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Martin: Psicopatia, Vampirismo E George Romero

Um filme intenso e pungente

20/06/2025

Hoje nossa coluna está em festa, afinal de contas, não é todo dia que desencavamos um filme escrito e dirigido por George Romero. Apenas para situar os novos entusiastas do terror, George Romero é o que podemos chamar de Mestre do Horror, e acima de tudo: George é o grande pai de todos os zumbis. Mas e se eu dissesse que nosso ícone dos “desmortos” já se aventurou em outras formas de enganar o final da vida?

Criado em 1977, Martin nos apresenta um jovem que acredita ser um vampiro. Como curiosidades “apetitosas”, podemos adiantar que esse filme é a primeira colaboração entre George Romero e Tom Savini — que se tornaria um dos principais maquiadores e técnicos de efeitos práticos de terror de Hollywood. Em contrapartida, alertamos que esse não é um filme para todas as audiências, devido ao seu teor de violência realista, principalmente violência sexual.

Começamos esse clássico de forma repentina, sem trilha sonora ou avisos, a bordo de um trem que viaja de Indianapolis para Pittsburgh. Avistamos esse jovem bastante introspectivo, Martin, e outros passageiros. No meio da viagem, Martin invade soturnamente uma cabine e ataca uma passageira com uma seringa cheia de tranquilizante. A mulher ainda luta, mas Martin consegue dominá-la. Ele a despe e simula uma atitude romântica e sexual, depois a corta no pulso e bebe seu sangue. Sentimos que é uma espécie de ritual para ele, talvez na cabeça de Martin seja uma questão de sobrevivência. Ele deixa a mulher desacordada no trem, e não fica claro se ela está viva ou morta.

Na estação de Pittsburg, Martin é recebido por Tata Cuda, um homem idoso que o conduz até outro ponto de embarque. Tata Cuda se veste com um terno branco, fala pouco, ele toma o próximo trem com Martin e em seguida o conduz pela periferia da cidade de Braddock, no estado da Pensilvânia.

Os dois vão para a casa de Tata Cuda, onde Martin ficará hospedado. Tata Cuda, seu anfitrião, o chama de Nosferatu e de vampiro, depois o previne que primeiro irá salvar sua alma, e em seguida irá destruí-lo. Martin não se incomoda como esperávamos e sobe as escadas até seu quarto. No caminho, o novo morador observa réstias de alho na porta dos quartos, também crucifixos. Ele segue seu caminho sem se incomodar. Tata Cuda continua o tratando como se ele fosse um vampiro real, estabelece regras e limites, enquanto algumas visões (flashs, não fica claro se são cenas de memória ou imaginação) afetam Martin.

Eles acabam discutindo, então descobrimos que Martin é primo de Tata, e que o elemento sobrenatural aparentemente não existe em Martin. O próprio acusado comprova essa teoria tocando crucifixos e mastigando alho. Martin repete seguidamente que não há magia, que ele é um jovem “normal”. Como parte do acordo em ficar naquela casa, Martin também não pode falar à sós com Christina, neta de Tata Cuda que mora naquela mesma casa. Martin também deverá trabalhar no mercadinho de Tata Cuda, atendendo e também entregando as compras de alguns clientes em suas casas. Ainda nessa primeira metade do filme conhecemos Arthur, amigo de Christina. Arthur é ninguém mais, ninguém menos, que o Tom Savini sem bigode e barba (não perca essa!).

Bem, e tudo estaria resolvido como um caso de distúrbio mental, mas Tata Cuda explica para Christina que Martin é um nosferatu nascido no velho mundo, e que não é o primeiro da família a ter esse problema (segundo o velho existiam nove antes dele, três dos quais ainda estão vivos). Christina e Martin conversam sobre isso, ambos duvidam do elemento fantasioso do vampirismo, mas quando Christina pergunta sua idade, Martin afirma ter 84 anos. Ela então se confessa farta de tudo isso, de ser criada no meio dessas lendas cheias de obscurantismo fanático, e diz que Martin deveria estar sob tratamento médico há muito tempo.

Mas o fato é que vampiro ou não, Martin é um psicopata, um caçador de mulheres, e dessa forma ele não demora a escalar sua próxima vítima. Como todo predador, Martin é esperto e metódico, ele sabe a hora exata de observar e estudar, e a hora certa de atacar. Através de elementos confessionais que permeiam o filme (Martin acaba telefonando para um programa de rádio todas as noites, se identificando como “O Conde” e contando partes de suas perturbações e de seus crimes), entendemos que Martin consegue fazer sexo apenas com suas vítimas, e somente com elas desacordadas. Devido a esse elemento e também ao nível explícito de violência física e psicológica de algumas cenas, o filme acabou proibido e banido em alguns países.

Romero é considerado um dos cineastas mais socialmente engajados do cinema de horror, e esse fato não é atenuado em Martin. Através de diferentes camadas e personagens, Romero nos mostra seguidamente que a doença mais séria a ser combatida é nossa própria percepção social sobre a realidade e a de nossos semelhantes.

Além de ser um assassino, servir como estrela da rádio e trabalhar no supermercadinho do tio Tata, Martin também vai à missa, e em uma das celebrações notamos que o padre é interpretado por George Romero.

Mas o caso é que na igreja também notamos um interesse acima da média de algumas católicas por Martin. Uma dessas mulheres, Abby Santini, já havia conhecido Martin anteriormente, e ela o convida para fazer alguns reparos em sua casa, mas ela tem terceiras intenções com o rapaz, sem imaginar o risco que está correndo. Felizmente, Martin é tímido em abordagens diretas, e sai correndo de lá quando ela se insinua declaradamente.

O próximo compromisso de Martin é um jantar em casa com o padre Howard, e fiquem atentos porque as críticas e discussões sociais, ainda que breves, são um deleite, principalmente pela presença marcante de um jovem George Romero atuando como um padre. Nessa conversa entre Tata e o padre, surge um nome de um segundo clérigo, que estaria disposto a tentar expurgar o mal que tomou por Martin por meio de um exorcismo. O exorcismo evoca memórias distorcidas em Martin, que podem ser meras ilusões, e o ritual não provoca efeito maior.

Martin decide finalmente fazer sexo com Abby Santini, e eles rapidamente engatam um romance às escuras, porque Abby é uma mulher casada. Cristine também retira as réstias de alho e os crucifixos da casa, pouco antes de discutir com Tata Cuda e ir embora da cidade. Ela está farta das crendices sem sentido do avô. E se tais crendices eram assim tão sem sentido, vamos deixar vocês descobrirem sozinhos.

O que podemos dizer é que Martin é um filme intenso, pungente, que mostra mais uma vez o poder narrativo e crítico de George Romero. Com tudo o que já se leu, viu e ouviu a respeito dos vampiros, Martin conseguiu, em 1977, dar um outro significado a essa grande mitologia. Boa diversão! (e não esqueça o alho, as estacas e os crucifixos — mesmo que um telefone seja bem mais útil).