Um grupo de amigos decide seguir uma trilha na mata, mas a incessante neblina faz com que eles não encontrem o caminho de volta e parem no misterioso Vale Sereno. Essa atmosfera sinistra conduz a trama Vale dos Esquecidos, uma série brasileira exibida na HBO Max.
Criada por Fábio Mendonça e Antônio Tibau, a produção estreou no serviço de streaming em 25 de setembro, e a cada semana libera um episódio inédito dos dez que compõem a primeira temporada. A série produzida pela O2 Filmes traz um ar sinistro que remete à Era Vitoriana e a eventos sobrenaturais que vão deixar os espectadores ainda mais intrigados.
O DarkBlog conversou com Antônio Tibau, um dos criadores de Vale dos Esquecidos que também é roteirista, escritor, tradutor e tem um conto publicado na Antologia Dark. Ele nos contou sobre o conceito da série e as peculiaridades que a tornam imperdível. Confira a entrevista e adentre a neblina rumo ao desconhecido:
DarkBlog: Você estreou recentemente a série Vale dos Esquecidos na HBO Max, em parceria com Fábio Mendonça. Como foi o processo de construção da história?
Antônio Tibau: Conheci o diretor Fábio Mendonça quando mandei um projeto meu de série para a produtora O2 Filmes (a mesma de Cidade de Deus). Esse projeto não foi adiante, mas serviu de ponto de partida para outros trabalhos que faríamos juntos. Vale dos Esquecidos surgiu de uma vontade que ele tinha de usar Paranapiacaba como cenário. Ele me ligou e fez o convite: “vamos criar uma série de terror?”. Eu topei, claro. Passamos alguns meses trocando ideias. Eu escrevia rascunhos, mandava pra ele, íamos descobrindo caminhos juntos. Fizemos a Bíblia da série, que serviu para a O2 apresentar ao mercado. A HBO se interessou, acho que ainda no final de 2017. Em 2018, montamos uma sala de roteiro e o argumento original foi ganhando corpo. Fizemos vários tratamentos (revisões), e depois viriam a pré-produção, os ensaios com elenco (sensacional!). As gravações foram paralisadas com a pandemia, mas, como em uma boa história macabra, os esquecidos voltaram das trevas e hoje estão ganhando o streaming em toda a América Latina.
D: A cidade escolhida para ambientar a produção foi Paranapiacaba. Como a atmosfera do local contribui com o clima enervante do Vale Sereno?
AT: Quando o Fábio Mendonça me ligou, só me disse isso: a ideia é filmar em Paranapiacaba. Não conhecia o lugar, pesquisei no Google. Na primeira foto que vi já consegui enxergar mil possibilidades. Uma vila inglesa do final do século XIX, no meio da mata, encoberta de neblina quase o tempo todo. O Fabinho mesmo disse: “Se a gente não fizer, alguém vai fazer”. É um cenário perfeito. Fomos visitar Paranapiacaba antes de começarmos a sala de roteiro. Um lugar incrível a uma hora de São Paulo, mágico.
D: Já existem algumas comparações da série com obras como Lost, Midsommar e A Vila. Elas tiveram influência em Vale dos Esquecidos? Que outas obras, autores e cineastas influenciam o seu trabalho?
AT: Midsommar tem muito o clima da série mesmo. Quando estávamos na sala de roteiro, fomos ao cinema juntos assistir a Hereditário, e é impossível que não tenha nos impactado de alguma forma. Que filme! Naquela época, tinha estreado na HBO a série Objetos Cortantes, que apesar de não ser uma história sobrenatural, nos encantou pelo tom. A mesma coisa com a primeira temporada de Dark e seus múltiplos personagens e planos rápidos. Essas eram referências que estavam saindo enquanto estávamos escrevendo. De obras mais antigas, certamente tem pitadas de O Homem de Palha (1973). A série francesa Les Revenants. É possível que tenha alguma coisa de À Beira da Loucura, do John Carpenter, só não me pergunte o quê. Talvez de Corra!. O Inquilino (1976). Como referências pessoais, adoro Mario Bava, Bigas Luna, Dario Argento, Guillermo del Toro, Hitchcock, irmãos Coen, os filmes da Gabriela Amaral Almeida e do Kleber Mendonça. E Neil Gaiman. Maldita gente talentosa!
D: Desde quando o terror e o suspense fazem parte da sua vida?
AT: Desde que eu me lembro. Quando criança, gostava de histórias infantis com uma pegadinha dark, uma referência que tenho é o filme de animação em stop motion A Festa do Monstro Maluco, que passava muito na Sessão da Tarde. Outra era o anime Don Drácula, da extinta TV Manchete. Fui adolescente nos anos 1980, e já lia Stephen King (Cujo, Zona Morta e O Cemitério eram meus títulos favoritos). Via inúmeras vezes as grandes franquias slasher da década: Halloween, Sexta-feira 13, Brinquedo Assassino, a Hora do Pesadelo, e os clássicos do “terrir”, como A Hora do Espanto, Um Lobisomem Americano em Londres ou os filmes do brasileiro Ivan Cardoso (As Sete Vampiras, O Segredo da Múmia). Mas o grande marco pra mim foi Noite na Taverna, clássico de Álvares de Azevedo. Um professor de cursinho contou um resumo do romance. E eu pensei “peraí, pode escrever um livro assim no Brasil? E pode cair no vestibular?”. Saí do cursinho e fui direto num sebo comprar Noite na Taverna. Fiquei amaldiçoado desde então.
D: Historicamente as produções de terror/suspense transmitidas aqui no Brasil vêm dos Estados Unidos ou Europa. Como o streaming está contribuindo para que o terror de outros países ganhe vez?
AT: Acho que está acontecendo, e depois que abriu a tumba, não tem mais volta. Bom dia Verônica, Cidade Invisível, Desalma, agora com Vale dos Esquecidos. O streaming precisa de conteúdo pra segmentos diferentes, a velha aposta de “filme para toda a família” é coisa do passado. Tem público pra novelão, tem público pra comédia pastelão. E tem público pra terror, ô se não tem! Acredito que estamos só começando. O importante é criar bastante. E como público, aprender a driblar o algoritmo. Buscar além das indicações da página inicial. Cinco anos atrás, ninguém acreditaria que um longa soturno coreano ganharia o Oscar de Melhor Filme. Mas quem estava ligado, já conhecia Bong Joon-ho antes de Parasita bombar.
D: A fórmula de um grupo de amigos que viaja para um lugar isolado ou sinistro costuma fazer bastante sucesso no terror. Você já passou por alguma experiência esquisita ou assustadora com os seus amigos?
AT: Hahaha, sempre tem. Mas o que acontece no Vale dos Esquecidos fica no Vale dos Esquecidos.
D: O que os fãs ainda podem esperar de Vale dos Esquecidos?
AT: Ah, tomara que a série ganhe uma base de fãs. Foi feito por fãs. Com muito amor (e boas doses de maldade, claro). A primeira temporada tem 10 episódios, liberados um por semana. Cada personagem tem sua trama própria, seu arco, ninguém é totalmente o que parece ser. Há tanto para o público descobrir. Ou se perder mais ainda. À medida que a história avança, o clima vai ficando cada vez mais tenso, posso garantir. E, no momento certo, as coisas explodem, com direito a sangue correndo. Quanto a novos projetos, ainda é cedo pra anunciar.
Novos episódios de Vale dos Esquecidos estreiam todos os domingos às 21h na HBO Max.
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