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Enéias Tavares: “Qualquer pessoa que trabalha com livro no Brasil é um super-herói”

Confira a entrevista do autor de Serpentes & Serafins ao DarkBlog

07/08/2025

“Uma das coisas mais especiais do nosso tempo é justamente a capacidade dos autores de assumir a sua brasilidade.” Enéias Tavares não é apenas autor, tradutor e estudioso de literatura, ele é um verdadeiro entusiasta das histórias criadas e contadas no Brasil. 

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Em entrevista recente ao DarkBlog, o autor de Parthenon Místico, Lição de Anatomia e Serpentes & Serafins falou um pouco sobre as suas obras, o trabalho como tradutor e o orgulho da literatura nacional — o que inclui uma espécie de top 5 brazuca do autor. Vem descobrir a seguir por que o Brasil é também soberano em suas histórias: 

DarkBlog: Os seus personagens, tanto o doutor Louison como Alex Dütres parecem carregar uma dualidade profunda. Isso é uma espécie de obsessão pessoal sua ou é apenas um recurso narrativo?

Enéias Tavares: É uma obsessão minha e de todos os leitores. Todos nós estamos acostumados com personagens complexos, que querem fazer uma coisa e acabam fazendo outra; ou então que se veem em encruzilhadas existenciais, tendo que decidir entre o bem e o mal, ou outras escolhas ainda mais complexas. Estamos falando de zonas cinzentas que definem os grandes personagens. No caso do doutor Louison, eu falo de um homem que é amante da arte estética, mas que ao mesmo tempo precisa enfrentar uma camarilha de vilões pérfidos que fizeram algo muito traumático com a mulher que ele ama, Beatriz de Almeida e Souza, que no universo de Lição de Anatomia e Brasiliana Steampunk é essa escritora feminista, que chega em uma cidade machista, no final do século XIX, e cria uma persona masculina para poder publicar seus livros. Só esse mote já exemplifica essa complexidade e essa busca entre dualismos existenciais, e aquilo que escolhemos a cada instante. Em Serpentes & Serafins eu busco a mesma coisa, só que ali a ideia é brincar com as noções tradicionais do bem e do mal, do anjo e do demônio, de Deus e do Diabo sob a perspectiva humana. O diferencial aqui está nos encontros apocalípticos e visionários, artísticos e poéticos, românticos também, mas que em última instância tem a ver com o teatro mental que todos nós vivenciamos neste planeta em um ano tão desafiador como 2025.

Enéias Tavares

D: Em suas obras você construiu não apenas livros, mas ecossistemas transmídia. De que forma essa multiplicidade de canais ajuda a contar uma história?

ET: Se pensarmos nos universos que adoramos, como Westeros, de As Crônicas de Gelo e Fogo, são mundos que nós acabamos habitando. E isso vale para várias franquias estrangeiras e algumas nacionais, mas elas compreendem uma experiência de vivência durante a leitura e de habitação de mundo. O que eu quis com Brasiliana Steampunk foi produzir, numa obra calcada na nossa cultura brasileira, a mesma experiência. Você pode começar a sua viagem por esse Brasil retrofuturista com um romance, Parthenon Místico, que no final tem um QR Code que te conduz ao site da série. Lá, você vai encontrar quadrinhos, mapas, capítulos inéditos, audiodramas, entre outras experimentações midiáticas, para que você possa reconhecer e conhecer esses personagens em outras mídias. Se você continuar nessa aventura, você pode chegar na outra linha dessa experiência transmídia, no romance Lição de Anatomia. Eu costumo brincar que esses dois livros são o início e o fim desse universo, e no meio nós temos uma série de produções de outras mídias que vão enriquecendo essa experiência.

D: Como tradutor de obras consagradas, você já precisou negociar as suas interpretações com a sombra dos autores originais. Já aconteceu de você discordar de algum autor traduzido?

ET: A gente discorda e concorda toda hora. Eu tenho uma imensa sorte de ter produzido boa parte essas últimas traduções para a DarkSide Books, que é uma editora que permite o diálogo, permite até a escolha de autores que façam sentido. Graças à DarkSide consegui dar check em vários sonhos enquanto tradutor, como A Bíblia Clássica do Tarot, da Rachel Pollack; Hannibal: A Origem do Mal, de Thomas Harris; Otelo, de Shakespeare — que é uma obra clássica que eu estudo desde o mestrado. Além de outras experiências de tradução em que, por vezes, eu vou discordar de alguma palavra, de algum verso ou de alguma construção. Mas como tradutor, eu confesso que dou dois passos atrás e que o papel do tradutor é justamente produzir essa ponte discursiva, para que o leitor no Brasil, em 2025, possa ter acesso a essa obra que foi produzida alguns anos ou alguns séculos atrás. Quando eu atuo como tradutor o importante é o autor e a visão do autor, e a forma como nós vamos, aí sim, usar a imaginação para dar conta desta visão. Otelo, por exemplo, é uma experiência maravilhosa. Porque Otelo tem no mínimo três registros: o discurso militar e épico do protagonista, um discurso mais pérfido e serpenteante de Iago (que é o vilão que vai insuflar a ideia do ciúme na cabeça do protagonista) e nós temos um discurso de heroísmo feminino no caso da Desdêmona. Cada um desses discursos tem construções para áreas diversas, tem campos semânticos diversos, tem figurações diversas. Traduzir só esses três personagens, em uma peça que tem mais de vinte, significou recriar essa linguagem, não a minha linguagem como tradutor, mas sim a linguagem de tradutor que está tentando trazer para a nossa língua e para o nosso tempo a linguagem de Shakespeare.

Enéias Tavares

D: A literatura nacional vive um momento em que o realismo fantástico parece dar lugar a novas mitologias locais. Você se vê como parte de um movimento de reconstrução do imaginário nacional?

ET: Eu espero que sim, como autor e como crítico. Na Dark Magazine #13 eu tive o prazer de assinar um texto sobre o fantástico brasileiro, que teve origem numa pesquisa minha enquanto professor da Federal de Santa Maria, de entender o que é a história da literatura fantástica no Brasil. E uma das coisas mais especiais do nosso tempo é justamente a capacidade dos autores de assumir a sua brasilidade, de assumir a sua cultura e de assumir a nossa cultura com peito estufado. Chega de ter vergonha de assumir que somos brasileiros ou de achar que o estrangeiro é superior, muito pelo contrário. Brasiliana Steampunk é a minha forma de, ficcionalmente, dar conta disso: são os nossos heróis, na nossa língua, recuperando visões de mundo para que os jovens, os novos leitores, possam descobrir quem nós somos.

D: Em outras ocasiões você já falou da importância de termos heróis nacionais. Quais são os seus?

ET: De saída, os autores que eu homenageio em Brasiliana Steampunk. Qualquer pessoa que trabalha com livro, que trabalha com literatura, no Brasil é um super-herói. Não falo só de autores ou de editores. Falo dos livreiros, das pessoas responsáveis pela divulgação — afinal, os leitores precisam saber do livro —, falo dos editores, dos tradutores, dos revisores, dos diagramadores, falo dos mestres alquimistas da DarkSide, que criam esses produtos lindos. Todos eles são heróis, assim como os nosso escritores e escritoras do século XIX já eram heróis. Quando eu penso em Machado, em Emília Freitas, em Álvares de Azevedo, em Aluísio Azevedo, em Lima Barreto — que são os autores que eu homenageio e reinvento em Parthenon Místico —, eu estou começando com uma homenagem a esses heróis que termina na DarkSide, afinal, é um livro dessa editora e que sai com uma série de maravilhas que exemplifica esse heroísmo e essa bravura de trabalharmos com livros, com literatura e com educação no Brasil de 2025.

Enéias Tavares

D: Se você precisasse abrir mão da literatura, que outra forma de arte buscaria para continuar criando?

ET: Eu adoro teatro. Quando eu falo sobre o papel do escritor conectado ao do professor eu sempre digo que o professor tem um pouco de ator frustrado. Muitos de nós encontramos na sala de aula aquele espaço para poder olhar no olho da audiência — no caso, dos alunos — e poder trazer informações. A gente apresenta em aula aquilo que ensaiamos em casa, como bons atores. Eu tenho essa coisa muito forte de corporeidade, voz e visão. Mas eu ainda acho que tem uma coisa mágica da literatura, que quase sempre é tratado como algo negativo, mas que aqui eu trago como positivo: literatura é um lugar de silêncio, de solidão, no melhor sentido de nós estarmos ali, sozinhos, e ao mesmo tempo acompanhados de dezenas de personagens num tempo que não é o do outro, é o nosso. Diferentemente do cinema, a gente vai no cinema, todo mundo tem a experiência de duas horas do filme. A literatura pra uns é cinco horas, pra outros é quatro horas, pra outro é dez horas… e cada um tem o seu ritmo. Pensando nessa particularidade, eu acho que abraçaria alguma coisa das artes visuais. Quando eu era criança o meu sonho era ser desenhista de história em quadrinhos. Depois de fazer vários cursos e perceber a dificuldade que é finalizar um desenho, decidi descobrir outra coisa, e aí eu descobri que havia os roteiristas de história em quadrinhos, e é aí que começa o meu percurso como escritor. Então, se a literatura não fosse mais uma saída, eu certamente voltaria aos meus cadernos de rabiscos e desenhos, que também é uma forma de manter esse teto todo nosso em que a gente pode criar os nossos próprios universos. 

D: Se você precisasse resumir a literatura nacional a apenas cinco livros, quais seriam?

ET: Eu começaria com Noite na Taverna do Álvares de Azevedo, que é uma bela exemplificação do quanto o fantástico está na nossa literatura desde o Romantismo. Quem aqui não viveu essa experiência dos amigos num bar, contanto histórias de terror, contando histórias para despertar o medo, a ansiedade, o desejo…? É fundamental para começar a nossa experiência de literatura brasileira. O meu romance favorito do período clássico não poderia ser outro a não ser O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Tenho uma admiração imensa por Machado, mas eu fico com O Cortiço, que é um festejo de linguagem, de recuperação das nossas vozes, das nossas variedades, além de termos um trio de heroínas, que são Rita Baiana, Leonie e Pombinha, que levam um pouco esse romance inteiro nas costas. Indo para o século XX eu iria para um romance que é muito difícil, mas que ao mesmo tempo exemplifica o nosso potencial discursivo, que é o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que é um livro que demonstra tudo aquilo que a gente pode fazer com a criação de novas palavras, com a torção de linguagem, com a frase. É um livro que eu costumo sugerir que a gente tenha a vida inteira para ler, porque o Grande Sertão é aquele livro que a gente lê em dois ou três meses de férias, ou então é aquele livro de cabeceira que você vai avançando pela vida e degustando as páginas. Chegando ao presente eu cito duas obras. A primeira delas é A Bandeira do Elefante e da Arara, do Christopher Kastensmidt, que é um estadunidense que mora no Brasil há mais de vinte anos, casado com uma brasileira e que, quando chegou aqui, se apaixonou pelas nossas histórias, pelas nossas lendas e pelo nosso folclore. E A Bandeira do Elefante e da Arara é justamente essa obra que vai nos mostrar um Brasil que nós não estamos acostumados a ver. É um Brasil de fauna e flora, riquíssimo, com detalhamento e que nos faz mergulhar nesse Brasil colônia e sair de lá com uma experiência muito forte. E eu indicaria também uma autora chamada Karen Soarele, com A Joia da Alma, que é uma obra de alta fantasia, um gênero normalmente relacionado a autores homens, e a Karen é uma desbravadora dessas terras de alta fantasia. É um romance que foi finalista do Jabuti e que oferece para uma grande gama de leitores uma série de coisas pra gente pensar sobre heroísmo, sobre representatividade. Não são cinco livros representativos absolutos. Temos vários títulos da DarkSide, inclusive, de literatura nacional para indicar, mas esses são os cinco que eu indico como uma amostra de tudo aquilo que a literatura brasileira pode ofertar.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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