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ArtigoE.L.A.S

Por que livros de mistério são tão satisfatórios

Autora Tana French fala de sua relação com thrillers

11/12/2024

Por Tana French, autora de Árvore de Ossos

Eu tinha apenas 6 anos quando me apaixonei por mistérios. Algum livro da escola tinham uma (não muito precisa) página de compreensão sobre o Mary Celeste, um navio que foi encontrado à deriva no Atlântico em 1872, intacto — uma refeição ainda sendo preparada na galé — com a tripulação, passageiros e um bote salva-vidas desaparecidos, e nunca mais encontrados. Eu fiquei totalmente fascinada. Ainda me lembro de deitar no tapete da sala de estar com o livro, prometendo a mim mesma que quando eu morresse, perguntaria a Deus essa resposta. Eu provavelmente conseguiria traçar uma linha direta a partir desse momento, passando por todos os mistérios fictícios e reais que eu devorei desde então, até onde me encontro hoje.

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Livros de mistério, para mim, se dividem em dois tipos. Um tipo — Agatha Christie, Sherlock Holmes — que são sobre restaurar a ordem. As questões centrais dizem respeito a fatos concretos: Quem fez? Como fez? A verdade nessas histórias é algo objetivo, e as respostas são sólidas e definitivas. Mas ao fim do livro, cada pista desconcertante se conecta às outras, e a motivação do assassino é clara; o bem é separado do mal, os culpados são presos, mortos, ou pelo menos identificados, e os inocentes estão livres para seguirem com suas vidas.

Esses livros às vezes são diminuídos por serem formulaicos ou simplistas, mas eles são muito mais do que isso. Em um mundo que consegue muitas vezes ser caótico e sem sentido lógico, precisamos dessas histórias. Durante o primeiro lockdown de covid eu estava devorando livros da Agatha Christie como se fossem M&Ms, e falei com um livreiro que me disse que não conseguiam manter os livros dela no estoque. Precisamos acreditar que às vezes as coisas podem se encaixar e fazer sentido, até mesmo quando isso parece impossível; que algum dia a nossa crise irá terminar e que seremos capazes de deixá-la para trás. Esses desfechos descomplicados oferecidos por esses livros — um whodunit em que A mata B, e C descobre — faz com que o mistério seja o gênero perfeito para falar do triunfo da ordem e do significado arduamente conquistados.

tana french

Mas tem também os mistérios selvagens. Nestes livros, as perguntas são deixadas sem respostas. Talvez o assassino continue a não ser descoberto, ou o processo de resolver o mistério leve a mais agitações do que a menos, ou a solução funcione contra a justiça e não em seu favor.

Nos mistérios selvagens a ordem não é restaurada, porque a ordem não é o fim. A verdade não é objetiva e sólida; ela é sombria, escorregadia, de dois gumes. O bem não pode ser ordenadamente separado do mal. As perguntas cruciais não são perguntas sobre fatos — são mais nebulosas e intrincadas do que isso: Do que somos capazes? Quanto do que somos é determinado por escolha, por circunstância, ou pela natureza? Como reagimos a coisas que parecem impossíveis de lidar? Essas perguntas permanecem sem resposta porque elas são impossíveis de responder.

Mistérios também são o gênero perfeito para explorar tais tensões. Eles lidam com as apostas mais altas — verdade e justiça, vida e morte — e com as reviravoltas mais complicadas a mente humana, os processos pelos quais alguém toma aquele passo transformador e irrevogável em direção ao assassinato.

Quando nos apaixonamos por mistérios, estamos nos apaixonando por estas duas coisas: o senso de ordem arduamente conquistado, e as perguntas sem resposta. Essa lista faz um excelente trabalho de cobrir essas bases de todos os ângulos possíveis. Livros como O Assassinato de Roger Ackyroyd, de Christie, e A Morte do Adivinho, de Rudolph Fisher, nos proporcionam a pura satisfação de ver as peças se encaixando perfeitamente, enquanto A Casa Redonda, de Louise Erdrich, e Sobre Meninos e Lobos, de Dennis Lehame, clamam contra a total ineficácia das soluções e da chamada justiça diante do impacto devastador de um crime. Em O Talentoso Ripley, de Patricia Highsmith, o protagonista é o próprio mistério, que pode ser explorado mas nunca por completo solucionado. A História Secreta, de Donna Tartt, e Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson, criam mundos onde nenhuma verdade pode superar a avassaladora sensação do desconhecido. E O Nome da Rosa, de Umberto Eco, faz tudo isso de uma só vez de maneira exuberante, ordenadamente amarrando todas as perguntas de fato enquanto também incendeia perguntas maiores em todas as direções.

árvore de ossos

Descobri (felizmente sem precisar morrer para isso) uma resposta tentadora para o mistério do Mary Celeste. O navio levava um carregamento de barris de álcool; se alguns deles estivessem vazando, os vapores poderiam ter feito a tripulação acreditar que o navio estivesse em perigo de explodir. Então todos foram para o bote salva-vidas, amarrando-o ao navio para que eles pudessem voltar a bordo quando fosse seguro — só que a corda desamarrou e eles se afastaram.

É uma solução plausível; encaixa-se com todos os fatos de maneira limpa e satisfatória. Mas preciso admitir: gostava mais da história antes, quando as possibilidades corriam selvagens.

Artigo publicado originalmente no site da TIME em 3 de outubro de 2023.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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