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Uma ode a Rita Lee, uma das maiores artistas e a maior bruxona da música brasileira

Cantora, compositora e escritora, Rita morreu na terça, aos 75 anos, vítima de um câncer

10/05/2023

Nos últimos dias, muitas e muitas homenagens foram prestadas a Rita Lee Jones de Carvalho, uma das maiores artistas a surgir no Brasil. Merecidíssimo. Em seus 75 anos, Rita viveu muito, e viveu intensamente: foi o ingrediente mágico dos Mutantes, teve uma carreira solo longeva e impactante com hits que dominaram os corações dos brasileiros e viveu um amor de comercial de margarina com o também parceiro musical Roberto de Carvalho, com quem teve Beto, Antônio e João. Rita foi autora não só de músicas, mas também de livros: entre 1986 2019, aventurou-se nas histórias infantis. 

Mulher livre como era — e fazia questão de estimular-nos a sermos também —, tomou as rédeas da própria história até na hora de contá-la, narrando-a em dois volumes da própria biografia. Enalteceu os loucos e os transgressores – e principalmente as loucas, as transgressoras. Nas últimas sete décadas e meia (é muita vida!), Rita encarou a ditadura, foi presa grávida, bateu recorde em músicas censuradas no Brasil. Rita encarou ainda a dependência de álcool e drogas, sobre a qual falava abertamente e sem tabus — como deveria ser sempre —, e também um câncer no pulmão, que a levou na última terça-feira (09/05). 

Agora, me permitam uma pequena digressão: desde que fui convidada para escrever aqui no DarkBlog, fico pensando em textos para sugerir para a Caveira, e confesso que, no caso de Rita Lee, essa ideia veio fácil. Ao abrir a geladeira para pegar água enquanto a Alexa tocava a discografia da cantora em ordem, dei de cara com um ímã. Nele, uma clássica imagem da artista vestida de bruxa, imagem essa que faz parte do imaginário popular. Porque além de cantora, compositora, autora, mulher, mãe, Rita foi uma bruxona.

geladeira rita lee
Foto: Liv Brandão

Isso mesmo, nem toda feiticeira é corcunda (como ela cantou em “Pagu”, com Zélia Duncan), como Rita não era. E Rita foi uma bruxa orgulhosa, escancarada, que não fazia questão nenhuma de se esconder — afinal, quem lidou com a truculência da ditadura militar brasileira não ia se deixar abalar pelo sobrenatural. 

Rita Lee era um bruxa. Seja espiritualmente falando, ou a “bruxa que condenou os mutas (Mutantes) ao ostracismo”, como disse ter ouvido, em sua autobiografia. Os Mutantes, aliás, começaram lá atrás sob o nome de Os Bruxos, veja só. E desde então, colecionadora de bonequinhos de ETs (que aparecem na faixa “Disco Voador”, de 1978), Rita, por muitas vezes enalteceu forças ocultas. Era entendida naquilo que não se consegue entender. 

Rita ficou ainda mais vocal sobre esse assunto depois de certa idade. “O envelhecimento para a mulher é muito louco, a gente fica com poderes, fica mais atenta às sutileza do invisível, do espiritual”, disse, certa feita, ao GNT. Sobre o envelhecimento, disse, em uma entrevista que circulou aos montes essa semana, que há “duas maneiras de envelhecer. Ou você segue o caminho das peruas ou das feiticeiras. As peruas perseguem a fonte da juventude e o grande inimigo delas é o tempo. Já as feiticeiras, o maior aliado delas é o tempo“. 

rita lee
Foto: Guilherme Samora/ Reprodução

Para Rita, com o tempo, vinham as rugas, sim, mas também muito mais sabedoria. “Agora é hora de você ter acesso ao arquivo das feiticeiras e você só tem isso depois dos quarenta.”

Foi quando percebeu que acumulou a sabedoria destilada em canções e mais canções, que fizeram dela a mulher mais bem sucedida da música brasileira, tornando-se uma das favoritas do agora Rei Charles. Em Atrás do Porto Tem Uma Cidade, seu terceiro álbum de estúdio e o primeiro ao lado da banda Tutti Frutti, lançou “Yo No Creo Pero…”, que que cantava, com todas as letras:

Segura a barra
A bruxa está solta
Não dê moleza
Ela pode estar na mesa

O dia inteiro
Até mesmo no banheiro
Ou de pijama
Dormindo na sua cama

Em 1976, também com o Tutti Frutti, lançou o álbum Entradas e Bandeiras. Nele, cantou a canção “Bruxa Amarela”, uma das muitas parcerias de Raul Seixas e Paulo Coelho, que, em termos de esoterismo, dispensam apresentações.

Aprendi a ler no rosto
O que as pessoas não querem me dizer
Aprendi a ler na alma
O que as pessoas não podem me esconder

Duas horas da manhã eu abro a minha janela
E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela
E vou dormir quase em paz!

Um de seus maiores s sucessos foi “Doce Vampiro”, de seu primeiro disco com o marido, Roberto de Carvalho, de 1979. Ali, ela já brindava a morte, outro tema, que para muitos, é o centro do oculto e que bate ainda mais forte quando precisamos nos despedir, coletivamente, de uma pessoa tão grandiosa, artista genial. Mas, para Rita, a morte era uma das “Coisas da Vida”, letra que usou de epígrafe em Rita Lee: Uma Autobiografia (2016).

Depois que eu envelhecer
Ninguém precisa mais me dizer
Como é estranho ser humano
Nessas horas de partida
Ah ah ah, é o fim da picada
Depois da estrada começa
Uma grande avenida no fim da avenida
Existe uma chance, uma sorte, uma nova saída
Qual é a moral?
Qual vai ser o final dessa história?
Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo
Que eu não tenho muito o que perder, por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho

LEIA TAMBÉM: O PODER DAS PALAVRAS NA BRUXARIA

Sobre Liv Brandão

Avatar photoJornalista, criadora de conteúdo e roteirista. Passou por veículos como O Globo e UOL sempre falando de cultura e entretenimento. É especialista em séries de TV, mas também fala de filmes, música, literatura e o que mais vier.

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