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Zac Efron sobre interpretar Ted Bundy: “Queria fazer o filme pelas vítimas”

Ator discute o seu novo papel controverso, interpretando um conhecido assassino em série. “Não é glamourização”, ele diz

14/05/2019

Por Kira Cochrane (The Guardian)

Quando Zac Efron ouviu pela primeira vez sobre a chance de interpretar Ted Bundy, ele ficou desconfiado. Isso aconteceu alguns anos antes do contrato para fazer o filme sobre o assassino em série, que envolvia um roteiro diferente. “Eu não queria pular muito cedo no que poderia ser a versão errada desse filme”, ele disse. “Eu estava hesitando em entrar em um gênero mais sombrio que poderia ser visto como uma forma de tentar mudar minha imagem”. O roteiro do seu novo filme Extremely Wicked, Shockingly, Evil and Vile pareceu, para ele, como a versão certa: “Um filme que poderia ser chato, agora explora uma nova perspectiva, e é contado do ponto de vista de Liz, a garota mais próxima de Ted”, disse.

Desde que estrelou, em 2006, no bem sucedido filme da Disney High School Musical, Efron, aos 31 anos de idade, é considerado um dos galãs de Hollywood. É verdade também que ele se contentou com alguns papéis ruins ao longo de sua carreira, mas ele é um ótimo ator e sua aparência o faz ser escalado como personagens que são líderes como o capitão do time de basquete (High School Musical); a estrela no show de dança (Hairspray – Em Busca da Fama, 2007); o presidente de uma casa de fraternidade (Vizinhos, 2014). Em Vizinhos, quando Seth Rogen o vê pela primeira vez, ele diz: “Oh meu Deus, olha esse cara. Esse é o cara mais sexy que eu já vi. Ele parece ter sido feito por um cara gay em um laboratório”. No filme Baywatch (2017), em que ele interpretou um nadador campeão, ele é descrito como “Um herói americano com a cara de um modelo sueco”. Em Hairspray, o personagem principal, Tracy Turnblad, tem a foto dele em seu armário.

Agora, Zac Efron está interpretando Ted Bundy, um dos misóginos mais violentos da história, que estuprou, assassinou e até decapitou mulheres; em seu julgamento no ano de 1979 na Flórida, a evidência principal era uma mordida funda na nádega de uma mulher. Ele foi condenado naquele julgamento por dois assassinatos e três tentativas de assassinato e, mais tarde naquele mesmo ano, ele recebeu outra sentença de morte por matar Kimberly Leach, de 12 anos. Antes de sua execução em 1989, ele admitiu ter matado 30 mulheres e suspeita-se que o número de suas vítimas passe de 100.

LEIA TAMBÉM: VÍTIMA DE TED BUNDY CONTA COMO ESCAPOU COM VIDA DE ATAQUE

Bundy era considerado atraente entre os assassinos em série – o que, claro, é muito diferente do que ser atraente entre os astros do cinema. Logo no início da divulgação do filme foi insinuado que havia glamourização de Bundy, e fica claro que Efron e (Joe) Berlinger (diretor do filme) estão muito preocupados com essa questão; ao longo da entrevista ao The Guardian, eles falam as palavras “glamuroso”, “glamourizado” e “glamourização” 11 vezes.

Joe Berlinger é um diretor de documentários veterano e ficou anos focado em Bundy, criando também a série documental Conversas com um Assassino: As Gravações de Ted Bundy, dividida em quatro partes que estreou na Netflix em janeiro, no aniversário de 30 anos da execução do assassino. O material é baseado em mais de 100 horas de entrevistas com Bundy no corredor da morte, feito como parte de um projeto pelos jornalistas Stephen Michaud e Hugh Aynesworth. A imagem que aparece no documentário é de um homem vazio e extremamente narcisista. Bundy fala na gravação sobre a possibilidade de direitos do roteiro da história da sua vida serem vendidos, e Michaud disse que, quando ele disse que haveria um livro baseado nas suas conversas, Bundy respondeu: “Eu não me importo com o que você diga, contanto que venda”.

Enquanto o julgamento de Bundy acontecia, ele virou uma grande celebridade. Em Extremely Wicked, Efron como Bundy se destaca em um ponto: “Eu literalmente acabei de autografar o meu cartaz de procurado. Eu sou mais popular que o parque da Disney”, e a fama continuou. À New York Magazine, o antigo advogado de Bundy, John Henry Browne, descreveu que os Estados Unidos estava no meio de uma “Compulsão por Bundy”, já que seu caso era discutido em inúmeros podcasts ao longo dos anos, e o assunto rendeu um especial de duas horas no canal Oxygen chamado Snapped Notorious: Ted Bundy. No mesmo ano, tivemos o documentário Theodore, por Celene Beth Calderon. Haviam vários produtos baseados nele enquanto Bundy estava vivo, e na rede de lojas Etsy você pode comprar uma variedade de camisetas: uma com o rosto dele e o Fusca bege que ele dirigia, com o slogan “Ted Bundy: Uber Original”; outra mostra o rosto dele cercado por corações e a frase “Ted Bundy: Destruidor de Corações”. Fotos de Bundy na cadeia, mandados de prisão e réplicas de suas impressões digitais também são comercializadas. Não há dúvidas de que o assassino teria amado a obsessão atual por ele.

Muito do filme sobre Bundy acontece dentro da corte. Bundy, um ex-aluno de direito, era parte do próprio time de defesa, e Berlinger descreve seu julgamento na Flórida como “O big bang da nossa atual obsessão pelo crime… A suprema corte da Flórida, pela primeira vez, permitiu câmeras dentro da corte, e pela primeira vez os americanos podiam assistir de casa, do conforto de suas cadeiras da sala, assistir um assassino e estuprador em série como entretenimento ao vivo”. O foco obsessivo em Bundy levantou perguntas sobre quem deveria ser o foco de um crime: O criminoso ou a vítima. Mesmo que Extremely Wicked seja feito a partir da história de Liz Kloepfer, interpretada por Lily Collins, uma mulher que tinha um longo relacionamento com Bundy, autora do livro no qual o filme é baseado, o coração da história é o assassino.

Zac Efron como Ted Bundy

Kloepfer aparece apenas na sua relação com Bundy – ela o conhece, se apaixona rápido, se preocupa se ele é culpado dos crimes horríveis dos quais ele é acusado e vai beber. É esperado que nós sejamos atraídos pela sua confusão e dúvida, que vejamos através dos seus olhos, que nos perguntemos sobre o comportamento dele – até para torcer pelo relacionamento, mas não conseguimos. Nós sabemos que ele é Ted Bundy, e, portanto, só conseguimos lamentar o fato dela ter sido enganada. Bundy, por outro lado, é um personagem ativo e central, estudando na escola de direito, viajando, planejando e executando fugas das prisões, se defendendo diante da corte, manipulando Kloepfer, depois uma mulher chamada Carole Ann Boone.

“Nós contamos a história sem violência propositalmente. E isso não é glamourização.”, afirma Efron ao longo da entrevista. Nem Extremely Wicked ou a série documental foca na violência de Bundy.

Pela DarkSide Books, Ted Bundy teve sua história contada por um viés inusitado e ainda mais assustador no livro Ted Bundy: Um Estranho Ao Meu Lado. A autora Ann Rule, ex-colega de trabalho de Bundy em um centro de prevenção ao suicídio, divide uma experiência que ninguém, em sã consciência, gostaria de ter: a proximidade com um serial killer e a descoberta de sua verdadeira face. Rule levou anos para aceitar e assimilar o fato de que o homem que havia causado tanto horror era o mesmo com quem havia passado sozinha os turnos da noite no trabalho.

A ideia por trás do filme é mostrar como Bundy conquistou o mundo; como ele se tornou, repulsivamente, um tipo de herói popular. Considerado bonito, bem educado e de classe média, ele não tinha como ser um assassino aos olhos de muita gente. Ele se tornou tão popular que suas fãs foram até seu julgamento – uma delas fala que ele é um “sonho” no filme. Esse é o motivo de ter Efron no papel, ele passa o carisma e a imagem que permitiu que Bundy fosse real e idolatrado. “O próprio Ted Bundy disse que assassinos não saem de um beco escuro” disse Efron.

“É, assassinos não saem do escuro com dentes pontudos e sangue escorrendo pelos seus queixos, sabia?” diz Berlinger. “Eles são seus irmãos, seus filhos, seus amantes, pessoas com quem você trabalha, pessoas que você admira. O que é mais fascinante sobre Bundy é que ele desafiou todas as expectativas de estereótipos do que se espera de um assassino em série. Sabe, nós queremos acreditar que os assassinos em série são pessoas sombrias, antissociais – e claro que Bundy era tudo isso – mas um cara sombrio e antissocial que não conseguia se adaptar na sociedade, porque eles são fáceis de identificar, portanto você pode evitá-los. Mas o que Bundy nos ensina é o oposto. Bundy era muito bem integrado na sociedade… Eu acho que a maioria das pessoas que estavam indo ao julgamento não conseguiam acreditar que ele era capaz de cometer atos tão horríveis porque ele era um homem branco na nossa sociedade em que brancos são privilegiados”, finaliza o diretor. “Sem mencionar que ele era uma estrela – ele estava na TV e nos noticiários o tempo todo.” completou Efron.

Berlinger conta que suas motivações para a série da Netflix e para o filme estrelado por Efron partiram da ideia de que a nova geração ainda não sabia quem era Ted Bundy e do que ele foi capaz. Ele perguntou para suas filhas se já tinham ouvido falar de Bundy e elas disseram que não. “Eu senti por essa nova geração, cuja as lições de Bundy – a parte de justiça social – não chegariam. Que só porque alguém aparenta e age de uma forma, não significa que mereça sua confiança… Tem várias pessoas por aí que fingem ser uma coisa e não são, e essa é a natureza do mal. O mal não é um monstro de duas dimensões por aí – o mal é uma pessoa tridimensional que faz parte da nossa sociedade”. Efron também falou sobre a sua motivação. Ele disse que descobriu que várias garotas estavam interessadas em crimes, e se perguntou da onde aquela fascinação vinha. “Nós sabemos que Jack, o Estripador existiu” ele disse. “Mas nunca pudemos olhar diretamente nos olhos dele. E nesse filme nós chegamos perto do que é ser seduzido por isso”, afirmou.

Depois que Conversas com o Assassino: As Gravações de Ted Bundy estreou, houve muita discussão no Twitter sobre a aparência de Bundy, fazendo com que a conta oficial do Netflix postasse: “Vi muitas pessoas falando sobre como Ted Bundy é supostamente atraente e gostaria de gentilmente lembrar todo mundo que há literalmente MILHARES de homens atraentes por aí – quase todos eles não são assassinos em série condenados”. Zac Efron espera que o filme seja “uma mensagem de aviso”. “Eu adoraria que qualquer um que assistisse o filme, não só os meus fãs, realmente investisse tempo em pensar em quem acreditam, e pensassem quem eles pensam que é uma pessoa que os deixa seguros”, completou.

A implicação por trás de tudo isso que também se comenta é que as mulheres poderiam ter evitado a violência de Bundy se fossem mais cuidadosas; que elas deveriam ter prestado mais atenção. Ao ser questionado sobre como essa “precaução das mulheres” poderia ter ajudado nos assassinatos da Flórida, em que Bundy atacou as mulheres dormindo, Berlinger respondeu: “Ele estava pior durante os assassinatos na Flórida. Mas todos os assassinatos que cometeu em Seattle dependiam de um artifício de um gesso falso, além da sinceridade que ele exalava, assim ele atraía mulheres para suas mortes, porque ele era sincero, branco e um cara em quem você podia confiar.”

Mas então, como uma mulher vai viver em um mundo se não se pode confiar em ninguém, especialmente se, como é mostrado no filme, a pessoa é carinhosa nos seus relacionamentos pessoais, como Bundy era. “É difícil para um homem também”, afirma Efron, que disse, inclusive, que uma de suas inspirações para compor o personagem de Bundy era uma mulher “psicótica”. “Não é uma coisa de gênero. Essa história que contamos em particular é, mas funciona para ambos os lados”, disse.

“Nós não estamos dizendo para não confiar em ninguém” retomou Berlinger ao longo da entrevista. “mas nós estamos dizendo: mantenha seus olhos abertos”. “Nós estamos muito cientes que não estamos o glamourizando”, completou Efron. “Porque no final do filme, Bundy está sozinho” disse Berlinger “ele teve que admitir a verdade. Nós o vemos carente e patético, prestes a ser executado”.

Prestes a terminar a entrevista, Efron diz: “Eu queria fazer esse filme pelas vítimas”. No final do filme que teve sua exibição na América Latina cancelada pela Netflix (segundo informação do site Observatório do Cinema, do UOL), há uma lista com o nome de todas as vítimas conhecidas de Bundy, antes da cena real do assassino em série na corte. Não poderia haver karma de verdade para Bundy – ele foi executado, sim, mas apenas depois de assassinar inúmeras mulheres que eram cheias de potencial, cujas histórias nunca tiveram uma chance de acontecer ou serem contadas. É perturbador como a nossa cultura ainda esteja olhando nos olhos do assassino, escravizada por um homem brutal e sem valor.

Traduzido e adaptado do site do jornal The Guardian

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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3 Comentários

  • Karoliny Campos

    14 de maio de 2019 às 13:40

    Que matéria interessante. Gostei bastante da entrevista. E em diversos momentos, lembrei de um trecho que li em Um Estranho ao Meu Lado, a Ann disse: “Como os atos sombrios de outros assassinos acolhidos pela cultura popular, os detalhes horríveis de sua perseguição obssessiva foram ficando indistintos com o tempo, e o sagaz “Ted vigarista” é tudo o que as pessoas registram. Isso é lamentável, porque jovens mulheres precisam estar cientes de que Ted Bundy não era um homem singular. Seus equivalentes existem e são perigosos.”
    Manter os olhos abertos é sempre um bom conselho, é um alerta válido, talvez por isso tantas pessoas sejam tão curiosas a respeito do Bundy, ele manteve uma fachada impecável de “bom moço” por muito tempo. Quantos não fizeram ou fazem o mesmo por aí?
    No mais, eu estou muito curiosa pra assistir esse filme, nem nego. Hehe.
    Parabéns a quem traduziu e postou a entrevista, ficou ótima! 🙂

  • MarioSagaz

    18 de maio de 2019 às 08:43

    Ted Bundy foi o primeiro psicopata clínico a ser percebido nos eua como serial killer. A grande maioria das pessoas atribui um significado errôneo ao termo psicopata. Na verdade, eles nascem com problemas de atividades no cérebro, em partes que processam a consciência, são atados ao presente, buscam estimulação constante, têm um charme e um carisma acima da média, possuem empatia zero e portanto são 100% egocêntricos e racionais. O que eles fazem é criar uma imagem da virtude, melhor que a própria virtude. A minoria é assassina…sei dessas coisas porque namorei com uma…e tive que aprender…todo psicopata é histriônico (gosta de aparecer) e narcisista…a pergunta não é se você vai se deparar com um, mas quando?

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