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Como O Silêncio dos Inocentes alimentou a nossa obsessão por true crime

O filme que mudou nossa forma de ver investigações criminais

22/10/2024

Desde que a agente Clarice Starling, interpretada por Jodie Foster, cruzou seu caminho com o Hannibal Lecter de Anthony Hopkins o mundo não foi mais o mesmo. Não estamos falando apenas do marco que O Silêncio dos Inocentes representou para o cinema mundial, abocanhando as principais estatuetas do Oscar® daquele ano, mas da maneira como passamos a encarar histórias policiais — sejam elas reais ou fictícias.

LEIA TAMBÉM: Saiba a ordem cronológica dos filmes e séries de Hannibal

Pode não parecer, mas o interesse das pessoas por crimes reais ou fictícios nem sempre foi tão aguçado. É claro, nas décadas anteriores os noticiários norte-americanos eram povoados pelos crimes de assassinos como o Zodíaco e Ted Bundy. Enquanto isso, o terror nos apresentava aos seus próprios serial killers, só que mais representados por seus monstros mascarados ou deformados, como Leatherface, Freddy Krueger, Jason e Michael Myers

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A linha que separava os terrores reais dos fictícios parecia bem delimitada, e o próprio FBI não tinha o reconhecimento mundial que possui hoje. Mas a partir de 1991 tudo mudou quando os “bastidores” da ciência forense encontraram um vilão fictício, mas em uma narrativa crível o suficiente para abalar aquela crença de que estávamos seguros dos monstros do cinema.

O Silêncio dos Inocentes levou para as telonas e para o imaginário popular aquele que é considerado um dos vilões mais icônicos e perturbadores do cinema até hoje: Hannibal Lecter. Para entender melhor o contexto da época, os segredos da produção e o impacto do longa na sociedade, é indispensável a leitura de O Silêncio dos Inocentes: Entre Cordeiros e Monstros

Nesta edição especial da série Clássicos de Cinema do BFI, o Instituto de Cinema Britânico, a autora Yvonne Tasker mergulha nas profundezas do thriller psicológico que redefiniu o gênero, oferecendo novas perspectivas sobre a obra-prima que conquistou gerações. Tasker identifica o filme como um ponto de referência crucial para acompanhar o interesse do final do século XX por procedimentos policiais, perfis psicológicos e assassinatos em série, analisando temas centrais como razão e loucura, identidade e pertencimento, aspiração e transformação.

o silêncio dos inocentes

Realidade ou ficção?

Fato: O Silêncio dos Inocentes, tanto o livro de Thomas Harris como sua adaptação, é uma obra de ficção. E por melhor que seja a capacidade de contar histórias do diretor Jonathan Demme, ele não pretendia ancorar o trabalho de Harris na realidade. Até porque na vida real o processo de prender assassinos em série é bem menos dramático. Porém, o longa moldou o método de capturar um assassino de tal maneira que agora seus recursos narrativos são considerados essenciais em contar histórias de crimes reais.

Pense na comparação com o que entendíamos de terror até então. Os jump scares foram substituídos pelo suspense enervante. O assassino deixou de ser um personagem monstruoso para se parecer com uma pessoa comum, respeitada e culta. Em vez de simplesmente recontar a história de um serial killer que ajuda em um caso do FBI, a história se sustenta em sua admirável atenção aos detalhes, desde cenas em close-up, até o prolongamento do silêncio e também pelo fato de que Lecter é um vilão que age em plena luz do dia.

Todos esses elementos foram fundamentais para transformar o filme em um sucesso não apenas para os entusiastas do terror, mas para o público em geral — e até mesmo a crítica especializada. Foi o filme que conseguiu furar a bolha do terror de seu próprio nicho.

o silêncio dos inocentes

Monstros entre os cordeiros

Além de tudo isso, vale lembrar que Hannibal Lecter representa a soma de alguns assassinos conhecidos, como Ed Gein, Gary M. Heidnik e Ted Bundy. Ou seja, mesmo fictício, o vilão é um lembrete incômodo de que monstros reais existem — e que eles não precisam de uma máscara para isso. 

Um dos principais elementos de O Silêncio dos Inocentes que deixa aquela inquietação na nossa mente é a mesma do true crime: é quando nos damos conta de que a maioria dos predadores não é uma criatura estranha ou pessoa desconhecida, como aquelas que tememos quando crianças. São verdadeiros farsantes que se camuflam entre pessoas comuns para cometer seus crimes

Hannibal vai até além de uma pessoa comum: ele é inteligente, um médico respeitado no passado, e alguém que usa toda a sua eloquência para entrar nas mentes de suas vítimas e aproveitar seus traumas a seu favor. Ele não grita, ouve música clássica e se passa por uma pessoa absolutamente equilibrada. Não é um vilão que precisa se esconder nos arbustos na calada da noite. Hannibal é aquele lembrete incômodo de que talvez a gente não conheça tão bem o outro — principalmente aqueles que querem nos fazer mal.

o silencio dos inocentes

Esta é uma maneira bem elaborada de consumir e até mesmo de interagir com o gênero de crime como um todo. Porém, reduzir O Silêncio dos Inocentes apenas à figura de Lecter é subestimar tudo o que a produção entrega. Na superfície, o longa é um drama policial com algum gore e muita devastação psicológica. 

Porém, se enxergamos além disso, o filme conta a história da humanidade de uma mulher que aprende a manter sua capacidade de sentir e de transitar em meio ao horror e à tragédia, salvando alguém no meio do caminho. Estamos falando de uma história de sobrevivência e do dom de ser alguém que quer se conectar a outras pessoas. Então, sim, podemos dizer que mudou as coisas no universo do true crime e na maneira com que consumimos essas histórias.

O lado nefasto do true crime

Existe uma linha muito tênue entre o fascínio por algo e a romantização indevida, e aqui incluímos tanto os predadores fictícios como os reais, de criminosos, que chegam a atrair “admiradores”, se é que podemos usar esse termo. Isso se deve, e muito, a uma ênfase exacerbada nos criminosos em vez das vítimas, o que deturpa a percepção das pessoas de quem é o verdadeiro protagonista de uma história.

clarice e hannibal em o silêncio dos inocentes

A produção de conteúdos de crimes reais, principalmente aquelas envolvendo serial killers, precisa ser muito cuidadosa e responsável para que o criminoso não se torne maior do que a tragédia causada por ele, para que as vítimas não sejam destituídas de sua humanidade e se tornem apenas mais um número.

O Silêncio dos Inocentes, por mais influente que seja, não é uma obra infalível e tem sua parcela de culpa em alimentar o sensacionalismo em torno dos criminosos em detrimento do sofrimento causado por eles. E nem vamos entrar aqui nos elementos transfóbicos da caracterização de Buffalo Bill, algo que acabou rendendo um pedido de desculpas do diretor Jonathan Demme mais tarde.

Felizmente, o legado de O Silêncio dos Inocentes é algo que estamos começando a observar e até mesmo a discutir em torno do universo do true crime. Cada vez mais, as investigações dos horrores da vida real estão voltando sua atenção para as vítimas e não para os maníacos que destruíram suas vidas. Tudo isso graças a um número crescente de pessoas que não apenas consomem estes conteúdos, mas começam a questionar essas abordagens em podcasts e nas redes sociais. O foco está menos nas figuras dos assassinos e mais nos fatores que despertaram suas percepções sádicas e como podemos evitar que tais terrores se repitam.

LEIA TAMBÉM: Por que assassinos continuam atraindo a atenção no true crime?

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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