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Benny’s Video: Impiedoso, frio e aterrorizante

Uma verdadeira transcrição da ultraviolência

29/11/2024

Dizem que um bom gancho vale mais que mil diálogos, mas o fato é que alguns filmes possuem inícios tão cruéis que nos desafiam a continuar a vê-los ou não, como se os criadores deixassem um aviso explícito que nos previne: cuidado, muito cuidado. O filme de hoje é um desses casos.

Benny’s Video é um filme de 1992, classificado como horror psicológico, dirigido por Michael Haneke e sediado em Viena, na Áustria. Por aqui, recebeu a tradução ao pé da letra O Vídeo de Benny. Podemos dizer que esse filme trabalha como poucos a psicopatia infanto-juvenil, e quando somamos a essa característica uma trama perturbadoramente plausível e surpreendente, chegamos à nossa premissa. Agora sim, todos prontos?

O filme começa com o abate de um porco. Uma sequência em que acompanhamos o animal sendo escoltado e preparado para a morte. O porco guincha, reclama, a fogueira onde sua carne será preparada já está acesa, o porco sabe que irá morrer. E morre. Caso alguém pense que não pode ficar pior, assistimos a essa cena duas vezes; e piora mais, porque a segunda exibição é em câmera lenta. A agonia do animal (e a nossa, como testemunhas) beira o insuportável.

Na sequência temos diferentes tomadas. Vamos para dentro de um elevador, depois para uma festa desautorizada, terminamos na conversa entre uma filha e seu pai. Tomadas caseiras, aleatórias, captadas em fitas de VHS (sim, nós amamos, amaremos para sempre, amém). Também conhecemos Benny — um adolescente que ama gravações caseiras e parece passar muito tempo em isolamento voluntário em sem quarto — e seus pais.

Enquanto Benny grava recordações e aluga filmes e mais filmes em VHS em uma videolocadora, ele também organiza bancas de apostas clandestinas e faz tráfico de medicamentos psicotrópicos com os amigos do coral da igreja. Longe da atenção dos pais ausentes, Benny leva uma vida dupla. Tripla.

Ele também convence uma adolescente a ir até sua casa, onde mostra seus equipamentos de gravação e tenta impressioná-la. A garota passa muito tempo perto da videolocadora, olhando a vitrine, e Benny se aproveita desse fato para ganhar sua confiança. Em casa, ele mostra alguns vídeos, brinca com ela (quando na verdade está testando a sua força), faz uma pizza e depois assiste novamente ao vídeo do porco sendo morto. Benny explica para a garota que sua família está ao lado dos fazendeiros no momento do abate do porco, seu pai e sua mãe. A nova amiga de Benny pergunta se foi ele quem filmou a cena, também pergunta se Benny já viu pessoas morrendo.

Benny’s Video é um filme bastante sombrio, e ele escurece mais nesse momento, quando a menina nos parece extremamente vulnerável.

Tudo fica pior, e a morte premeditada se torna uma possibilidade real quando Benny mostra para a garota a pistola de abate. Ele tem a arma consigo, a mesma que matou o porco. Benny carrega o dispositivo e desafia a garota a atirar nele. Ela se recusa e Benny a chama de covarde. Ela toma a arma e inverte a brincadeira, desafiando Benny a atirar nela. E o nosso maior temor acontece, friamente, diante das câmeras. Terminado o ato fatal, Benny vasculha os pertences da garota e toma um iogurte. Depois decide limpar a bagunça e aproveita para filmar um pouco mais.

A exposição crua da psicopatia de Benny, sua frieza e a forma como ele segue com sua vida como se nada tivesse acontecido, é um dos elementos assustadores desse filme. Mas Benny’s Video também é lento, silencioso, soturno e marginal, uma verdadeira transcrição da ultraviolência.

Benny também decide raspar os cabelos, o que provoca um confronto com os pais. Na sequência, ele também agride um colega na sala de aula, surtos aparentemente sem sentido, mas que possuem um claro objetivo para Benny. Em sua mente, nada funciona de modo aleatório, Benny tem um plano para escapar ileso e continuar sua escalada criminosa.

O que ele faz a seguir é mostrar a gravação de seu assassinato para os pais. A decisão da família parece ser acobertar o caso, para que Benny não seja incriminado. Com um mesmo temperamento frio, o pai advoga a seu favor, tentando prever os possíveis erros do filho depois do crime. O pai pergunta se Benny conhecia a garota, de onde, se ela frequentava sua escola, ele está ao lado do filho. Já a mãe está em choque, trêmula, horrorizada. Mas ela também não se opõe ao marido.

Os pais concordam em acobertar tudo, então a mãe decide acompanhar Benny para uma viagem para o Egito. A discussão para a tomada dessa decisão beira o inacreditável, mas, por outro lado, a defesa do filho de um suposto disparo acidental (ainda que os pais se enganem para credibilizarem essa ideia absurda) torna a possibilidade plausível.

Outro fato importante durante o filme é o bombardeio de informações que chega à tela através de reportagens televisivas e também de jornais escritos, que reforçam tanto a ideia de ultraviolência quanto de impunidade. De certa forma, entendemos como a violência e as crises políticas e sociais recorrentes nos tornam insensíveis e anestesiados a elas, como se tudo pudesse ser permitido em um mundo que funciona, muitas vezes, torto e mergulhado em injustiças.

De volta à Alemanha, tudo está resolvido, o corpo da garota não está mais no armário, o pai parece seguro que seus planos deram certo. A mãe de Benny está mais próxima, redobrando a atenção ao filho. Nada que não possa ser retorcido novamente nos minutos finais desse grande filme. Não vamos contar tudo, afinal de contas, se você tem nervos de aço, vai gostar muito dessa produção premiada. Mas não espere que o filme o poupe em algum momento, o que Benny’s Video tem de grande, ele também tem de impiedoso.

Inclusive vamos deixar o trailer aqui para não pegar ninguém desprevenido.

(E aí? Tem coragem de apertar o play?)

Para terminar essa matéria, outro bônus. Se você se interessa em saber mais sobre crimes e psicopatia entre crianças e adolescentes, recomendo dar um mergulho em Anjos Cruéis, de Daniel Cruz, publicado recentemente pela caveira. Fiz algumas leituras na preparação desse livro e posso dizer: é documental e avassalador.