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A volta dos filmes de monstro ao cinema

Por que voltamos a nos interessar por essas histórias?

30/01/2025

Nosferatu, Frankenstein e lobisomens. As salas de cinema parecem estar infestadas por esses monstros, mais ou menos um século depois de eles terem assombrado audiências nos primeiros passos do terror nas produções de grandes estúdios. Basta dar uma olhada nas estreias de filmes de 2025 para nos sentirmos numa espécie de viagem no tempo.

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Cineastas como Robert Eggers, Leigh Whannell e até Guillermo del Toro estão trabalhando em filmes que retratam alguns dos monstros mais clássicos do terror. Tal qual acontece no mundo da moda, em que tendências retornam de modo cíclico, estamos testemunhando o grande retorno dos monstros ao cinema. Mas por que isso está acontecendo?

Novos filmes, velhos terrores

Antes de mergulhar nessa questão, vamos retornar rapidinho à época dos Monstros da Universal Studios, que nos presenteou com filmes sobre Drácula, Frankenstein, O Monstro da Lagoa Negra, entre outros. Naquela época, a lógica dos estúdios era de que histórias populares da literatura teriam uma boa chance de sucesso de bilheteria, mesmo com produções de terror — que passavam longe do grande público até então.

monstros da universal

E eles estavam cobertos de razão: a Universal Studios deteve um monopólio sobre os filmes de monstro ao longo das décadas de 1930 e 1940. Depois, é claro, outros subgêneros tiveram seus grandes momentos, como o folk horror, os slashers e mais recentemente os torture porn e found footage.

Os monstros estão de volta. Mas por quê?

Apesar de uma tentativa de trazê-los de volta no início do século, com produções como Drácula: A História Não Contada, A Múmia do Tom Cruise e a visão atualizada de O Homem Invisível, o Universo Cinematográfico dos Monstros que a Universal tanto queria acabou morrendo pelo caminho. Mas agora eles parecem estar voltando com tudo, ainda que em seus próprios mundos.

Como observamos no livro Nosferatu: Sinfonia das Sombras, o longa de F. W. Murnau de 1922 é um dos exemplos mais antigos de um filme de monstro que já se tem registro. Foi o primeiro longa que mostrou um vampiro morrendo por se expor ao sol, contribuindo para todo o imaginário em torno das produções sobre a criatura. Ainda que por caminhos tortos e um processo de plágio, o Conde Orlok se tornou tão reconhecível quanto o próprio Drácula.

nosferatu

Quando foi lançado, o Nosferatu de Murnau surgiu em um mundo se recuperando de uma epidemia de gripe, que se estendeu de 1918 a 1920 e causou a morte de dezenas de milhões de pessoas. Orlok era um espécie de alegoria à epidemia, já que foi ele quem trouxe a praga que assolou a cidade de Thomas e Ellen. 

De modo semelhante, o filme também pode ser interpretado como uma alegoria da crescente xenofobia na Europa e do mundo, bem como do movimento antissemita, com o vilão Orlok sendo uma ameaça que vem de outro lugar. 

Mesmo lançado mais de um século depois, o Nosferatu de Robert Eggers chegou aos cinemas em um contexto histórico perturbadoramente similar. A pandemia de covid-19 ainda é um fantasma que nos assombra, com milhões de mortes em todo o mundo. Paralelamente, o mundo observa um crescimento no número de atentados xenofóbicos.

willem dafoe nosferatu

Eles estão vivos!

Mas Nosferatu não está sozinho nessa renascença monstruosa. Lançado em 1931, Frankenstein recontou o clássico de Mary Shelley sobre o monstro criado por um cientista com a ambição de se tornar Deus ao conferir vida a um morto. O longa era um reflexo do medo em torno dos avanços científicos, como os estudos da época sobre a aceleração de partículas.

O contexto social e político também teve participação aqui. O ano de seu lançamento foi um marco na política mundial, com a Espanha se tornando uma república e o Governo Nacional da Grã-Bretanha assumiu o poder no lugar do Partido Trabalhista. O final de Frankenstein pode ser visto como uma análise aos linchamentos, algo que na época era comum nos Estados Unidos para aterrorizar e controlar populações afro-americanas.

Hoje em dia, o nosso principal temor em torno da tecnologia envolve o território da Inteligência Artificial, além de blockchain, computação quântica, 5G e o uso cada vez mais comum de dispositivos tecnológicos no dia a dia. E agora o temor da tecnologia anda lado a lado com a política, com algoritmos alimentando espectros extremistas e a ascensão da direita em diversos países, alimentando sentimentos xenofóbicos.

frankenstein guillermo del toro

Não é à toa que o universo de Frankenstein foi recentemente abordado por Yorgos Lanthimos em Pobres Criaturas e o próprio monstrão aparecerá em produções dirigidas por Maggie Gyllenhaal e Guillermo del Toro.

Transformação que começa no corpo

Outro monstro que está de volta é o Lobisomem, contando com a influência do clássico de 1941 na iconografia do personagem. Sua influência cultural mais emblemática é, sem dúvida, a Segunda Guerra Mundial. O roteirista Curt Siodmak, por exemplo, fugiu da Alemanha quando os nazistas assumiram o poder, e teria baseado a história do Lobisomem em sua própria experiência.

Há uma teoria de que os lobisomens do filme representam os nazistas, além das pessoas comuns terem sido doutrinadas ou ativamente acreditarem nas crenças monstruosas e ações do partido. O mito do lobisomem reforça a ideia do cristianismo como uma força de salvação, e reafirma o controle patriarcal da igreja. O filme é uma resposta contra os nazistas na Europa, em uma época em que eles agiram contra a igreja, fechando templos, prendendo clérigos, removendo crucifixos e extinguindo monastérios e abadias do Reich.

lobisomem

O Lobisomem de 1941 representa a repressão à nossa besta interna e a linha tênue que separa o humano do monstro pode ser interpretada como um reflexo do que muitos sentiram durante a Segunda Guerra, quando a identidade cultural entrou em confronto com a extrema violência. Também diz respeito a perder a sua identidade diante de eventos que mudam o curso da história mundial.

O novo longa de Leigh Whannell chegou aos cinemas em uma época em que as guerras tomam conta dos noticiários, como a da Rússia contra a Ucrânia e a intensificação dos conflitos na Faixa de Gaza. Os temores em torno de uma possível Terceira Guerra Mundial também estão mais fortes na década de 2020 com as tensões entre EUA e Rússia, e também de outros países. 

Além da produção de Whannell, Robert Eggers também está trabalhando na sua produção sobre lobisomens desde o anúncio de Werwulf.

lobisomem

Um mundo de monstros

Em seu cerne, os filmes de monstro costumam oferecer uma espécie de fuga da realidade para seus espectadores. Não à toa, o sucesso dos filmes clássicos da Universal ocorreu durante a Grande Depressão, marcada por altos índices de desemprego e pobreza. 

Por mais que a situação econômica atual não esteja próxima daquela, a ansiedade coletiva é cada vez maior com as tensões políticas em todo o mundo, além de vários direitos de populações mais vulneráveis estarem em risco, e, claro, a crise climática que é uma ameaça constante.

Todos esses fatores provavelmente contribuem para que passemos a ver os monstros como seres menos fantásticos e mais próximos da realidade, dos monstros reais que nos ameaçam o tempo inteiro. E, por mais que na maioria das vezes eles sejam os antagonistas das histórias, os novos filmes também trazem a monstruosidade de outros personagens, mostrando que não existe uma batalha clara do bem contra o mal. Todos temos um pouco de monstros dentro de nós.

LEIA TAMBÉM: De Mary Shelley a Milicent Patrick: Criadoras de monstros

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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