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O que são fadas changelings no folclore irlandês

Crença foi apontada como causa da morte de Bridget Cleary

03/10/2024

Quando falamos em fadas, o primeiro pensamento que surge é de seres encantados, agradáveis, que vivem nas florestas e ajudam os humanos. A imagem positiva foi reforçada principalmente em contos de fadas, com personagens como a Sininho do Peter Pan ou a Fada Madrinha da Cinderela.

Mas querer resumir as fadas aos estereótipos é deixar de conhecer um universo feérico rico e diverso, com exemplos bem distintos encontrados em diferentes partes do mundo. Essa variedade é um dos temas de História Natural das Fadas, elaborado por Emily Hawkins e ilustrado por Jessica Roux. A obra abrange as diferentes espécies de fadas, seus habitats variados e suas características únicas, como camuflagem e ciclo de vida.

Um dos países onde as lendas em torno das fadas é particularmente forte é a Irlanda. Só que para os irlandeses esses seres nem sempre são benevolentes e companheiros dos humanos. Um exemplo é o das changelings, uma espécie de fada que antigamente era associada principalmente ao adoecimento de crianças.

O que é uma fada changeling?

No folclore irlandês, acreditava-se que um changeling era uma criança que foi substituída por uma criatura sobrenatural, como um duende ou uma fada. A crença era de que esses seres mágicos roubavam bebês humanos e deixavam um desses seres em seu lugar.

Os changelings eram frequentemente descritos como crianças doentes, fracas ou de comportamento estranho, o que levava as pessoas a acreditarem que ela tinha sido trocada por uma entidade maligna — por isso o nome changeling, que significa troca.

De acordo com uma publicação do Irish Post, a criança era levada por três motivos: virar serva, para que as fadas recebessem o amor de uma criança humana ou por pura maldade ou vingança. Muitas vezes a troca era feita com uma fada mais velha, para que ela pudesse passar o resto da sua vida no conforto dos cuidados humanos ou para que pudesse morrer. Na maioria das vezes a criança mais bela era levada, porque as fadas admiravam essa qualidade.

Mas as crianças não eram as únicas vítimas das fadas changelings, mulheres jovens e em algumas ocasiões homens também poderiam ser levados e substituídos por elas. Foi essa crença que levou ao assassinato de Bridget Cleary, um caso real que ocorreu no final do século XIX e é relatado em detalhes no livro A Fogueira da Bruxa, lançamento Crime Scene.

A crença nos changelings era uma maneira de explicar doenças ou problemas de desenvolvimento que não eram bem compreendidos na época. Bridget Cleary era entendida dessa forma em sua vida: apesar de morar no interior da Irlanda, ela era estudada, bem-sucedida profissionalmente e financeiramente e, mesmo casada, não tinha filhos.

Quando foi acometida por uma grave infecção respiratória, difundiu-se a teoria de que ela teria sido trocada por uma fada changeling. O tratamento envolvia deixá-la bem próxima ao fogo, porque isso “espantaria a fada e devolveria Bridget para casa”. No fim das contas, Bridget foi queimada viva e enterrada pelo próprio marido. A alegação da crença em fadas foi amplamente discutida no julgamento dos envolvidos com sua morte.

Fadas changelings de acordo com os Irmãos Grimm

Em 1580, perto de Breslau, na Alemanha, havia um nobre que, a cada verão, mandava que seus vassalos fizessem a colheita do seu vasto campo de feno. Ninguém era poupado do serviço, nem mesmo uma mãe que havia dado à luz na semana anterior. Sem escolha, ela levou o recém-nascido para a colheita, deixando o bebê em um pequeno pedaço de grama.

Quando voltou para amamentar a criança, o bebê começou a gritar de uma maneira inumana, e mordeu sua mama com tanta força que a mulher chorou de dor. Aquilo não se parecia nada com seu filho, mas mesmo assim ela voltou para casa e cuidou da criança por vários dias, tolerando seu comportamento maligno até não aguentar mais.

A mãe pediu ajuda ao nobre, e ele lhe aconselhou: “Mulher, se você acha que esse não é o seu filho, leve-o para o campo onde você havia deixado a criança anterior e açoite-o com uma chibata o mais forte que puder. Você irá testemunhar um milagre”. Foi isso o que ela fez, até que a criança gritasse. Foi nesse momento que o Diabo apareceu diante dela, segurando a criança roubada, e devolvendo-a em seguida.

Embora essa versão de changeling traga o Diabo no lugar de uma fada, ainda representa a dinâmica da maioria das crenças nesses seres. Os Irmãos Grimm também tratavam essa história como uma lenda e não um conto de fadas, que costuma ter um caráter mais poético.

A trágica realidade por trás da crença em changelings

Assim como no caso de Bridget Cleary, muitas vezes a lenda em torno de fadas malignas funcionava mais como uma desculpa para maus-tratos e até mesmo infanticídio. Quando uma criança era acusada de ter sido trocada, a solução muitas vezes envolvia espancamentos e até mesmo ser lançada ao fogo.

O motivo por trás de tanta crueldade com crianças está relacionado ao fato de que as famílias de camponeses da Europa pré-industrial — sim, a crença não era exclusiva dos irlandeses — precisavam que cada membro da família produzisse. Nesse contexto, crianças fisicamente incapazes, doentes ou que exigissem qualquer tipo de atenção especial eram vistas como um fardo.

O fato de esses relatos serem tão comuns indica que os pais dessas pobres crianças viam a existência delas como uma ameaça ao sustento da família. A quantidade de lendas em torno dos changelings mostra que infanticídio era uma prática tragicamente comum naqueles tempos.