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8 Filmes que não parecem terror, mas são puro terror

O medo além de monstros, assombrações e jump scares

23/04/2024

“Esse filme não é de terror.” Quantas vezes você já escutou essa frase após indicar um filme para alguém? Calma, posso te garantir que você não está sozinho nessa. Esse tipo de argumentação é muito mais comum do que se imagina, levantando acalorados debates na internet. E olha que praticamente nenhum filme escapa, viu? Dos mais recentes Não Fale o Mal e Hereditário até clássicos como Tubarão já foram em algum momento “denunciados” como não pertencentes ao gênero. Em outros casos, há aquela boa e velha “não é terror, é suspense”, como já aconteceu com O Silêncio dos Inocentes e Corra! (se esses dois filmes não são terror, eu não sei mais o que é). 

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Pensando bem, isso vai muito além de categorizar se determinado filme é terror ou não. O que entra em jogo é o que é terror para você e o que compõe um gênero cinematográfico. Para começo de conversa, vale sempre refletir sobre a questão da subjetividade do cinema, já que o que te assusta pode não assustar outra pessoa. Alguém com fobia de aranhas, por exemplo, pode encarar o clássico dos anos 1990 Aracnofobia como o filme de terror mais assustador já feito. Isso significa que quem somos e como nos identificamos influencia muito na forma como recebemos determinada história. 

Há também o fato de que o terror é um gênero bastante flexível que dialoga com outros estilos, como o drama, a comédia, a ficção científica e o suspense. Os teóricos sempre apontam que gêneros cinematográficos como um todo são convenções, ou seja, classificações para unir obras a partir de algum tipo de semelhança (estética, temática, estilística e até mesmo de público). Essas categorias são entendidas de forma comercial e industrial para formar expectativas, ajudando a produzir, vender e receber o filme. 

corra

Isso quer dizer que essencialmente gêneros não são puros e nem tão definidos quanto achamos que eles são. O terror é muito mais dinâmico e multifacetado, marcado por subgêneros, tradições nacionais e, para nossa sorte, uma bela mistura com outros estilos. Veja só: o terror é tão vivo (ou morto, dependendo da licença poética) que o rótulo filme de terror pode ser aplicado a filmes que em sua época de produção nem eram considerados como tais! Enquanto isso, outros que no seu lançamento foram vendidos como terror podem até perder esse rótulo com o tempo. 

Mas chega desse papo teórico. Que tal colocar em prática o que acabamos de conversar? Pensando nesse debate, separei alguns filmes que não parecem terror, mas são (pelo menos para mim). 

1. Parasita (2019)

Parasita é um filme sul-coreano de 2019 dirigido por Bong Joon-ho. O enredo gira em torno da família Kim, que vive em condições insalubres e luta para se manter todo mês. Sem perspectiva de um futuro melhor, seus membros planejam um engenhoso esquema para se infiltrar na casa e na vida da rica família Park, criando uma relação simbiótica entre os dois clãs. No entanto, um incidente inesperado coloca tudo a perder. 

parasita

Parasita é frequentemente categorizado como drama ou suspense, mas basta olhar com atenção para ver que se trata de uma belíssima obra de terror. Abordando temas como ganância, discriminação de classe e desigualdade social, o filme alterna entre diferentes gêneros. Em alguns momentos você vai rir e em outros vai encarar a televisão em estado de completo choque e desconforto. Exatamente como um bom filme de terror faz. Prepare-se para cenas de violência e sangue, além de momentos aterrorizantes como quando descobrimos um par de olhos fitando a câmera diretamente das escadas que levam ao porão. 

2. A Pele que Habito (2011)

Dirigido pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar, A Pele que Habito é descrito por seu próprio realizador como uma “história de terror sem gritos ou sustos”. Com uma atmosfera enervante e cenas igualmente desconfortáveis, o longa conta a história da relação entre Robert Ledgard, um brilhante cirurgião que cria uma pele sintética altamente resistente, e Vera, a mulher mantida em cativeiro em sua casa e objeto de suas experimentações médicas. 

a pele que habito
Blue Haze Entertainment/Reprodução

Como se não bastasse o enredo perturbador, A Pele que Habito traz o desconforto do horror corporal misturado ao típico melodrama espanhol. Além disso, algumas das inspirações mais visíveis da produção são justamente obras de terror, como o clássico Frankenstein e o filme francês Os Olhos sem Rosto.

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3. Piquenique na Montanha Misteriosa

Pessoalmente um dos meus favoritos dessa lista, Piquenique na Montanha Misteriosa é um dos primeiros filmes dirigidos por Peter Weir, cineasta de A Sociedade dos Poetas Mortos e O Show de Truman. Inspirada no livro homônimo de Joan Lindsay, a produção utiliza a vastidão do cenário australiano para criar uma história para lá de sinistra.

piquenique na montanha misteriosa

Ambientado no Dia dos Namorados no começo do século XX, Piquenique na Montanha Misteriosa conta a história de um grupo de alunas de uma escola particular que misteriosamente desaparece durante um piquenique em Hanging Rock. Flertando com o horror cósmico, o filme se afasta radicalmente da estética de terror que estamos acostumados, criando um clima de desconforto a partir de transições oníricas, cores amareladas, estética vitoriana e música assustadora. 

4. Atração Fatal (1987)

Muitas vezes descrito como “suspense psicológico”, Atração Fatal é um filme dirigido por Adrian Lyne e protagonizado por Michael Douglas e Glenn Close. Após conhecer Alex, uma brilhante executiva, Dan embarca em um caso extraconjugal durante a ausência da esposa e da filha. Contudo, as coisas tomam um rumo sinistro quando a relação acaba e a amante começa a persegui-lo, pondo em risco sua segurança e a de sua família. 

atração fatal

Sabe por que Atração Fatal é um filme de terror? Pela atuação de Glenn Close. A atriz está tão perturbadora com Alex que assusta mais do que muitos assassinos mascarados por aí. De perseguir o ex-amante e derrubar ácido em seu carro, ela tem atitudes que só encontramos em filmes de terror, como cozinhar o coelho de estimação da filha de Dan. 

5. O Fantasma da Ópera (1925)

Estrelado por Lon Chaney, O Fantasma da Ópera acompanha um atormentado compositor mascarado que assombra a Ópera de Paris causando assassinatos e caos em uma tentativa de privilegiar sua protegida, a jovem cantora Christine Daaé. 

fantasma da ópera

O Fantasma da Ópera é um bom exemplo de como a identificação de um filme pode mudar com o tempo. Quando foi lançado em 1925, o termo “filme de terror” nem existia ainda! Embora estrelas como Lon Chaney e outros filmes mudos sejam hoje considerados figuras importantes do terror audiovisual, na época de seu lançamento muitos eram recebidos como melodramas. Ainda assim, O Fantasma da Ópera causou medo e horror na plateia. Sabe a famosa cena em que o personagem é desmascarado? Ela é considerada até hoje uma das mais assustadoras da história, causando desmaios e gritos nas salas de cinema. 

6. O Silêncio do Lago (1988)

Rex e Saskia são um jovem casal aproveitando as férias na França. Quando param em um posto de gasolina, Saskia desaparece sem deixar vestígios. Três anos depois, Rex continua obcecado em encontrá-la, até que um misterioso homem entra em contato afirmando saber o que aconteceu naquele fatídico dia. Essa é a premissa de O Silêncio do Lago, filme holandês dirigido por George Sluizer, que ganhou uma refilmagem americana em 1993. 

o silêncio do lago

O Silêncio do Lago é um filme de terror não convencional, que revela suas cartas logo no início. Contudo, isso não impede que entregue um final chocante e brutal que mais parece um soco no estômago. Vai dizer que isso não parece um filme de terror para você?

7. Raw (2016)

Se tem algo que a diretora Julia Ducournau sabe fazer bem é misturar terror com outros gêneros, tanto que fez isso logo em seu primeiro longa metragem: Raw. O filme segue Justine, uma caloura no curso de veterinária. Seguindo uma dieta vegetariana, ela é obrigada a comer carne crua durante o trote da universidade. No entanto, a “brincadeira” desencadeia uma transformação na protagonista, que desenvolve um desejo insaciável por carne humana.

Raw
Divulgação / © 2016 Focus World

Raw alterna entre uma história de amadurecimento e uma história de terror sobre desejos reprimidos, entregando um drama realista sobre juventude junto com cenas perturbadoras de violência gráfica. De forma não convencional, o filme faz o espectador entender e até sentir compaixão por Justine, utilizando o canibalismo e o horror corporal para explorar temas como amadurecimento, identidade e família. 

8. Dente Canino, O Sacrifício do Cervo Sagrado ou qualquer filme de Yorgos Lanthimos

O cineasta grego Yorgos Lanthimos é especialista em criar filmes de terror que não parecem filmes de terror. Vamos tomar dois exemplos: Dente Canino, produção de 2009 em que três irmãos adultos são mantidos em um estado de infância perpétuo, vivendo um isolamento forçado pelos próprios pais, e O Sacrifício do Cervo Sagrado de 2017, no qual um cirurgião cardíaco acolhe um adolescente conectado ao seu passado e coisas horríveis, como o misterioso adoecimento de seus filhos, começam a acontecer.

o sacrifício do cervo sagrado

Embora sejam categorizados como “drama psicológico” e “suspense psicológico”, respectivamente, ambos os filmes mostram como Lanthimos consegue se infiltrar no horror com histórias sinistras. É visível a relação que o cineasta grego tem com horror corporal, trazendo cenas desconfortáveis e chocantes de violência onde o corpo se mostra vulnerável, estranho e visceral.  

O que é terror para você?

Infelizmente o tempo é curto e precisamos finalizar por aqui. Existem vários outros filmes que poderiam participar dessa lista: Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, Os Pássaros, Alien: O Oitavo Passageiro, Godzilla e até mesmo a produção mais recente de David Cronenberg, Crimes do Futuro, e o último longa de Jordan Peele, Não! Não Olhe!.

nope

Não sei quanto a você, mas todas essas produções definitivamente pertencem ao gênero de terror para mim. Mas o mais importante nessa discussão toda é justamente enxergar o terror como um gênero extremamente plural, que se encontra em constante transformação. Afinal, vale lembrar: o que me assusta não necessariamente assusta outra pessoa. 

Assim como os espectadores, filmes são diversos e provocam os mais diferentes tipos de sentimentos. Então, fica aqui a provocação: o que diabos é terror para você? 

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Sobre Gabriela Müller Larocca

Avatar photoHistoriadora e pesquisadora de cinema de horror há mais de dez anos, enfatizando a representação feminina no audiovisual e o uso do horror como fonte histórica. Produtora de conteúdo e aspirante a garota final. Nunca nega um livro da Caveirinha nem um bom filme de horror. Fala bastante e reclama muito no RdMCast.

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