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O que torna Memórias Póstumas uma obra atemporal

Quase 150 anos após sua publicação, a obra continua a encantar novos leitores

07/07/2025

Publicada pela primeira vez em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas não é apenas uma obra-prima da literatura brasileira. O livro de Machado de Assis é uma obra-prima mundial, consolidada como uma das experiências literárias mais ousadas já produzidas e um dos grandes representantes do Realismo enquanto um movimento literário.

Considerado um divisor de águas na carreira do escritor brasileiro, assim como da literatura nacional, Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro que atravessa gerações. Um dos exemplos mais recentes disso foi o vídeo da escritora e podcaster estadunidense Courtney Henning Novak, que em 2024 participava de um desafio envolvendo livros de vários países no TikTok e viralizou ao relatar que Memórias Póstumas era o melhor livro que já havia lido em sua vida. O vídeo de Courtney teve uma repercussão tão grande que a tradução para o inglês da obra rapidamente se tornou uma das mais vendidas em livrarias digitais na categoria “Literatura Latino-Americana e Caribenha”.

Nós sabemos bem que Machado de Assis sempre foi um sucesso. No entanto, essa súbita viralização da obra, mais de cem anos depois de sua publicação original, acende novamente a discussão sobre o que torna Memórias Póstumas uma obra atemporal que continua encantando novos leitores. Vem que a Caveira te explica direitinho o que torna a obra do Bruxo do Cosme Velho uma história imortal.

Um defunto-autor e uma trama para lá de criativa

Um dos motivos que tornam Memórias Póstumas de Brás Cubas uma obra imortal é justamente seu narrador, que é nada mais, nada menos, do que um defunto que acabou de morrer. Isso mesmo! A obra é narrada pelo próprio Brás Cubas, um homem recém-falecido, integrante da elite do Rio de Janeiro, que decide contar a história da sua vida em uma espécie de autobiografia escrita no além. Essa escolha inusitada, permeada por uma aura insólita, permite que Brás Cubas ofereça uma perspectiva única de jornada vida, revelando cruamente suas falhas, fraquezas e erros. Um autoexame que seria praticamente impossível para um narrador vivo.

Desta forma, a obra começa a partir da morte do narrador, algo bastante inovador para a época, alternando entre episódios de sua infância, adolescência e maturidade. Isso também permitiu que Machado de Assis construísse uma narrativa de forma não linear, criando uma espécie de mosaico da vida de Brás Cubas. O livro não segue uma linha cronológica, contando com capítulos curtos, títulos sugestivos e textos fragmentados, os quais refletem a natureza errática da memória humana. Essa desconstrução de convenções literárias tradicionais foi algo diferente de tudo que era feito no final do século XIX e permanece moderno até os dias atuais.

A quebra da quarta parede e personagens complexos

A narrativa não-linear de Memórias Póstumas é um recurso que instiga a curiosidade do leitor, criando uma história envolvente que merece ser desvendada. O livro também é povoado por personagens marcantes e bem desenvolvidos, que enriquecem a trama com suas próprias histórias, perspectivas e contradições.

Brás Cubas, por exemplo, se revela um personagem multifacetado. Proveniente de uma família rica, ele é um homem vaidoso e egocêntrico, passando a vida em busca de prazeres mundanos e realizações pessoais, as quais nunca são plenamente alcançadas. Embora seja uma autobiografia do defunto, Machado de Assis não deixa de apresentar personagens secundários igualmente marcantes, como Virgília, a amante de Brás Cubas, Quincas Borba, um excêntrico filosófico, e Lobo Neves, um político de sucesso casado com Virgília. Todos esses personagens contribuem para uma narrativa complexa cheia de relações humanas e eventos memoráveis.

Além disso, Machado de Assis frequentemente rompe a quarta parede em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Isso quer dizer que o narrador se dirige diretamente ao leitor várias vezes ao longo da obra. Por sua vez, esse recurso estabelece uma conexão íntima com o leitor, o envolvendo nas reflexões do narrador e transformando a leitura em uma experiência bastante dinâmica.

A realidade humana, reflexões existenciais e uma crítica social mordaz

Outro motivo pelo qual Memórias Póstumas permanece uma obra atemporal é sua abordagem da realidade humana. A exploração e questionamento da vida de Brás Cubas, suas tentativas frustradas de encontrar propósito, seus sentimentos, ambições, desejos e tudo que fez enquanto estava vivo, o tornam um personagem extremamente atual e humano, fazendo com que muitos leitores se identifiquem com ele, assim como com suas falhas e limitações.

Ao explorar a realidade humana de forma crua e realista, Memórias Póstumas aborda temas atemporais que permeiam nossa existência como um todo, levantando questionamentos profundos sobre a vida, a morte, a moralidade e a natureza humana. Essa reflexão filosófica e existencial não apenas torna a obra extremamente atual, como proporciona uma leitura introspectiva e profunda.

Como se tudo isso não bastasse, Machado de Assis utilizou Memórias Póstumas de Brás Cubas para construir uma crítica social e psicológica à sociedade brasileira do século XIX. Utilizando um humor sarcástico e tom irônico, a obra satiriza as hipocrisias, caprichos, vaidades e a corrupção das classes dominantes. Aqui, Machado de Assis não poupa ninguém e todos se tornam alvo de sua crítica afiada: políticos, intelectuais, a elite econômica do Rio de Janeiro e até mesmo a classe média emergente. Tudo isso expõe a superficialidade, futilidade, corrupção e hipocrisia social da sociedade, algo que ainda permanece bastante atual.

Uma das mais ousadas experiências narrativas

Quase 150 anos depois de sua publicação, Memórias Póstumas de Brás Cubas permanece uma das maiores obras da literatura mundial. Antecipando elementos do modernismo e ousando em sua narrativa, a qual desconstrói inúmeras convenções literárias tradicionais, a obra de Machado de Assis é um daqueles raros romances que transcende seu tempo e permanece mais atual do que nunca.

Seja por sua forma e estrutura narrativa, seu humor ácido, sua crítica e retrato da sociedade brasileira ou sua reflexão profunda sobre a existência humana, Memórias Póstumas continua inspirando e encantando leitores de todas as gerações e todas as partes do mundo. Relevante e provocativa, a obra atravessa o tempo como um ferida aberta, que escancara as vaidades, as mediocridades e os vícios de uma elite que pouco mudou.

Lançamento da DarkSide® Books, Memórias Póstumas de Brás Cubas chegou na Caveira para reacender o poder do insólito em uma edição que faz jus ao legado do Bruxo do Cosme Velho. Além do texto integral e das belas ilustrações de Lorde Jimmy, a obra conta com um posfácio de Enéias Tavares e um paratexto da pesquisadora e psicóloga Ana Paula Costa.

Mostrando que os mortos e o passado sempre tem algo a nos dizer, Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma leitura obrigatória que oferece sarcasmo, deboche e verdades cruas. O narrador pode até estar morto, mas a obra de Machado de Assis continua mais viva do que nunca.