse em outro lugar, eu teria que mudar muita coisa, ou escrever outra história.
São Paulo é a minha paixão, por mais que eu tenha saído de lá tomando antidepressivos e remédio tarja preta… Curiosamente, Lisboa nunca me inspirou uma história, ao menos até agora. História é conflito, é medo, é algo a ser desvendado, e Lisboa e Braga são lugares que me deixam tranquilo, então não me inspiram. São Paulo e Rio sim, me deixaram até hoje com traumas, paixões, com muita coisa a ser explicada, e eu trabalho isso nas minhas HQs.
D: Falando agora do seu novo trabalho que vai ser publicado pela DarkSide® Books, como surgiu a inspiração para Revolta da Vacina? Por que decidiu retratar esse período da história do nosso país?
AD: A ideia veio vários anos antes da pandemia, lá por 2005, e o tema foi sugerido pelo amigo Alexandre Linares. Pesquisei a respeito e bati o martelo. Aí foi um caminho longo, certamente a minha HQ que mais deu voltas até o resultado final. Cheguei a fazer uma primeira versão em preto e branco, com traços fortes (mais próximo do estilo da versão definitiva, a que é lançada agora). Depois, ainda com o título de Z de Zelito, fiz uma nova versão, com o desenho sem traços e (lindas) cores da Marcela Mannheimer, que foi publicada com muitos problemas e quase ninguém chegou a ler. Agora, para a DarkSide, voltei a trabalhar nos desenhos e mergulhei no estilo que mais gosto de trabalhar nos últimos anos: preto e branco, com traços fortes, num aspecto mais xilogravura.
Mas, indo mais direto na pergunta: é um episódio não muito conhecido, que resume o Brasil da época e mostra, de forma assustadora, como quase nada mudou. Sem falar que eu amo desenhar o Rio antigo.
D: O protagonista da história é o Zelito, um jovem ilustrador que parte para o Rio de Janeiro em busca de realizar seus sonhos de carreira. Como você se relaciona com a trajetória do personagem? De onde surgiu a inspiração para ele?
AD: Apesar dele também desenhar, Zelito definitivamente não sou eu. Não tive pai opressor (pelo contrário, meu pai era um poeta que sempre me incentivou nos quadrinhos), nem irmão morto, nem… nem era vivo em 1904, eu juro. As situações são dele. Mas obviamente eu emprestei muito de mim ao personagem, principalmente nessa busca adolescente de mirar o céu, fazer muita burrada e tentar corrigir fazendo mais burrada ainda. E eu gosto de tratar temas reais vivenciados por personagens fictícios. Assim, tenho o melhor dos dois mundos: o real e o da ficção.
D: O quadrinho chega na DarkSide® em um momento da história do país em que estamos novamente enfrentando questionamentos sobre a eficácia das vacinas. Como é fazer uma HQ que dialoga com algo tão recente da realidade brasileira?
AD: O mais louco é que a HQ ficou muito mais atual agora do que quando eu a escrevi! Estamos agora enfrentando a mesma situação, com epidemia e vacinas, com governo autoritário, tentativas de golpe, fake news, teorias da conspiração… Escolhi esse tema para falar do passado, mas sem eu saber, aquilo tudo seria nosso futuro bem próximo. Então, é bem estranho esse diálogo com o presente do país. Jamais imaginei que fôssemos reviver isso tudo mais de 100 anos depois, com tanta informação e tecnologia disponível, além das lições do passado.
D: Como você vê o mercado de quadrinhos hoje no Brasil?
AD: “O Brasil não é para amadores”, e o mesmo vale pro mercado de quadrinhos brasileiro. Claro, não me refiro ao artista amador, mas você tem que saber o que é o Brasil antes de compreender a dinâmica das HQs brasileiras. Percebo muito como isso é mais complexo quando converso com o pessoal aqui de Portugal. Aqui, as tiragens de um álbum mais autoral estão na faixa de 500 exemplares (lembrando que Portugal tem 11 milhões de habitantes e a “banda desenhada” aqui é um nicho do mercado editorial). Daí, fica a impressão de que as tiragens no Brasil são gigantescas pela proporção dos países, mas quando eu falo em tiragens de mil, dois mil exemplares, gera uma confusão:
– Mas não são mais de 200 milhões de brasileiros?
– Sim, mas uma parcela bem menor lê e compra livros, sem falar na dificuldade de distribuir em pontos mais afastados da região sudeste e a falta de livrarias por boa parte do país.
– Então não vale a pena fazer quadrinhos no Brasil?
– Não é bem assim, nos grandes eventos tem tido cerca de 500 autores vendendo suas HQs, com centenas de títulos novos a cada ano.
– Ah, então se publica muito no Brasil. Eles publicam portugueses? Quero mandar minha HQ para ser avaliada.
– Não é tão simples, pois a maior parte dessas edições são publicadas e vendidas pelos próprios autores.
– Mas então é impossível viver de quadrinhos no Brasil.
– É bem difícil, mas há projetos e linhas de financiamento que ajudam nisso.
– E o Mauricio de Sousa?
– Mauricio de Sousa ilustra o mercado de quadrinhos brasileiro assim como Freddie Mercury representa a influência do rock da Tanzânia no mundo (ele nasceu lá).
Como explicar isso a quem é de fora?
Mas há pontos inegáveis: a diversidade dos quadrinhos brasileiros é riquíssima e isso expandiu em muito o público leitor. Algo que ilustra isso é haver na Polônia a editora Mandioca, que vem publicando diversas HQs brasileiras, assim como a editora Polvo, de Portugal, tem reunido um acervo de mais de 30 HQs brasileiras (tive a honra de ter o Morro da Favela estreando as duas coleções).
D: Gostaria de deixar um recado para os darksiders?
AD: A DarkSide é uma editora única, tanto pro leitor como nos bastidores!
Para conhecer mais do trabalho de André Diniz acesse andrediniz.net.
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5 Comentários
Miriam Mannheimer
8 de fevereiro de 2021 às 17:10
Miriam Mannheimer
8 de fevereiro de 2021 às 17:10
Meu genro e demais!
Jacqueline
12 de fevereiro de 2021 às 20:55
Jacqueline
12 de fevereiro de 2021 às 20:55
As cores da Marcela são mesmo espetaculares!!!