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Max Porter: “Literatura é liberdade”

Confira a entrevista do autor de Timidez e Luto Sem Medo

14/11/2025

O que você tem a vez com um adolescente problemático? Ou com um pai enlutado? Provavelmente muito mais do que imagina. Ao buscar a beleza em meio à dor, Max Porter aborda temas universais, que poderiam acontecer com você, com ele, ou com qualquer pessoa do outro lado do mundo.

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O autor de Luto Sem Medo e do recém-lançado Timidez não tem medo de experimentar forma, estilos e manifestações artísticas em suas obras. Fugindo da prosa habitual, ele traduz sentimentos em palavras de maneira quase expressionista, deixando que a sua intuição o guie em meio à música, às artes plásticas e, claro, à literatura.

Em uma conversa exclusiva, Porter revela um pouco sobre a fluidez do seu processo de escrita, suas influências musicais e até mesmo a inspiração em um xamã brasileiro. Jogue-se de cabeça nessa experiência:

Luto Sem Medo Timidez Max Porter

D: Em Timidez, acompanhamos uma noite na mente de um adolescente — uma espiral de confusão, raiva e ternura. O que o atraiu nesse momento específico da vida e ao personagem de Shy?

Max Porter: Poderia ter sido qualquer um. Eu diria que é como “qualquer árvore no bosque”. Acho fascinante espiar dentro do sistema meteorológico da mente de uma pessoa, principalmente quando esse lugar é uma verdadeira bagunça de emoção, memória, música e outras vozes. Sou naturalmente atraído por superfícies literárias polifônicas. Gosto de construir livros como um artista faria uma colagem. Testando as energias. Experimentando diferentes justaposições. E com Timidez, acho que às vezes desistimos de tentar ouvir as pessoas com raiva, tristes, deprimidas. Os adolescentes meninos são frequentemente descritos como se não pudessem ser alcançados, e eu quis tentar mais, ver o que estava acontecendo. Eu quis enxergar onde estava a beleza em meio à dor.

D: Tanto Timidez como Luto sem Medo abordam temas que muita gente ainda evita, como o luto, a solidão e as emoções masculinas. Por que escrever sobre o que é difícil de dizer?

MP: Acho simplesmente que os seres humanos são interessantes porque eles se despedaçam, e se reinventam. É o milagre extraordinário da consciência que é tão frágil, e tão selvagem. Nossas vidas inteiras são definidas por esses momentos de crises emocionais, mas nós as negamos, ou as enterramos, ou as escondemos em clichês de recuperação e normalidade. Eu quero explodi-las, olhar para elas, traduzi-las em uma experiência visceral de leitura. Quero que paremos de negar a estranheza e a brevidade da vida, a esquisitice dos sonhos, as maneiras em que somos assombrados.

D: Mesmo ambientado na década 1990, Timidez lida com temas e emoções que encontram ressonância com os dias atuais. Que reflexões ele traz para tempos em que parecemos viver uma crise de empatia?

MP: Acredito que fala de uma maneira bem direta sobre uma falência política. Não podemos fechar as escolas. Não podemos ter mais armas nucleares, mas menos assistentes sociais. Isso não faz sentido. Isso é um culto à morte, e precisamos de um culto à vida!

Mas sim, incluir a empatia nas nossas situações cotidianas, como pais, cuidadores, amigos, colegas. Ser ambiciosos com a maneira como nos comunicamos uns com os outros a respeito das nossas divergências de conceitos (políticos, nacionais, raciais). Recusar nos referirmos como “outros”, enquanto somos o mesmo ser vivo. Sou muito influenciado por Davi Kopenawa Yanomami, xamã brasileiro, nessa consideração sobre humano e não humano, os vivos e os mortos. Espero que o fim de Timidez seja uma reflexão do que eu aprendi com o livro dele.

D: Sua escrita já foi descrita como expressionista, principalmente pela liberdade criativa de não se ater a um formato rígido ou a uma estrutura linear e previsível. Essa é uma intenção sua ou ela simplesmente fluiu de maneira natural?

MP: Sim, para mim é natural escrever desta maneira, ou de brincar com a forma desta maneira, mas eu edito que nem louco. Escrevo rápido e livremente e musicalmente, daí passo semanas batucando, moldando, ajustando, mexendo. Ouvindo o texto. 

Tentei escrever parágrafos de prosa “normais”, mas caio no sono.

D: A intuição tem um papel central na sua escrita. Como esse modo de criar influencia a experiência do leitor?

MP: Espero que crie uma imersão mais completa. Ele desgasta a segurança ou artificialidade do modo da realidade social (não sou eu, o novelista, que cria um mundo para te entreter, somos nós, as coisas vivas, compartilhando um experimento de sentir e pensar). Gosto de sair dos lugares de incerteza profunda para aqueles muito mais reconhecíveis, assim o leitor aprende a ler o livro, a senti-lo, de tal modo que seja completamente único para ele. Às vezes parece mais com fazer teatro do que fazer literatura.

D: Em seus livros, prosa, poesia e música parecem se confundir. Há ritmo, pausas, repetições, quase como uma partitura emocional. Como a música entra no seu processo criativo?

MP: Ouvir música o dia todo, todos os dias. É tudo pra mim. Assim, estou sempre considerando aspectos como ritmo e repetição, sintaxe, ritmo, síncope, e eu espero que isso possa ser sentido na obra final. Também colaboro com muitos músicos, o que me ajuda a escutar. Talvez na verdade eu seja um baterista frustrado, haha.

D: Falando em música, quais canções e artistas não saem da sua playlist?

MP: Ohhh, por onde começar? Eu escuto muita música. Jazz, hip-hop, reggae, folk, música eletrônica, clássica. Escrevi Timidez quando eu estava obcecado com uma musicista de gaita de fole escocesa chamada Brìghde Chaimbeul. Escrevi meu último romance ouvindo à banjista Nora Brown. Escuto muita música ambiente. Escuto muito hip-hop, e se você me obrigasse a escolher um favorito atualmente, eu diria o Billy Woods. Billy Woods é um gênio.

Adoro drum ‘n’ bass, garage, amo uma linha de baixo bem suculenta. Cresci nos anos 1990, haha. 

Estava ouvindo D’Angelo quando soube da notícia sobre sua morte. Nunca passo muito tempo sem ouvir D’Angelo. Também amo cozinhar, e para cozinhar eu preciso dos meus preferidos: Paul Simon, Nina Simone, Sandy Denny, Ali Farka Toure.

D: Timidez mergulha fundo em como um jovem homem lida com raiva, vergonha e sensibilidade, emoções que a sociedade ainda cobra que os homens reprimam. Que papel você acha que os pais e as figuras masculinas têm nesse aprendizado emocional?

MP: Bom, eu acabei de assistir um vídeo do Elon Musk, um dos homens mais poderosos do mundo, mentindo sobre estupros nos vilarejos britânicos. Não em tom de brincadeira, mentindo. Vomitando falsidades. Daí eu penso que aqueles de nós que NÃO são psicopatas têm um trabalho mais difícil do que nunca de construir exemplos de cuidadores honestos e com compaixão. Seja em casa, na escola, ou na rua. É algo que precisa ser feito no nível da linguagem.

D: Antes de ser escritor, você foi livreiro e editor. Como essa experiência moldou sua relação com os livros e com os leitores?

MP: Acho que ainda me comporto como livreiro, olhando a pessoa nos olhos e dizendo “vai por mim” ou “tente esse”. Também acho que tenho certa desconfiança do mercado editorial. O mercado acha que sabe tudo, e raramente sabe! A ação de verdade acontece onde ninguém se atreve a ir, então devemos simplesmente explorar, nos perder, valorizar os acidentes. Literatura é liberdade, então devemos resistir aos algoritmos e seguir a nossa curiosidade.

D: Suas obras já foram adaptadas para o teatro, cinema e traduzidas para muitos idiomas. Como é ver sua escrita ganhar voz e corpo em outros meios e culturas, como o Brasil?

MP: É uma lição de humildade. Ser traduzido, ser transportado a um meio diferente, ou linguagem, saber que a obra está mudando e se movendo para além do meu controle. Me anima demais. O meu corvo [de Luto Sem Medo] significa algo diferente no Brasil. Minhas visões adolescentes depressivas vão se acender de uma maneira diferente, e vão ser interpretadas de maneira diferente, no Brasil. Isso me deixa muito feliz.

D: Para encerrar: se você pudesse deixar uma frase para quem vai ler um livro seu pela primeira vez, o que diria?

MP: Apenas se jogue. Eu vou te ensinar a ler no caminho. Eu escrevi para você…

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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