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Caveira Viu: Lisa Frankenstein

A união do colorido e do mórbido em uma homenagem ao cinema dos anos 1980

04/04/2024

Quando Mary Shelley escreveu Frankenstein no fatídico ano de 1816, conhecido também como o “o ano sem verão”, a jovem de 18 anos provavelmente não tinha ideia da dimensão do que estava criando. Sua criatura tornou-se uma das obras inaugurais da literatura de horror e abriu as portas para que diversas outras narrativas aterrorizassem nossas mentes. Da primeira adaptação cinematográfica em 1910, passando pela performance clássica de Boris Karloff até versões mais recentes no cinema e na televisão, Mary Shelley e seu Monstro há muito vêm inspirando criadores e criaturas a contarem suas próprias histórias sobre vida e morte. 

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Um dos exemplos mais recentes é Lisa Frankenstein, um coming of age raivoso que aborda as angústias adolescentes ao mesmo tempo em que celebra todos os esquisitos e desajustados que existem por aí. Escrito por Diablo Cody, roteirista de Garota Infernal, e dirigido pela estreante Zelda Williams, Lisa Frankenstein traz pitadas de horror em uma comédia romântica que captura a essência do cinema dos anos 1980. Entre raios que caem do céu e cadáveres que voltam à vida, a Caveira teve a oportunidade de conferir o novo filme protagonizado por Kathryn Newton e Cole Sprouse e vai te contar tudo que achou da nova empreitada de Diablo Cody no cinema.

Desenterrando um alguém muito especial

O ano é 1989. Como a maioria dos adolescentes de sua idade, Lisa Swallows tenta sobreviver ao ensino médio enquanto se ajusta à sua nova vida agora que o pai se casou novamente. Com o novo casamento, Lisa não apenas teve que mudar de cidade e escola, como também ganhou uma nova irmã, a popular líder de torcida, Taffy. Se isso seria o fim do mundo para a grande maioria dos adolescentes, para Lisa a situação é ainda pior, já que a jovem precisa lidar com o trauma de ter presenciado o assassinato brutal da mãe

lisa frankenstein

Fugindo de qualquer interação humana, Lisa cria o hábito de frequentar o antigo cemitério local, onde dá atenção especial ao túmulo de um jovem morto em 1837. Lá, ela confessa suas angústias juvenis e o desejo de se juntar ao cadáver enterrado há tantos anos. Por sorte ou azar, durante uma noite tempestuosa um raio misterioso acerta em cheio a lápide e traz seu morador de volta à vida, o qual aos trancos e barrancos vai direto à porta de Lisa.  

Embora tenha inspiração temática na obra de Mary Shelley, Lisa Frankenstein vai muito além. Ao abraçar a estética vibrante e o caótico mundo dos anos 1980, onde tudo pode acontecer, o filme se torna uma grande carta de amor ao cinema da década. Diablo Cody usa longas como Atração Mortal (1988), A Garota de Rosa-Shocking (1986), Gatinhas e Gatões (1984) e Os Fantasmas se Divertem (1988) para construir um universo equilibrado entre o colorido e o mórbido, injetando pelo caminho doses de empoderamento e amadurecimento feminino. 

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O próprio nome da personagem principal é uma homenagem ao clássico Mulher Nota 1000 (1985) do diretor John Hughes, no qual dois adolescentes fracassados tentam criar a mulher dos sonhos, nomeada posteriormente de Lisa. É claro que as referências não ficam limitadas aos anos 1980. Ao longo do filme, Cody e Williams fazem acenos a inúmeros outros clássicos como The Rocky Horror Picture Show (1975), A Múmia (1932), O Monstro da Lagoa Negra (1954) e Viagem à Lua (1902), além de incorporarem uma estética típica do cinema de Tim Burton. Mas engana-se quem acha que isso revela falta de criatividade por parte das realizadoras de Lisa Frankenstein. Pelo contrário. As referências e homenagens dão ritmo à história excêntrica da protagonista e seu improvável par romântico, o qual fica conhecido apenas como A Criatura

lisa frankenstein

Mesmo com tantas referências ao mundo do terror, Lisa Frankenstein preza mais pela comédia e pelo absurdo do que pelo gênero que tanto amamos. Isso talvez desaponte os fãs que esperam cenas sangrentas e assustadoras. Não que o filme não possua assassinatos e membros decepados — acredite, ele possui! — mas, sim, porque seu objetivo é outro. Lisa Frankenstein não almeja assustar ou enojar o público. Seu ponto é explorar freneticamente a montanha-russa que chamamos de adolescência, abraçando completamente o seu caos.  

É aqui que o filme faz sua grande escolha. O roteiro de Cody revela estar muito mais preocupado com seus personagens e suas jornadas do que em entregar uma narrativa organizada e coerente. Isso faz com que determinados eventos realmente pareçam apressados ou até mesmo desconexos, o que pode causar certo estranhamento. No entanto, é nessa falha que o filme também adquire sua força, entregando personagens interessantes que são potencializados pelo elenco impecável. Kathryn Newton é o grande raio energizador de Lisa Frankenstein, enquanto Cole Sprouse dá vida a um cadáver vibrante e cheio de personalidade. Ao abraçar o tom ácido do roteiro, Newton e Sprouse entregam uma encantadora dupla de párias, uma versão gótica e oitentista de Bonnie e Clyde. O relacionamento não é para ser levado a sério nem aprofundado, mas isso não o torna menos sincero. 

lisa frankenstein

Enquanto os adultos de Lisa Frankenstein personificam estereótipos comuns de produções dos anos 1980, como o pai ausente e a madrasta manipuladora (muito bem interpretada por Carla Gugino), são os jovens que ficam encarregados de quebrar as expectativas do público. Além de Lisa, o mérito também vai para Taffy, interpretada por Liza Soberano, que mostra estar longe de ser a típica garota popular que já vimos em tantos outros filmes. 

Eu não tenho mais medo da morte

Lisa Frankenstein é em essência uma celebração às esquisitices da adolescência. Contudo, mesmo abraçando perfeitamente seu mundo absurdo e peculiar, o filme também encontra espaço para abordar temas sérios. Através das partes de corpos costuradas na Criatura e de seu relacionamento com Lisa, o roteiro de Diablo Cody fala sobre confiança, amadurecimento e identidade. Ainda mais importante, Lisa Frankenstein também aborda a inevitabilidade da morte e a difícil tarefa de superá-la, tecendo um comentário sensível sobre como podemos ser consumidos pelo luto até encontrarmos forças para viver novamente.  

Zelda Williams e Diablo Cody sabem exatamente qual visão desejam passar ao público e não têm medo de correr riscos no processo. Isso ocasiona alguns tropeços pelo meio do caminho, mas que não comprometem em nada o resultado final de Lisa Frankenstein. O compromisso em capturar a autenticidade do anos 1980 rende momentos inteligentes, como a substituição da mesa do Dr. Frankenstein por uma cama de bronzeamento, junto com uma trilha sonora que se encaixa perfeitamente com o enredo. 

lisa frankenstein

Com diálogos frenéticos e humor peculiar, Lisa Frankenstein é um filme divertido que ensina que às vezes o melhor caminho é abraçarmos nossas maiores esquisitices e que o amor pode, sim, estar a uma lápide de distância.  

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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