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Caveira Viu: Herege

Até você vai questionar suas crenças

26/11/2024

Não é de hoje que filmes de horror utilizam a temática da religião como fio condutor para seus enredos. Na verdade, em muitos casos, a religião é muito mais do que uma temática e surge tal qual um personagem dentro desses filmes, guiando a narrativa e estabelecendo uma visão de mundo coerente para aquele universo.

LEIA TAMBÉM: Por que terror e religião costumam andar juntos?

Em filmes de possessão, por exemplo, como O Exorcista e O Exorcismo de Emily Rose, a batalha entre o Bem e o Mal é retratada sob um prisma católico, que guia as imagética dos longas, enquanto em clássicos do folk horror, como O Homem de Palha e Midsommar, temos as chamadas “religiões pagãs” atuando como as personagens principais de conflitos e plot twists. 

Herege, o novo filme da dupla Scott Beck e Bryan Woods, até poderia seguir esse mesmo caminho, optando por alguma religião para ser seu fio condutor. No entanto, o longa protagonizado por Hugh Grant se destaca ao optar por um território pouco percorrido por filmes de horror, inserindo em sua lente de análise não apenas uma única religião, mas sim a própria essência de um enorme sistema sociocultural de crenças e cosmovisões

herege

Recém-chegado aos cinemas brasileiros, Herege traz Grant, ao lado de Sophie Thatcher, conhecida pelos DarkSiders por Boogeyman e Yellowjackets, e Chloe East, em um horror psicológico e teológico extremamente inteligente e angustiante. A Caveira já assistiu ao filme e tem um veredito para você.

Questione tudo, absolutamente tudo

Distribuído pela A24, o enredo de Herege é bastante simples, mas de forma alguma previsível. O filme acompanha duas jovens missionárias mórmons, a Irmã Barnes (Thatcher) e a Irmã Paxton (East), em sua jornada para propagar a palavra de sua igreja e visitar residências com conversões em potencial. Isso rapidamente as leva até a porta do Sr. Reed (Grant), um homem simpático que não apenas demonstra interesse no que elas têm a dizer, como também familiaridade com o Mormonismo.

Longe do restante mundo e com uma tempestade torrencial caindo lá fora, Reed convida a dupla para entrar, prometendo uma bela torta caseira de mirtilo, uma engajante conversa teológica e a presença segura de sua esposa. Desconhecendo as verdadeiras intenções do homem, as meninas entram na residência, sem saber que estão pondo os pés em um jogo perturbador que vai desafiar sua fé e testar tudo aquilo em que acreditam. 

HEREGE

Desde o início, Herege mostra que confia sua execução na atuação de seus protagonistas. O elenco reduzido e o ambiente limitado fornecem espaço para que o trio brilhe em um jogo de gato e rato permeado por temáticas acerca da vida, da fé e da crença. Hugh Grant, conhecido por seus papeis românticos, entrega um vilão charmoso e cativante, mas extremamente cruel, que se delicia em perturbar suas vítimas em um jogo de marionetes doentio. Enquanto o Sr. Reed, Grant é o responsável por esmiuçar a trama para o público, entregando monólogos sobre teologia, que são preenchidos por exemplos de cultura pop que se estendem desde Monopoly até Radiohead. 

Verdade seja dita, talvez os monólogos e metáforas sobre religião oferecidos pelo personagem de Grant possam soar rasos e óbvios para uma parte do público. No entanto, eles ainda são extremamente eficazes para conduzir a temática principal de Herege, que acerta em cheio ao se estabelecer em torno de conceitos antagônicos como crença/descrença; bem/mal; original/cópia; fé verdadeira/fé falsa; controle/liberdade.

Aqui, reside o maior acerto do filme, que não busca oferecer respostas para perguntas teológicas complexas, muito menos condenar ou vilanizar a crença ou a descrença. Embora possa parecer à primeira vista, Herege não é um filme antirreligião ou que ridiculariza a crença que os indivíduos carregam consigo. No final das contas, o que o roteiro de Scott Beck e Bryan Woods realça é justamente a importância do questionamento e até mesmo da tolerância em seus mais diferentes aspectos. 

herege

Em oposição ao Sr. Reed de Grant, Thatcher e East brilham como as Irmãs Barnes e Paxton, mostrando-se oponentes à altura para o vilão. Enquanto Thatcher se estabelece como uma presença forte desde os momentos iniciais, dando vida à confiante irmã Barnes, East cresce ao longo do filme com a tímida Irmã Paxton. A dupla não apenas desperta o interesse do público, com seu carisma e presença de tela, como oferece o contraponto essencial para que o roteiro não seja recebido como um simples discurso antirreligião. Ao serem testadas em suas crenças e fé, atraídas para o mundo de escuridão de Reed, as duas missionárias oferecem movimentos precisos em uma batalha de inteligência e questionamento. 

Aliado a tudo isso, Herege também acerta em sua ambientação reduzida. A aconchegante residência do Sr. Reed se revela como uma verdadeira casa dos horrores, transmitindo ao público a claustrofobia e o terror, sentidos pelas duas missionárias presas no local. O ambiente reduzido também dá protagonismo aos diálogos e aos movimentos feitos pelos personagens nesse jogo maligno. Embora não enverede para o lado sobrenatural, como é comum em filmes de possessão, por exemplo, o design de produção do filme acerta mais uma vez ao decorar a casa de Reed com os mais diferentes itens e símbolos religiosos, que ajudam a construir cenários sombrios e assustadores.

herege

Embora se estenda um pouco mais do que o necessário em seu segundo ato e traga observações que possam parecer superficiais, Herege é um filme envolvente e angustiante que, ao não oferecer grandes respostas, força seu espectador a questionar não apenas o que foi visto nas telas, mas também suas próprias crenças e atitudes.

Focado nos diálogos, nos duelos verbais e na ambientação, talvez Herege não agrade o público ávido por sustos e jump scares. Contudo, isso não quer dizer que o filme não ofereça uma experiência de horror. Depositando ampla confiança em seu trio principal, o longa de Beck e Woods, ainda se destaca por mostrar a naturalidade de Hugh Grant no mundo do terror, de forma que terminamos a sessão já ansiosos para vê-lo em mais produções do gênero. 

LEIA TAMBÉM: O Exorcista do Papa embarca em mais uma onda de obras sobre possessão demoníaca

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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