Hoje em dia os leitores já estão acostumados a uma ampla gama de temas em obras literárias. As personagens estão cada vez mais multifacetadas e densas, as tramas abordam problemas que antes eram considerados tabus e os finais estão cada vez mais surpreendentes. Muito disso se deve a Emily Brontë e sua obra-prima O Morro dos Ventos Uivantes, publicado pela DarkSide® Books.
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A maioria das histórias narradas até a Era Vitoriana trabalhavam conceitos bem distintos de bem e mal, de personagens que eram claramente vilões ou mocinhos e de famílias nucleares como alicerces sólidos. Muitos destes valores eram trabalhados desta forma principalmente pela forte influência religiosa. Porém, foi através de escritores como a própria Emily Brontë que estas normas foram questionadas e as narrativas se tornaram cada vez mais realistas.
O curioso é que, quando foi publicado, O Morro dos Ventos Uivantes recebeu duras críticas justamente pelas transgressões que o tornam tão grandioso e relevante até os dias de hoje. Confira a seguir algumas das principais influências da obra na literatura:
No contexto da época, mulheres tinham um papel muito restrito na sociedade: casar, ter filhos, cuidar da família e obedecer seus maridos. Era esperado que elas fossem doces, submissas e um exemplo de virtude. A Catherine de O Morro dos Ventos Uivantes até podia aspirar ao casamento, mas ela possui um espírito que é ao mesmo tempo rebelde e ambicioso, influenciando muitas personagens feministas que surgiram a seguir. Sua natureza selvagem influenciou artistas como Sylvia Plath até Kate Bush, que renderam homenagens à destemida Catherine.
Apesar das adaptações para o cinema terem pesado a mão no romantismo da personagem, a Catherine de Emily Brontë possui atributos muito mais rudimentares, quase animalescos, principalmente na violenta dinâmica com Heathcliff. Ela está longe de ser uma menina mimada que pretende ser uma esposa dedicada, suas ações são justificadas por sua ambição e senso de aventura.
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Até os dias de hoje ainda há uma ideia muito idealizada de famílias nucleares. Difunde-se a noção de que elas sejam todas uma fonte de amor incondicional e apoio para aqueles que fazem parte dela. Claro, até existem famílias próximas a isso, mas até a Era Vitoriana ninguém falava muito das famílias imperfeitas.
Emily Brontë apresentou em O Morro dos Ventos Uivantes uma dinâmica familiar tóxica, com direito a abuso infantil, negligência com os filhos e os efeitos do alcoolismo nestas famílias. Por exemplo, o patriarca dos Earnshaw negligencia o próprio filho e indiretamente cultiva um sentimento de disputa entre Hindley e Heathcliff. Quando o herdeiro se torna proprietário da casa, ele sujeita o irmão adotivo a uma série de humilhações. Catherine, neste cenário, parece mais interessada no casamento como uma forma de escapar da claustrofobia do local do que por um sentimento honesto por seu pretendente.
Estas representações sem pudores de famílias que não fazem bem aos seus membros influenciou fortemente a literatura do século 20. Alguns exemplos bem conhecidos são a peça de Edward Albee Quem tem medo de Virginia Woolf e o livro Dublinenses, de James Joyce.
Diferentemente do amor shakespeariano de Romeu e Julieta, que também tinham um romance amaldiçoado, porém desfrutavam das virtudes do amor jovem e inocente, Catherine e Heathcliff tinham sua relação mantida por uma doente obsessão um com o outro. Não dá pra considerar romântico ou erótico, a palavra que melhor define a dinâmica dos dois talvez seja “doentia”.
Há uma obstinação de um personagem querer se tornar o outro e de se agarrarem às lembranças da infância – algo que nunca poderão resgatar. Há muito conflito e violência entre os dois. Cada um dá seus passos com a intenção de atingir o outro – e não de uma forma positiva.
É quase como se Catherine e Heathcliff não quisessem necessariamente estar juntos, mas um queria se tornar o outro. As personagens têm como missão atingir a alma um do outro.
Além do casal, várias outras personagens passam por alguma espécie de sofrimento, como inveja, ciúme, rejeição e morte. Cada um destes eventos vai enfraquecendo suas virtudes, conduzindo-os a missões de vingança e destruição – em especial Heathcliff. O que tornava O Morro dos Ventos Uivantes tão diferente na época do seu lançamento é justamente abordar estes tons intermediários das personalidades das personagens: ninguém ali é completamente virtuoso ou pecaminoso e, à medida em que as páginas passam, parece que cada uma delas se torna pior progressivamente.
O que permite revelar estas camadas “imperfeitas” das personagens é justamente a forma com que Brontë mergulha em seus pontos de vista. Em O Morro dos Ventos Uivantes não há um narrador onipresente e imparcial que apenas narra os fatos: são as próprias personagens que fazem isso. Ou seja, tratam-se de narradores cujas intenções podem ser questionadas.
A autora nunca pausava a história para explicar o que estava acontecendo, o leitor depende apenas do que as personagens estão testemunhando. Isso foi uma forte influência na obra de Virginia Woolf, que escrevia o que suas personagens estavam pensando.
Enquanto muitas histórias gostam de passar uma espécie de ensinamento ou moral em suas conclusões, O Morro dos Ventos Uivantes não faz isso. Tampouco entrega um final feliz ao leitor.
O que sustenta a narrativa de Emily Brontë é a corrosão do amor e as disputas que existem dentro das próprias famílias. Apesar da vastidão dos campos ingleses, a história é claustrofóbica, tanto pela opressiva casa do Morro dos Ventos Uivantes como pela sufocante disputa entre as personagens. Ninguém precisou responder pelos seus atos e ninguém aprendeu com seus erros, muito pelo contrário, o que se vê é uma bola de neve de orgulho e ganância que não levam Heathcliff a lugar algum. Em O Morro dos Ventos Uivantes é mais fácil acreditar em fantasmas do que assumir seus erros e fazer as pazes consigo mesmo.
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2 Comentários
Luciana
15 de janeiro de 2021 às 15:36
Luciana
15 de janeiro de 2021 às 15:36
Perfeito !
Van Spala
21 de maio de 2021 às 21:01
Van Spala
21 de maio de 2021 às 21:01
Esse livro é de uma singularidade que vc só vai entender quando o ler. Um clássico obrigatório para os amantes de uma boa leitura!