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André Diniz: “Arte é um caminho, é um projeto de vida”

Confira a entrevista do autor e do fotógrafo Maurício Hora sobre Morro da Favela

20/08/2025

O dia a dia dos moradores do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, é bem diferente do que você vê na mídia. Ali pulsam vidas, histórias de pessoas que possuem sonhos, medos, conquistas e frustrações. Morro da Favela é uma graphic novel que mergulha nesse universo a partir de um observador real: Maurício Hora, um morador que buscou na fotografia sua identidade e produziu um registro que entrou para a história do Brasil.

LEIA TAMBÉM: André Diniz: “A HQ ficou muito mais atual agora do que quando eu a escrevi”

Escrita e desenhada por André Diniz, de Revolta da Vacina e T.A.T.T.O.O. — À Flor da Pele, a graphic novel é uma narrativa necessária para entender o dia a dia das comunidades do Rio de janeiro a partir do Morro da Providência, a primeira favela brasileira. O DarkBlog conversou com André e Maurício sobre arte, morro e identidade na periferia. Confira: 

DarkBlog: Maurício, quando você começou a fotografar o morro, já imaginava a repercussão pessoal e social que isso teria?

Maurício Hora: Não, eu senti uma necessidade mais pessoal. Eu gosto de fotografia. Mas aí, no decorrer do tempo fui entendendo que era necessário. Daí com a aproximação do aniversário de 100 anos, em 94, eu começo um trabalho mais sério, muito autônomo e com muito respeito, mas que era necessário fazer. 

Maurício Hora

D: André, o que te moveu especificamente na história do Maurício? Por que contar essa história do ponto de vista dele?

André Diniz: Não foi uma ideia que estava pronta inicialmente, mas nas primeiras conversas eu já vi que esse seria o caminho. O Maurício fala de si e fala do morro ao mesmo tempo com um olhar interessantíssimo, como alguém 100% de dentro, mas que sabe avaliar como alguém de fora também. Desde o começo eu tinha consciência de que queria fazer, em primeiro lugar, um relato humano. Não queria falar de violência, sei que é impossível não ter na história, mas não era o meu objetivo. E eu não tenho nada a falar sobre favela, tenho total consciência disso. Se eu tivesse algo para falar, seria aquela visão estúpida de alguém que não é de lá e acha que entende alguma coisa. Também não queria fazer nada didático, nada técnico. Então casou com tudo isso, o Maurício me deu uma história muito humana. Ele de fato é um personagem riquíssimo, e falando da vida dele, a gente falava também de vários temas importantes.

D: Maurício, na HQ Morro de Favela a sua história é exposta de uma maneira um tanto pessoal. Como foi ver a si mesmo retratado nos quadrinhos?

Maurício: Eu descobri que tinha uma história, foi muito interessante. Quando você atua dentro de um processo, e por ser também a minha história, eu não conseguia compreender muito. Mas quando o André começou a me mostrar os bonecos eu fiquei em choque de ver aquilo sendo narrado. Claro, é a minha vida, mas eu não me vejo como exemplo. São muitas histórias parecidas com a minha que precisavam ter um significado, um conto, não só a linguagem da fotografia. O caminho que trilhamos para fazer esse trabalho não foi só sobre a minha vida, foi a vida do morro, a vida do meu pai, há uma série de coisas que permeiam essa história.

D: André, como você vê o papel da arte, especificamente da história em quadrinhos, no debate sobre memória urbana e identidade periférica?

André: Para mim o grande poder da arte é trazer questões, que podemos também compreender de forma teórica no discurso, mas principalmente fazer o leitor viver aquela situação. Ele se coloca na pele de um personagem de realidade diferente da dele, numa situação, num contexto diferente. E ele pode viver aquelas questões e ver que, na verdade, a diferença é muito pequena. Porque ali estão questões básicas, como paixão, amor, frustração, medos e desejos, isso é universal. Então qualquer personagem que seja, em qualquer contexto, isso vale para qualquer pessoa, acho que essa é a grande questão da arte. Para mim, trabalhar isso é um exercício de vida, porque permite que eu me coloque em contextos e na pele de outras pessoas.

André Diniz

D: Qual foi o maior aprendizado que cada um tirou durante o processo de criação dos quadrinhos Morro da Favela?

André: Era algo que eu defendia na teoria, mas uma coisa é você falar e outra é você vivenciar aquilo. Eu sempre relutei muito contra estereótipos, como “brasileiro gosta disso”, ou “europeu é racista”, e tantos outros. Se a gente está falando de europeu, negro, oriental, mulher, estamos falando de milhões e talvez até bilhões de pessoas. Não existem duas pessoas iguais, não existem dois pontos de vista iguais. A mesma pessoa, que passou pelas mesmas situações e mora no mesmo lugar, pode te apresentar a um mundo totalmente diferente pela ótica dela. E foi muito gostoso ver isso na favela, conhecer, não só a favela, mas o estilo de vida, conhecer as pessoas, cada uma com suas manias, sua simpatia, suas contradições, seus sonhos, suas realizações, suas frustrações. Isso é maravilhoso, é essa visão conecta qualquer pessoa com qualquer outra no mundo.

Maurício: Fui criado num lugar que, na maioria das vezes, a gente não conseguia diferenciar a nossa cor, o nosso gênero, porque era todo mundo igual. Eu não via cor. A polícia tratava todo mundo igual, então morria preto, morria branco, morria de olhos claros, todo mundo morria, então todo mundo era igual. Quando o André organiza essa história eu começo a me identificar enquanto pessoa. Eu já era citado em algumas coisas, eu já tinha feito muitas entrevistas, mas ainda não tinha essa reflexão sobre a minha pessoa, e o André trouxe isso. 

D: Maurício, a Casa Amarela é um dos desdobramentos mais bonitos do seu trabalho no morro. Como você enxerga o futuro da favela a partir de iniciativas como essa?

Maurício: A Casa Amarela era uma necessidade, era algo que eu vislumbrava, que eu perdi o controle e que hoje não é exatamente como eu queria que fosse, mas é um projeto muito bacana e necessário. Com ela vieram outros. As pessoas viram que havia necessidade e possibilidade de fazer, então conseguimos avançar bastante. Eu vejo um futuro, o problema é que quando falamos de educação e arte é um futuro um pouquinho distante, ele demora. O aprendizado é algo demorado, envolve construir ideias, formar uma pessoa… e às vezes aquela pessoa nem vai participar daquilo, ela vai sair e não vai usar o que aprendeu ali. Eu desconstruo a ideia de que ascensão de vida é sair da favela. 

André Diniz e Maurício Hora

D: André, Morro da Favela é uma obra que já circulou internacionalmente. O que você percebe na forma como os leitores estrangeiros reagem à história do Maurício, da Providência e da HQ?

André: Nem foi de uma maneira tão diferente. A gente pode estar no Rio, no outro bairro, e achar que sabe de tudo, que está ali na favela por causa da mídia, mas não. A desinformação, a visão preconceituosa às vezes é tão grande quanto. Às vezes o estrangeiro tem até mais boa vontade, porque o brasileiro tem esse ódio contra si mesmo, pensando “eu sou de um país pobre, eu tenho sangue negro, mas eu não sou igual a eles, eu sou diferente”, então existe essa distinção com esse ódio. Vai ter, é claro, o estranheito que vai ver como uma coisa exótica, mas eu não percebo tantos assim. Isso é muito interessante… ou preocupante, né? Não sei.

D: A nova edição de Morro da Favela, publicada pela DarkSide® Books, possui conteúdo extra e atualizado. Falem um pouco sobre eles e o que os levou a querer atualizar essa história.

Maurício: Como é uma história viva ainda, o personagem não morreu, é válido. Até se o personagem morrer, o Morro continua, a favela continua crescendo, então esse é um livro vivo. É um livro que se permite ter outras edições e crescer, e ele está indo num caminho maravilhoso.

André: Além dos acréscimos, das partes novas, teve até a história clássica. Não cheguei a redesenhar do zero, mas mudei bastante. Tem essa coisa do autor de querer sempre dar o melhor que ele puder oferecer para o leitor. Fico muito honrado com cada pessoa que pega o livro e realmente quero dar o meu melhor. Sobre as duas partes novas, a primeira veio com a publicação do livro no exterior, porque já tinha passado muito tempo e, além da história do Maurício em si ter crescido muito, de ele ter intensificado esse contato com Canudos e da criação da Casa Amarela, teve Olimpíadas e Copa do Mundo no Rio de Janeiro, algo que mexeu com toda aquela região e com a vida das pessoas. Teve a criação da UPP depois, então tinha muito a assentar. Quando chegou a edição da DarkSide, já tinha passado também a pandemia. Aconteceu em todo mundo, mas no Brasil teve as suas particularidades, e na favela mais ainda, e o Maurício e a Alessandra tiveram uma atuação muito bonita durante a pandemia. Não tinha como voltar a falar desse tema e não incluir essa parte.

Morro da Providência

D: O que vocês diriam para os jovens da periferia que têm vontade de contar as suas histórias por meio da arte?

Maurício: É pertinente, é necessário. Não precisa ser quadrinhos, pode ser audiovisual. Acho importante, mas precisa ter um respeito muito grande e um cuidado, é claro. Por exemplo, tem favelas em que eu não posso entrar. Mas mesmo nelas, eu já entrei sendo um artista. Entrei sendo respeitado por causa da fotografia. O jovem que conta a sua história hoje, e com a dinâmica da internet, também é perigoso, precisa ter muito cuidado. Eu só contei a minha história pro André. Eu vi muita dignidade na forma com que ele contou, muito respeito e carinho. Até quando a gente fala mal de alguém ali, a gente fala bem depois. Eu falo mal do tráfico, mas eu também sei onde vou me posicionar pra não construir nenhum inimigo também.  

André: Acho até temeroso eu falar qualquer coisa pro jovem da periferia porque essa não foi a minha realidade, então vou falar para os jovens de maneira geral. Eu estou aqui falando, desse jeito, por causa da arte. Eu estou vivo pela arte, a minha sanidade eu consigo pela arte. A gente se conhece muito pela arte, conhece o outro. Hoje tem muito a questão da cobrança, a gente já acha que tem que nascer pronto, que já vai postar na internet, e não! Arte é um caminho, é um projeto de vida. A gente vai aos poucos, erra muito, erra pra vida inteira, aprende muito. Não tem que ser o melhor, não tem que ser nada. Se você encontrar a sua voz para falar de si, você vai acabar se conhecendo também. É uma ferramenta maravilhosa. O quadrinho, especialmente, você pode fazer uma história de 200 páginas, pode pegar uma folha de papel e fazer uma tira de três ou dois quadros e veicular na internet. Numa copiadora você pode pegar uma folha A4, dobrar duas vezes, grampear e transformar num livrinho de oito páginas… Esse aspecto do quadrinho me fascina muito. Você não precisa de orçamento ou de um espaço que não dependa de você. Você só precisa de uma caneta, uma folha e papel e pronto.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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