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O UNIVERSO DARK DE FÃ PARA FÃ


Cesar Bravo From HellEntrevista

Entrevista com Marco de Castro e Dácio Pinheiro

Conversa sobre o curta O Aniversário do Seu Lair, que estreia em SP

15/12/2022

Com alguns anos de prática e estudo, um escritor de horror razoável irá conseguir assustar seus leitores, mas se falamos aqui de uma substância bem mais sutil e venenosa, com toques de humor ácido e muita realidade, precisamos ir um pouco além.

LEIA TAMBÉM: CONTO DE MARCO DE CASTRO VIRA CURTA-METRAGEM

Desde que me iniciei do outro lado da ponte, o da edição, tenho me surpreendido com muitos autores, e esse é o caso do autor paulistano Marco de Castro. Dono de uma imaginação afiada e de uma bagagem de realidade que beira o absurdo, Castro vem inovando com seus textos, tanto pelo horror, quanto pelo tom bem-humorado e soturno que muitas vezes toma suas histórias.

Um perfeito exemplo dessa mistura especial é “Aniversário”, conto presente em Morto não Fala e Outros Segredos de Necrotério, que foi adaptado sob as lentes de Dácio Pinheiro como O Aniversário do Seu Lair, contando com atores como Tonico Pereira e Tânia Alves.

morto não fala e outros segredos do necrotério

Fizemos uma sessão especial com os criadores do curta-metragem que vem arrancando calafrios e risos inadvertidas ao redor do mundo, e ouvimos um pouco de como foi a criação desse novo universo que transcende as páginas.

Com a palavra, Marco de Castro:

Cesar Bravo: Sabemos que cada história tem uma maneira única de nascer na mente de seu criador, como foi que surgiu a ideia inicial de “Aniversário”, a história original de seu livro “Morto não Fala e Outros Segredos de Necrotério”? Existiu algo real que o inspirou a escrevê-la?

Marco de Castro: Escrevi “Aniversário” pouco tempo depois da morte do meu avô materno, a quem eu era muito apegado. Ele partiu alguns meses após o falecimento da minha avó e estava bem depressivo em seus últimos dias. Dizia com frequência que a velhice era “uma merda” e que estava cansado de viver. Foi isso que me inspirou, apesar de ele ser bem diferente do Seu Lair. Meu avô até curtia tomar uns tragos, mas não era pé-de-cana, nem sentia saudade dos tempos de gandaia como o protagonista do conto. Essa personalidade do Lair foi inspirada, mesmo, em como eu era na época, aos 25 anos, com um fígado zerado e muita disposição e energia para curtir as noitadas em São Paulo. Ao escrever “Aniversário”, meio que imaginei como seria a situação daquele Marco doido, baladeiro e beberrão na velhice.    

CB: Notamos que seu trabalho nos livros é bastante visual. Na sua escrita, o cinema contribuiu/contribui para a composição das histórias? Você acredita que o audiovisual pode contribuir para alavancar o gênero de horror literário no Brasil?

MC: Sim! Na minha vida, o cinema de terror veio antes da literatura de terror. Foi a partir dos filmes que comecei a me interessar pelos livros, ainda durante a adolescência. Quando escrevo, é como se um cineminha mostrasse as cenas se desenrolando na minha cabeça, e é justamente esse efeito que quero passar pro leitor. E acredito que, com certeza, o audiovisual contribuiria muito para popularizar o horror literário no Brasil, da mesma forma como acontece na Europa, nos EUA e outras partes do mundo desde que o cinema passou a adaptar obras clássicas como Frankenstein e Drácula até o lançamento de filmes baseados em histórias de Stephen King e Clive Barker. Afinal, foi o cinema que transformou os monstros interpretados por Boris Karloff e Bela Lugosi, assim como mais recentemente o Pinhead do Hellraiser e o palhaço Pennywise do It, em ícones da cultura pop.  

marco de castro

CB: Quem conhece seus textos, rapidamente nota suas assinaturas (o humor ácido, a periferia, a realidade dos personagens). Nesse curta-metragem, você chegou a participar ativamente da concepção do roteiro?

MC: Assino o roteiro junto com o meu amigo Fábio Embu, que tem longa experiência como roteirista na televisão (foi o criador e intérprete do personagem “Homem Beringela”, do extinto programa Pânico na TV, entre outros trampos). Mas o roteiro do curta também teve contribuição de vários membros da equipe envolvida no filme, como o diretor Dácio Pinheiro e até o Tonico Pereira, que interpreta o Lair. Afinal, trabalhamos com um orçamento apertado e precisávamos deixar a história mais “enxuta”, cortando personagens e algumas das cenas presentes no conto. Foi uma sugestão do Dácio, por exemplo, que o Satanás fosse interpretado por uma mulher, e do Tonico que essa mulher fosse a Tânia Alves.

CB: Como é a emoção de ver algo que nasceu em sua mente ser traduzido para as telas? Você gostou do resultado? Existiu alguma surpresa ou cena mais impactante?

MC: É sempre muito emocionante ver uma história que a gente escreve ganhando vida por meio do trabalho de um elenco e das equipes que cuidam do cenário, do figurino… Ver o resultado de como o diretor conduz as cenas que antes só existiam na nossa imaginação. Eu já tinha sentido essa emoção quando vi “Ninjas” e “Morto Não Fala”. No caso de “O Aniversário do Seu Lair”, ainda teve um gostinho especial por eu ter participado de toda a concepção do projeto junto com o Dácio, como a escolha de atores, de locações… Fora isso, foi um filme feito “entre amigos”, já que além do Embu e do Dácio, teve o Rodrigo Menecucci, que é outro “truta das antigas” e foi responsável pela montagem do filme. Quanto à cena mais impactante, para mim, é a inicial, que mostra o Seu Lair olhando as velas acesas sobre o bolo de aniversário, enquanto a família canta “Parabéns a Você”. A expressão de tristeza no rosto do Tonico Pereira já me fez chorar assim que dei play no filme. Aliás, a interpretação dele como Seu Lair é impecável e emocionante do começo ao fim. Outro momento de impacto é, sem dúvida, quando Tânia Alves entra em cena, linda e maravilhosa, no papel de Satanás!  

o aniversário do seu lair
Imagem: Divulgação

Na segunda parte dessa matéria, vamos às palavras de Dácio Pinheiro, também diretor do filme:

CB: Vamos começar dizendo que adoramos essa parceria, mas como começou o diálogo com o escritor Marco de Castro? Pode nos contar um pouco do início dessa sinergia tão especial?

Dácio Pinheiro: Esse diálogo começou há muitos anos, mais de uma década. Eu conheci o Marco de Castro através de amigos em comum, como o roteirista Fabio Embu e o montador Rodrigo Menecucci, que montou o meu primeiro longa Meu Amigo Claudia. Logo que nos conhecemos, eu e o Marcão nos identificamos como apaixonados pelo gênero de horror fantástico e de imediato surgiu a vontade de desenvolver algum projeto juntos.

Em 2013, surgiu a ideia e a oportunidade de desenvolver uma série de terror inspirada em lendas do nosso folclore. Na época, o Marcão chegou a desenvolver uma série de argumentos e começamos a trabalhar juntos nesse projeto, que infelizmente até hoje não aconteceu. O projeto ficou parado um bom tempo, mas a vontade de retomar é grande.

Mesmo com o projeto não acontecendo, a vontade de trabalhar juntos não morreu. Na época do desenvolvimento da série, o Marcão me mostrou uma série de contos de sua autoria e de imediato me conectei e imaginei a história do “Aniversário” sendo transformado em um curta. Tentei por vários anos viabilizar o projeto, até que em 2020 conseguimos o apoio da Lei Aldir Blanc e foi possível viabilizar o curta. Outra parceria fundamental para o curta foi ter trabalhado em coprodução com o Tom Ehrhardt, da produtora alemã con men Filmproduktion, que nos viabilizou melhorar os acabamentos na produção do curta.

CB: Quais as principais dificuldades que um diretor de cinema brasileiro encontra para conseguir realizar um projeto? Na sua posição, você sente que o horror ainda é um gênero subestimado e até mesmo evitado pelos produtores brasileiros?

DP: Na minha opinião, a maior dificuldade é conseguir viabilizar o projeto, ainda mais nesses últimos anos que tivemos um desmonte das políticas culturais. Mas somos resistência e não desistimos. Espero que agora, com o novo cenário que se desenha na política cultural, a gente consiga desenvolver e realizar mais e mais projetos independentes. Quem sabe não tirar o nosso projeto de série do papel.

Vejo que hoje a produção para streaming tem aumentado bastante as produções brasileiras, mas muitas vezes são projetos encomendados, feitos por produtoras grandes e sem oportunidades para projetos menores e independentes.

Tenho total certeza de que os projetos de gênero sofrem um certo preconceito, não só dos produtores e críticos, mas também nos streamings e nos festivais. São poucos os filmes que conseguem furar a bolha e que conseguem passar fora dos festivais de gênero. Os festivais tradicionais não selecionam muitos filmes de horror, e quando fazem, criam uma sessão especial para a seleção. O que acho curioso é que os filmes de cinema de gênero geralmente são os que mais atraem público aos cinemas.

Lembro que quando comecei a fazer filmes com temáticas mais voltadas para o público LGBTQIA + também sofríamos um certo preconceito dos grandes festivais, mas isso mudou, foi se transformando e com o tempo, os filmes com essas temáticas começaram a passar em festivais maiores.

CB: Tudo em O Aniversário do Seu Lair funciona extremamente bem: atores, iluminação, fotografia, mas a atuação de Tonico Pereira nos pega pelo coração já nos primeiros segundos. Além disso, o filme conta com uma performance arrebatadora de Tânia Alves. Como foi dirigir esses grandes talentos da dramaturgia brasileira? Algum detalhe que você possa ou queira dividir com nossos leitores?

DP: Desde o início da idealização do projeto, o nome do Tonico esteve nos nossos pensamentos como o ator perfeito para o papel. Sempre fui fã do trabalho do Tonico e quando mandei o projeto pra ele, percebi que rolou uma ótima sintonia. Ele mora no Rio e veio para São Paulo só para filmar o projeto.

A chegada da Tânia no filme foi um evento. Tenho um grande amigo, o Fernando Cardoso, que também fez a produção do elenco e ele é muito amigo da Tânia. Quando lemos o roteiro juntos e começamos a pensar no elenco, veio essa ideia de ter a Tânia interpretando o papel. A participação dela trouxe um charme especial para o filme e a sintonia dela com o Tonico em cena, é enorme.

O aniversário do seu Lair
Imagem: Divulgação

O curioso é que a Tânia e o Tonico se conhecem há mais de 50 anos e já tiveram um affair no passado, mas segundo eles, nunca tinham atuado juntos. O que já transforma o filme em um evento muito especial, o encontro de dois ícones da dramaturgia brasileira. Dirigir os dois foi um presente, são atores muito experientes e que trouxeram muitas ideias para os personagens. É impressionante a entrega do Tonico ao personagem.

Também foi uma experiência incrível trabalhar com um elenco tão talentoso. O Washington Gabriel trouxe toda a malandragem e o humor que queríamos para o Lizário. Também tem as incríveis Martha Meola e Naloana Lima. Além da participação do Raphael Souza, do Marcelo Andrade e do Will Gutierre.

Outro ponto importantíssimo para o filme foi ter trabalhado com a fotografa Janice d’Avila. Fazia anos que tinha vontade de trabalhar com ela e essa foi a oportunidade perfeita, o que trouxe uma qualidade técnica fenomenal que junto com a direção de arte da Fernanda Carneiro, criou toda uma atmosfera favorável ao curta.

O curta também me possibilitou trabalhar com amigos e parceiros de longa data, como o Embu no roteiro junto com o Marcão, o Menecucci na montagem e o Paulo Beto na trilha. Além da oportunidade de ter uma assistência do Matheus Marchetti, que trouxe toda sua expertise fantástica e me ajudou muito na concepção do curta.

CB: Em um set de filmagem, qual é a parte mais difícil? Aproveitando, conte pra gente alguns diretores/cineastas que inspiram seu trabalho.

DP: Acho que o mais difícil em um set de filmagem é conseguir conciliar a falta de recursos com a possibilidade de fazer algo bem-acabado. Acho que depende muito da equipe que você consegue e escolhe trabalhar. No caso do nosso curta, o que facilitou muito foi a história se passar quase que inteiramente em uma única locação, isso nos favoreceu muito, por ser uma produção de baixo orçamento.

O aniversário do seu Lair
Imagem: Divulgação

Os cineastas que mais admiro são os que experimentam com a linguagem, gosto muito do David Lynch e do Cronenberg, sou um apaixonado por cinema de horror italiano e por filmes do diretor alemão Fassbinder e polones Andrzej Żuławski. Este último foi o diretor que fez o filme que considero o melhor e o número um da minha lista de favoritos, o filme Possession (1981). Mas também admiro muito diretores como Derek Jarman, Gaspar Noé, Lars Von Trier, Panos Cosmatos, Claire Denis, Agnes Vardá, Bruce Labruce, Yorgos Lanthimos, entre outros. Também sou um aficionado por cinema erótico dos anos 1970, principalmente o francês e pelo giallo italiano, com meus diretores favoritos Dario Argento, Lucio Fulci e Mario Bava.

CB: Fale um pouco sobre seus trabalhos anteriores ao Aniversário do Seu Lair e conte como você se envolveu com o cinema de terror.

DP: Eu sempre, desde criança, fui um apaixonado por filmes de terror e meu sonho sempre foi fazer filmes. No final dos anos 1990 trabalhei por um tempo na programação da HBO Brasil, onde tive contato com muitos filmes e com o mercado cinematográfico. Após sair do canal, comprei uma câmera de DV e comecei a fazer meus primeiros curtas. Em 2001 dirigi meu primeiro curta documentário Pencas de Bicuda, que foi exibido no Mix Brasil e em diversos festivais internacionais.

Na sequência, eu realizei outros curtas que tinham uma forte ligação com o universo LGBTQIA +, curtas como Equê de Vuitton (2003), Couture (2004) e Furs For Adonis (2007). Na mesma época, eu comecei a realizar curtas em super 8, que foram meus primeiros com a temática fantástica. Foram eles Mavamba (2006), Memória Morta (2006), que também passaram em diversos festivais de curtas. Foi durante esses pequenos projetos que firmei uma duradoura parceria com o músico Paulo Beto (Anvil FX), que fez a trilha de quase todos os filmes que fiz até hoje. O curioso, é que o Paulo também fez trilha para filmes do Dennison Ramalho, que já se conecta com o Marcão.

Em 2009 eu lancei o meu primeiro longa Meu Amigo Claudia, um documentário sobre a artista e ativista travesti Claudia Wonder. O filme passou em diversos festivais pelo mundo e ganhou dois prêmios de melhor documentário, um no Mix Brasil e outro em um festival de Madrid.

Depois desse trabalho, dirigi uma trilogia de curtas experimentais eróticos, que misturavam uma atmosfera de terror e manifestos políticos. Esses curtas são Transtarah (2011), Etzudah (2012) e Mumtarah (2013).

Em 2019, produzi e dirigi outro longa documentário Eletronica:Mentes, que conta com codireção de Denis Giacobelis e do Paulo Beto (Anvil FX). O documentário conta um pouco sobre a cena da música eletroacústica no Brasil, com participação dos pioneiros Jocy de Oliveira e Jorge Antunes. O doc estreou no Festival In Edit e passou na competitiva do Festival Indielisboa em 2020.

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Então é isso, meus amigos! Como sempre, é um verdadeiro presente ter a oportunidade de falar um pouco com esses batalhadores incansáveis e geniais do gênero horror. Para finalizar, desejo que Seu Lair e seus convidados continuem rodando o mundo e mostrando que o horror Br está em pé de igualdade (ou mesmo superioridade) com as demais produções internacionais.

E vamos pra festa!

O Aniversário do Seu Lair estreia em São Paulo dia 16/12 às 20h no Cine Phenomena.

Sobre Cesar Bravo

amplificador cesar bravoCesar Bravo é escritor, criador de conteúdo e editor. Pela DarkSide® Books, publicou Ultra Carnem, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, DVD: Devoção Verdadeira a D., 1618 e Amplificador.

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