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Quem foi o curandeiro Bruno Gröning

Figura emergiu na Alemanha pós-guerra

16/01/2025

Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, a Alemanha encontrava-se em ruínas não apenas materiais, mas também morais. Era urgente um processo de reconstrução, que se deu de diferentes maneiras e contou com o intenso controle externo, com os aliados vitoriosos tendo papel de destaque no molde de discursos, procedimentos cotidianos e novas formas de pensar.

Em meio a um processo de se tornar outro tipo de sociedade, a Alemanha passou então a ser palco de eventos sobrenaturais em massa. A preocupação generalizada com o mal, a amargura e o mal-estar espiritual, aliados a culpa e vergonha não ditas de uma nação associada ao nazismo, foi a mistura perfeita para o surgimento de obsessões sobrenaturais: curandeiros, exorcismos, aparições da Virgem Maria e até mesmo acusações de bruxaria.

Esse é o ponto de partida de Uma Terra Assombrada por Demônios: Bruxas, Doutores Místicos e Fantasmas do Passado na Alemanha Pós-Segunda Guerra Mundial da premiada historiadora Monica Black. Lançamento da DarkSide® Books, a obra mergulha na história social e cultural para analisar como o conhecimento, a autoridade, a confiança e a moralidade se entrelaçam ao mundo social. Aqui, Black examina a história pós-1945 do país por outro prisma, indo além das típicas fontes políticas e econômicas e analisando o surgimento de eventos sobrenaturais e místicos dentro e uma sociedade marcada por ansiedades, silêncios e vergonha.

Entre os vários casos e nomes apresentados em Uma Terra Assombrada por Demônios, há um que se destaca. Um curandeiro messiânico que alcançou fama extraordinária chamado Bruno Gröning. Mas quem era esse homem e o que ele tinha a dizer?

Um misterioso curandeiro transformado em celebridade

Próximo ao fim da guerra, rumores apocalípticos surgiram pela Alemanha, fomentando o medo de catástrofes genéricas e dos fins dos tempos, mas principalmente de julgamentos e iras divinas. Com o fim do conflito, tais rumores perderam um pouco de fôlego. No entanto, em 1949, apenas quatro anos depois, eles retornaram com força total com a aparição de um homem santo que surgiu do nada e começou a curar os doentes. Seu nome era Bruno Gröning.

Podemos começar nossa história em março de 1949. A pequena cidade de Herford, na Vestfália, foi inundada por um boato popular de que um jovem garoto, que não conseguia ficar em pé sozinho, havia recebido a visita de um estranho. Ninguém sabia exatamente o que aconteceu, nem mesmo os seus pais, mas depois deste encontro o garoto se levantou da cama pela primeira vez em meses e lentamente começou a caminhar.

A história gerou um efeito explosivo. Em pouco tempo, milhares de pessoas estavam formando filas a céu aberto para conseguir ter um vislumbre do autor desta cura milagrosa, um homem de 40 anos com o rosto encovado e cabelos longos. Pessoas imploravam por sua ajuda, enquanto outras compravam sua água de banho. Logo, Gröning começou a ser cultuado por um número enorme de indivíduos que acreditavam que ele era o novo messias, um arquiteto da liberação. Alguns até mesmo acreditavam que ele podia ressuscitar os mortos.

De certa forma, Gröning se tornou uma das primeiras celebridades alemãs do pós-guerra. Embora não tenha sido o único curandeiro da época, ele com certeza foi o mais famoso, estampando jornais e tabloides por todo o país e sendo perseguido por fotógrafos, jornalistas e até documentaristas. Chamado de médico-milagreiro, curandeiro, portador da cura e até mesmo salvador por alguns, Gröning também foi nomeado de charlatão, lunático e demônio por outros. Independentemente das divergências uma coisa era certa: todos estavam falando de Bruno Bernhard Gröning.

A história por trás do homem milagroso

Bruno Bernhard Gröning nasceu em 1906 na cidade alemã de Danzig (atualmente Gdansk na Polônia) em uma família católica de sete filhos. Ele nunca concluiu sua educação formal e ao longo da juventude trabalhou em diferentes ocupações como garçom, eletricista e marceneiro. Em 1928, se casou com uma mulher, Gertrud, com quem teve dois filhos, que vieram a falecer pouco tempo depois, em 1939 e 1949. Seu casamento era descrito como infeliz e o casal acabou se divorciando.

Após a Primeira Guerra Mundial, o Partido Nazista estabeleceu uma forte presença em Danzig. Como milhares de seus conterrâneos, Gröning, assim como seu pai e irmão, se juntaram ao Partido algum momento antes de 1936. Em 1943, ele passou a integrar as forças armadas alemãs, atuando na divisão de missões e combates à veículos blindados.

Posteriormente, em 1945, foi capturado pelos soviéticos e passou alguns meses em um campo de prisioneiros de guerra. O que Gröning fez entre 1945 até sua fama como um curandeiro milagroso é pouco conhecido. O fato é que em 1949 ele ganhou a atenção de praticamente todas as revistas, programas de rádio e noticiários da Alemanha.

Um fenômeno extraordinário

Inicialmente, Bruno Gröning não tinha uma filosofia definida. Ele não fazia pregações, não escrevia livros e não fundou igrejas ou templos. Quando falava, suas frases eram nebulosas e cheias de aforismos. Às vezes, o curandeiro tocava em temas vagamente espirituais, mas frequentemente circulava em torno do tema bem versus mal e do castigo dos “seres malignos”. Gröning também não tinha uma técnica definida de cura, pelo menos não uma que poderia ser explicada e articulada em voz alta. Seu método consistia principalmente em ficar perto das pessoas doentes e direcionar seu intenso olhar para elas.

Rapidamente, diversos indivíduos começaram a atestar suas habilidades extraordinárias, afirmando que o curandeiro possuía o poder de saber o que estava errado no corpo de uma pessoa. Desta forma, uma multidão, buscando alívio para todos os tipos de doenças possíveis, passou a acompanhar Gröning, esperando seus “raios de cura” ou a possibilidade de falar diretamente com ele. Com seu olhar penetrante, o misterioso curandeiro ficava perfeitamente imóvel e silencioso com as mãos nos bolsos, dizendo para os aflitos não pensarem em suas doenças ou em coisas negativas. Então, seus dedos começavam a tremer e, segundo relatos, os pacientes sentiam uma corrente quente — quase um formigamento — atravessar seus corpos.

Ele então tirava um papel alumínio e o amassava em uma pequena bola, dando o objeto ao doente e dizendo para segurá-la em suas mãos, concentrando-se até se sentir melhor e abrindo seu corpo à energia curativa. Para aqueles que não eram tocados pessoalmente, Gröning aparecia na varanda para distribuir essas pequenas bolas de alumínio carregadas com seus poderes curativos.

Gröning também era creditado como capaz de curar ferimentos de guerra, cegueira e outras doenças. Os relatos eram maravilhosos, pessoas paralisadas ou presas à cama subitamente se levantavam e caminhavam. Adultos e crianças com dificuldades de fala começavam a conversar sem hesitação. Corpos machucados se curavam milagrosamente e toda a dor desaparecia. Surdos começaram a ouvir e cegos a enxergar. Seu irmão, Georg, por exemplo, afirmava que Bruno conseguia interromper dores de dente apenas concentrando-se no dente machucado.

Embora nunca tenha exigido dinheiro, as fontes sugerem que ele recebia doações substanciais. Por mais que tenha reunido um grupo grande de seguidores, o curador não ficou isento de críticas e acusações de charlatanismo. Algum tempo depois de sua primeira cura milagrosa, ele foi acusado de homicídio negligente de uma menina de 17 anos com doença pulmonar desconhecida, além de ter a fama de assediar sexualmente mulheres. Investigado por autoridades médicas e policiais, que apontavam falta de evidências científicas em suas curas, Gröning foi proibido de exercer suas práticas em diferentes localidades da Alemanha, recebendo inclusive multas e penas de prisão.

Em 1959, aos 52 anos, ele faleceu de câncer no estômago e suas cinzas foram enterradas ao lado do filho mais novo. Após sua morte, inúmeros grupos comandados por seus seguidores, como o “Círculo de Amigos de Bruno Gröning” continuaram promovendo sua filosofia de cura espiritual.

O legado de Gröning

No entanto, como Monica Black brilhantemente aponta em Uma Terra Assombrada por Demônios, apesar dos inúmeros testemunhos referentes a suas curas, a verdadeira história não é Bruno Gröning, mas sim as enormes multidões que se formavam por onde quer que ele fosse. O verdadeiro objeto de estudo são as esperanças, os medos e as fantasias que as pessoas projetavam nele, ao lado do vasto drama de emoções, normalmente mantidas sob um forte controle, que se desenrolaram nessas multidões.

Como explicitado em Uma Terra Assombrada por Demônios, a interação entre a sociedade alemã do pós-guerra e Bruno Gröning foi bastante real, de forma que essa mesma sociedade o inventou para curar o que doía. Mas não apenas doenças, lesões e outras aflições físicas, mas também inquietações e danos praticamente invisíveis aos olhos. Não se tratava do fogo apocalíptico dos fins dos tempos como foi previsto. A história de Gröning, assim como das outras figuras e eventos sobrenaturais e místicos que varreram a Alemanha, era uma história de cura. Uma busca por redenção.