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The Stuff: Você sempre vai querer mais!

Uma pérola satírica e indigesta do horror/sci-fi/trash

07/07/2023

O filme homenageado de hoje demorou um bom tempo para chegar às videolocadoras da terrinha, mas em junho de 1989 todo o Brasil foi apresentado, via SBT e Cinema em Casa, a The Stuff, concebido em 1985 e rebatizado por aqui de A Coisa.

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Dirigido caprichosamente por Larry Cohen, essa pérola satírica do horror/sci-fi/trash pode ser definida como uma provocação, um beliscão por baixo da mesa, uma crítica feroz à sociedade de consumo americana e em seus órgãos de fiscalização e marketing. Calma, calma, já vamos começar a explicar.

Falando em começos, ninguém é inserido paulatinamente nesse filme, ao contrário, somos lançados na empresa de Mineração Fletcher, no meio de uma nevasca, e convidados a experimentar essa espécie de gosma branca que é bombeada pela terra e apresenta uma aparência muito próxima ao creme de marshmallow (ou creme de barbear, para todo mundo sacar do que se trata). No dia da descoberta, temos esse senhor que faz sua ronda noturna e por algum mistério da natureza resolve meter o dedo na coisa e enfiar na boca pra sentir seu gosto.

“Humm, é macio!” “Saboroso!” “Doce!” E depois de um curto raciocínio, professa: “Se continuar saindo do chão assim, podemos vender isso para as pessoas”.

the stuff

Na próxima cena, cortamos para um tempo futuro no qual um menino está sendo atacado por pernilongos em seu quarto. Jason, o menino de Long Island, então diz: “Estão me comendo vivo!”.

Eis que temos uma premissa, mas ela seria algo muito, muitíssimo simples para resumir esse filme.

the stuff

A verdade é que The Stuff é um dos filmes mais subversivos já feitos, tão irônico e pontual que poderia ter sido processado por uma infinidade de empresas do setor alimentício. Em plena guerra Coca-Cola & Pepsi, The Stuff estapeia os dois lados, e ainda coloca em dúvida os métodos de análise da FDA (U.S. Food and Drug Administration), agência reguladora americana que se incumbe de validar ou inviabilizar produtos para consumo humano — assim como a Anvisa faz por aqui.

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Na trama, megaempresários do ramo dos sorvetes e sobremesas estão incomodados pela perda de mercado e de dinheiro desde que essa “coisa” tomou as prateleiras e os refrigeradores americanos. Sem paciência ou condições de conseguir barrar o produto ou copiar a fórmula secreta (Coca & Pepsi de novo, ok?), eles contratam o espião industrial e ex-agente do FBI David “Mo” Rutherford, um dos melhores e mais inteligentes anti-heróis que o cinema de horror produziu. “Mo” (que descende do apelidinho “More”, uma vez que o detetive sempre quer “mais” em seus casos) é cínico, sarcástico, prepotente, genial, um pouco bobão e dissimulado, ou seja, é um sujeito apaixonante logo de cara.

Aliada a ele, temos a publicitária Nicole (interpretada por Andrea Marcovicci), que depois de inserir o creme indigesto em todos os lares americanos via propaganda é convocada a uma reparação (no começo ela é somente comprada por mais dinheiro, mas nesse filme, isso não pode ser considerado pecado algum). Também ajudando na força de oposição se apresenta o menino Jason, que é o único que está quebrando supermercados por não confiar na “coisa” cremosa que sua família adora comer. Completando o time, temos Chocolate Chip Charlie (interpretado pelo gênio Garrett Morris), empresário do ramo de sorvetes que se deu mal com a inserção da coisa no mercado.

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Anos à frente de seu tempo, The Stuff expõe um mercado de alimentos faminto, não confiável e predatório, um ramo de negócios que usa todas as armas e meios de marketing disponíveis para assumir a ponta das vendas. Graças a uma estratégia de marketing perfeita e ajustada a todos os públicos (não vamos mais falar de Coca-Cola, eu prometo, e também não falaremos de McDonald’s, Subway, Starbucks e guaraná “Dollynho”), a coisa está em todos os lares e cidades, em todas as mesas, em todos os estômagos.

the stuff

Como aliado supremo, a coisa branca tem a própria família americana, que impele sua prole consumir a mesma substância saborosa que os mantêm unidos e felizes. O pai do menino Jason diz a ele, quando o filho se recusa a comer: “Faz bem pra nós, Jason, mata as coisas ruins dentro de nós”. Sim, isso poderia servir para religião, medicamentos controlados e licor de cacau Xavier, serviria pra quase tudo o que uma geração quer impor para a outra mais jovem. Códigos morais, preceitos, preconceitos. Nesses momentos do filme, os pais querem que os filhos engulam sua maneira de ser, uma espécie de retribuição dos filhos para a tríade “casa, comida e roupa lavada” herdada tão gratuitamente em seu nascimento.

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Quando o enredo se descortina e descobrimos do que se trata a coisa, temos outro momento icônico, que de certa forma nos arremessa ao filme Bacurau, também absurdamente brilhante. Em um momento, o detetive Mo não tem mais para quem pedir ajuda, então ele vai até essa fortaleza de um general execrado pela sociedade, mas que pode ser a última esperança armada das vítimas (se você se lembrou do cangaceiro pós-punk Lunga em sua fortaleza no sertão, esse era o ponto exato da feliz coincidência!). Em The Stuff, o detetive Mo usa o medo do comunismo de uma centena de transtornados armados para alertar a população sobre… bem, sobre tudo o que vocês descobrirão assistindo a esse filme.

Falando sobre aspectos técnicos, os efeitos em The Stuff passam longe da perfeição, mas eles são bem convincentes com um pouco de altruísmo e abnegação, especialmente a morte traumática e visualmente perturbadora de Chocolate Chip Charlie. 

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Segundo o diretor, o filme idealizado para criticar o consumismo precisou sobreviver a muitos cortes para poder chegar ao mundo (tanto em elementos gore quanto em ideias afiadas), o que na minha opinião não o deixou inofensivo, mas potencialmente bem mais subliminar. The Stuff ainda faz alusões ao mercado altamente expansivo de cocaína naqueles incríveis anos e em como as coisas se redistribuem e adaptam facilmente quando o assunto é o vício e alguns milhões de dólares.

E vamos parar por aqui, povo das delícias geladas. Se você gosta de zilhões de petiscos carregados de sal, uma boa sobremesa e uma porção de refrigerantes para salvar suas noites de final de semana, aperte o play. Mas não esqueça de fazer a pergunta: “Você está comendo a coisa? Ou a coisa está comendo você?”.

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Sobre Cesar Bravo

amplificador cesar bravoCesar Bravo é escritor, criador de conteúdo e editor. Pela DarkSide® Books, publicou Ultra Carnem, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, DVD: Devoção Verdadeira a D., 1618 e Amplificador.

1 Comentário

  • Walter Cavalcanti

    8 de julho de 2023 às 16:55

    Há… Excelente texto. Eu sou fã desse filme e assistia quase sempre no SBT. Cenas memoráveis. Eu sempre olhei alguns produtos com uma certa repulsa por lembrar desse troço, ao menos em outros tempos. Mas a crítica ao consumismo é absurda e nunca envelhece. Obrigado por nos brindar com esta lembrança clássica.

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