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Política e paranoia: O que torna Invasores de Corpos uma obra tão grande?

Uma análise sobre o contexto político e social por trás da obra de Jack Finney.

30/11/2020

Por Cláudio Gabriel

“Toda arte é política”, bradam alguns. “A arte não deveria se envolver com a política”, dizem outros. Essa discussão permeia não apenas debates atualmente, mas sempre esteve presente sobre a representação artística. Afinal, ela deveria trazer elementos ideológicos quando feita ou não? A resposta é bem simples: a arte será política pela sua natureza, já que é feita por homens, também seres políticos naturalmente. 

E entrando de vez no campo artístico, o cinema e a literatura constituíram gêneros primordiais para essa discussão. O principal deles é o terror. Lidando com os medos, anseios e pensamentos da sociedade, o terror sempre esteve conectado ao campo de um medo para algo inexplicável – assim surgem as figuras monstruosas que permearam sempre a história. Indo para o campo do cinema, o primeiro grande movimento do gênero dentro desse campo foi o expressionismo alemão. Nesse, a grande maioria dos filmes tinham relação profunda com o estágio posterior à Primeira Guerra Mundial na Alemanha, que estava inteiramente destruída economicamente. 

Podemos avançar um pouco no tempo para constituir melhor essa discussão. Mais especificamente para o ano de 1954, quando era lançado o livro de ficção-científica The Body Snatchers, de Jack Finney, agora trazido no Brasil pela Darkside® Books como Invasores de Corpos. A obra já havia causado grande impacto em seu lançamento, contudo foram alguns anos para frente que se tornou parte do momento político vivido pelos Estados Unidos. Isso aconteceu em 1956, quando saiu a primeira adaptação do livro, intitulada Vampiros de Almas, de Don Siegel.

A Guerra Fria no cinema

Próximo ao lançamento do longa de Siegel, os EUA viviam um grande rebuliço por conta da Guerra Fria, entre o país e a União Soviética. A disputa não era apenas pelo controle territorial/militar, mas, especialmente, na ideologia. Era a grande relação entre capitalismo X socialismo, que permeou todo o século XX de forma muito intensa.

Assim, durante os anos 50, em busca de encontrar os “inimigos vermelhos”, o senador republicano Joseph McCarthy foi apadrinhado na política do macarthismo. Essa que era basicamente uma censura, acusando – em muitos momentos sem prova alguma – estadunidenses de serem socialistas ou simpatizantes do regime soviético. Houve até a criação de uma “lista vermelha de Hollywood”, com o objetivo de negar emprego para diversos artistas que criticavam alguma questão vigente nesse campo ideológico. Um deles foi, por exemplo, Charles Chaplin, que teve de sair do país.

Pois bem, esse contexto é importante para compreender em que mundo Vampiros de Almas entrava nas telas. A ideia do filme era bem simples, seguindo bem fielmente as ideias do livro: moradores de uma pequena cidade dos Estados Unidos são consumidos e substituídos por alienígenas. Um homem começa a perceber isso, apontando para todos o que estaria acontecendo, mas não é ouvido. Ele, então, passa a ser perseguido por esses seres.

A sinopse parece não ter nada demais. No entanto, a obra de Don Siegel abria espaço para uma questão complexa de controle. Essa que não era apenas feita através do corpo dentro da projeção, mas também dentro do intelecto, como uma verdadeira “manipulação”. 

Logo quando saiu nos cinemas, houve pouca expectativa criada e até pouco debate sobre. No entanto, a cada ano que passava, pesquisadores e amantes do cinema começaram a levantar um complexo debate que a obra poderia retratar: seria ela uma crítica ao macarthismo? Ou uma crítica ao comunismo?

Sobre o primeiro ponto, é possível fazer uma leitura da ótica de que a obra estaria trabalhando o perigo desse controle de mentes da sociedade. Assim, no longa, os monstros que tomam os corpos começariam a perseguir ao homem que delatou toda a história, simplesmente calando as vozes antagônicas. 

Já para a segunda perspectiva, a leitura é de que esse domínio dos “vermelhos” faria com que aqueles cidadãos comuns se transformassem em outros, mudando inteiramente seu comportamento e buscando espalhar isso para cada vez mais pessoas. Literalmente, uma ameaça crescente para aquela sociedade.

Uma outra obra de destaque na época – dessa vez no campo da literatura – é As Bruxas de Salém, escrita por Arthur Miller. Publicada em 1953, o livro tinha uma intenção clara de crítica à perseguição feita pelos macarthistas. Tanto que o autor foi chamado para prestar depoimento no Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes (similar à Câmara dos Deputados no Brasil).

As sequências e perspectivas

O mais curioso de tudo é que, em perguntas depois que o filme já havia saído, nenhum dos envolvidos disse que havia uma ideia de transformar aquilo em uma alegoria política. Nem mesmo o livro original tinha essa busca. Contudo, essa marca acabou sendo colocada em Vampiros de Almas, o transformando em uma obra política por natureza. E isso passou diretamente também para todo o debate proposto na adaptação seguinte a obra original: Invasores de Corpos, de 1978, comandado por Philip Kaufman.

Kaufman deixa claro que se trata de um remake do filme de 1956. Ou seja, há algumas reciclagens de conceitos bem claros, sem medo de realmente trazer isso para a trama. No entanto, se o pano de fundo na década de 50 era um, nos anos 70 ele é totalmente diferente. Agora, a violência urbana crescia nos Estados Unidos. Existia uma grande perspectiva de “ordem social” necessária, especialmente nas camadas médias urbanas, que moravam nos famosos subúrbios. É dentro disso que vai surgir o slasher, por exemplo. Porém, é outra história.

Focando em Invasores de Corpos, temos uma trama que irá focar bastante nessa construção da ameaça sob a perspectiva dos crimes. Não à toa se passa todo em ambientes menores, com poucos espaços, como se fosse algo impossível de ser enfrentado. Existe uma questão clara também do “inimigo a sua porta”, como se fosse inevitável ser vítima desse medo urbano. Esse filme é, das três adaptações retratadas aqui, a de melhor desempenho nas bilheterias, arrecadando quase US$ 25 milhões.

Pulamos mais alguns anos e chegamos em 1993. Agora Abel Ferrara dirigia Os Invasores de Corpos – A Invasão Continua. É interessante ver, novamente, como o contexto político e social corrobora elementos para cada uma das obras e aqui não é diferente. Os anos 90 são marcados, nos Estados Unidos, como um período de maior segurança, estabilidade, especialmente após o fim da Guerra Fria. Dessa forma, a pior forma de invasão desses alienígenas é no centro mais importante de segurança do mundo: o exército. Existe uma perspectiva de como, apesar de tudo, ainda é possível falhar na forma de fazer segurança da sociedade.

A obra acaba adentrando em um lado mais do horror físico, com muito mais sangue, por exemplo. Além disso, há um claro experimento de “body horror”, que é quando um filme usa dos corpos humanos para trazer os elementos de terror. Esse aspecto havia sido desenvolvido por David Cronenberg durante os anos 80 e vira um elemento comum nas filmografias do gênero posteriormente.

Com isso, é possível ver claramente que toda a ideia concebida por Jack Finney em 1954 ganhou contornos e pensamentos diversos ao longo dos anos. Até os dias de hoje, com as três adaptações principais, é possível ver que o livro ganhou escopo diverso e foi tomando camadas conforme o período que era realizada. De toda forma, é impossível não olhar para toda essa trajetória é perceber como, acima de tudo, o terror é, foi e sempre será político. Querendo ele ou não, lidar com os medos da sociedade é lidar com nossos pavores sociais. A política está, acima de tudo, conectada com a busca de chegar a um local ideal. E esse caminho é sinuoso e taxado de pavores.

LEIA TAMBÉM: NÃO DURMA! INVASORES DE CORPOS CHEGOU À DARKSIDE®

Cláudio Gabriel é jornalista e crítico de cinema. Criou em 2014 o site Senta Aí e já colaborou para veículos como a Folha de São Paulo, UOL, Omelete e a revista Quatro Cinco Um. É especializado em jornalismo cultural. Atualmente, trabalha como repórter da rádio CBN.

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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