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DarksideEntrevista

Ilana Casoy: “Não é possível transformar a violência em entretenimento”

Criminóloga avalia ascensão e dilemas de produções de true crime

16/12/2025

A linha entre entretenimento e true crime se torna muito tênue quando nos deparamos com a ficcionalização de crimes reais, como acontece em séries como a antologia Monstros, do Ryan Murphy, e mais recentemente em Tremembé. Para Ilana Casoy, o cuidado em retratar criminosos e respeitar as vítimas é indispensável, mas ainda desafiador em um mundo cada vez mais comercial.

LEIA TAMBÉM: Ilana Casoy: “O ser humano é sempre o maior medo que você tem”

A criminóloga, escritora e madrinha da marca Crime Scene conversou com exclusividade ao DarkBlog analisando este tipo de produção e a popularidade entre o público. Para ela, o aumento de produções focadas em crimes locais é natural, mas exige uma camada extra de responsabilidade: “Quando falamos de crimes recentes ou locais, estamos tocando em feridas reais”.

Ilana Casoy ainda fala sobre o papel da mídia e a responsabilidade de quem consome este tipo de conteúdo. Confira a entrevista:

DarkBlog: Ilana, você é uma autora que escreve tanto obras de true crime como de ficção. Porém, observamos que, recentemente, algumas obras que misturam os dois têm se popularizado, como as séries Monstros, que abordou casos como os de Jeffrey Dahmer e Ed Gein, e Tremembé. Como você observa essa aproximação de realidade e ficção, principalmente em como os espectadores podem interpretar tais histórias?

Ilana Casoy

Ilana Casoy: A fronteira entre realidade e ficção sempre foi muito delicada quando falamos de crimes reais. Quando uma produção dramatiza um caso verdadeiro, ela precisa fazer escolhas narrativas. No meu ponto de vista, toda escolha já é, por si só, uma interpretação. Por outro lado, esse tipo de obra também tem um alcance enorme e desperta interesse por temas importantes que falam sobre comportamento criminoso, investigação, falhas sistêmicas, impacto social. Um exemplo disso é a série de ficção Ângela Diniz – Assassinada e Condenada, baseada no caso do assassinato de Ângela Diniz. Na realidade, ela tem três filhos, dois meninos e uma menina. Na série, estão todos centralizados dramaturgicamente em uma filha, e o assunto é a maternidade.

O risco é quando o espectador consome essas histórias sem senso crítico ou informação, confundindo recursos dramatúrgicos com fatos. Por isso é tão importante deixar claro onde termina o registro documental e onde começa a ficção. A forma como vemos essas narrativas molda nossa percepção sobre criminosos, vítimas e o próprio sistema de justiça.

D: Mesmo com o debate em torno do true crime avançando graças a essa popularização, ainda se fala muito mais dos criminosos do que das vítimas — alguns, até, quase como celebridades. Na sua opinião, por que isso acontece?

IC: Os motivos são muitos. Um dos pontos mais relevantes é a audiência: infelizmente, na nossa cultura sensacionalista, o assassino “vende” mais que a vítima. Ele é aquele que causa curiosidade e que dá medo, que é diferente das “pessoas normais” como nós. Há também o fascínio pelos fatos excepcionais do comportamento violento, como a coragem de ultrapassar qualquer linha ética ou legal para satisfazer uma vontade. A responsabilidade de quem trabalha com esse tipo de narrativa é recolocar o foco onde ele deveria estar, na vítima, tarefa difícil em um mundo tão comercial.

ilana casoy cronologia

D: A série Monstros, do Ryan Murphy, já foi acusada de romantizar a visão sobre os criminosos. Você concorda com essa análise? Por quê?

IC: Quando você dedica horas de tela dando ênfase ao ponto de vista do agressor, naturalmente gera empatia no espectador em relação ao criminoso. É o que acontece nessa série, que transforma um assassino em personagem sedutor. Por isso é tão importante mostrar o contexto daquele caso, as vítimas e as consequências, para que o espectador não confunda compreensão com justificativa. 

D: Como você avalia o papel da mídia na cobertura desses casos nos últimos anos? Acredita que tivemos avanços?

IC: A mídia evoluiu muito, principalmente no cuidado com dados sensíveis, com a exposição de vítimas e com a necessidade de contextualizar. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer: a urgência com que as mídias precisam ser alimentadas com notícias novas, os chamados “furos de reportagem”, versus o tempo necessário para checagem e reflexão chegam a ser um paradoxo e atropelam a precisão dos fatos e a profundidade daquele assunto.

Também noto uma tendência à espetacularização, especialmente em crimes de grande repercussão. Nesses casos, assistimos às notícias longas e diárias como a um Big Brother. É um equilíbrio difícil entre o que é informar e o que é explorar. Avançamos, mas ainda precisamos discutir muito sobre responsabilidade, ética e o impacto emocional dessas coberturas.

D: A série Tremembé se passa quase inteiramente em um presídio, um ambiente bem conhecido por você. O que produções como essa revelam ou escondem sobre as condições reais do sistema carcerário brasileiro?

IC: Produções ambientadas em presídios geralmente precisam simplificar a realidade para caberem naquela narrativa. Já estive muitas vezes dentro de penitenciárias e manicômios judiciários, e posso afirmar que o sistema é muito mais complexo e muito mais cruel do que aquilo que vemos na ficção. É quase como um mundo à parte. 

ilana casoy

Nenhuma série consegue captar a sensação de abandono estrutural, a violência silenciosa e as falhas profundas de política pública que vemos no dia a dia. A ficção revela uma parte, mas sempre deixa muita coisa fora do quadro.

D: Na nossa última entrevista você comentou que a única coisa que difere um serial killer brasileiro de um estadunidense é o endereço. Observamos que o interesse nos casos nacionais tem se intensificado nos últimos anos. Como você analisa este movimento? Precisamos tomar algum cuidado extra ao abordar crimes que ocorreram tão próximos a nós?

IC: O comportamento violento segue padrões universais, é principalmente o contexto cultural que muda. Penso que o aumento de interesse por casos brasileiros é muito natural, já que são histórias que pertencem ao nosso território e à nossa memória coletiva, mas acredito que o aumento desse interesse traz uma responsabilidade ainda maior. Quando falamos de crimes recentes ou locais, estamos tocando em feridas reais. Famílias que continuam em luto, comunidades que foram traumatizadas. Não é possível transformar a violência em entretenimento. É história, dor e consequência. Penso que o cuidado ao retratar esses casos precisa ser redobrado.

D: Tem alguma mensagem que você gostaria de deixar a quem consome conteúdos de crimes reais somente como entretenimento?

IC: True crime pode ser fascinante e ensinar muito sobre sociedade, psicologia, encarceramento e o funcionamento do sistema de justiça, mas nunca podemos esquecer que cada caso é uma tragédia real, vivida por pessoas de carne e osso que, muitas vezes, jamais superam suas perdas. Assisti-las com o controle remoto nas mãos pode nos dar a impressão de que são simples, mas se você for consumir esse tipo de conteúdo o faça com respeito, empatia e senso crítico. 

LEIA TAMBÉM: Ilana Casoy: Uma cronologia da dama do true crime brasileiro

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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