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Como Tony Soprano, James Gandolfini superou os maiores atores de Hollywood

Astro de Sopranos morreu aos 51 anos em 2013

21/10/2024

James Gandolfini foi um dos maiores atores de Hollywood e, por mais que possa parecer, faço essa afirmação sem um pingo de exagero. O ator pode nunca ter tido o reconhecimento de um Al Pacino, de um Robert DeNiro, de um Marlon Brando (só para ficar nos ítalo-americanos), mas, na pele de Tony Soprano, entregou uma atuação tão boa, ou ainda melhor, que as que fomos brindados por personagens como Michael Corleone, Travis Bickle e Don Vito Corleone.

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Não, eu já disse que não estou exagerando, e quem assistiu a Família Soprano há de me dar razão: passamos mais de 80 horas ao lado de Tony, uma experiência que filme nenhum, mesmo com a interminável onda de continuações dos filmes Hollywood, será capaz de promover. Um dos veículos mais respeitados do mundo, o New York Times definiu a série como “a maior obra da cultura popular americana do último quarto de século”. E sem James Gandolfini isso provavelmente não teria acontecido — dá até para afirmar que a mágica certamente não seria a mesma.

Morto precocemente aos 51 anos, em 2013, James não teve tempo de estrelar grandiosas produções cinematográficas, que poderiam lhe garantir mais visibilidade numa época em que o streaming e o binge watching ainda engatinhavam, quiçá um Oscar. Seu estouro só viria aos 37 anos, tarde para os padrões dos atores mais famosos do planeta, quando Família Soprano conquistou o mundo.

tony soprano

A partir dali e durante seis longos anos de sua vida, o ator emprestou todos seus artifícios cênicos e sensibilidade ao mafioso em crise existencial que estrela a série sobre que mudou o curso da história da TV. Mesmo o Emmy, premiação maior da televisão, só reconheceu a excelência de James no papel de Tony Soprano uma única vez — daquelas injustiças injustificáveis e que infelizmente jamais poderão ser reparadas.

Mas Jamie, Jim ou Jimmy, como era carinhosamente chamado pelos amigos, foi um pioneiro na arte de entregar uma atuação tão profunda, por tanto tempo. Seu Tony Soprano, um anti-herói cheio de camadas, era capaz de ir da crise de ansiedade e do desamparo à raiva profunda, da irritação à felicidade, da paixão ao ódio, do alívio à culpa, tudo em segundos preciosos para qualquer produção audiovisual. “Seus olhos contavam um milhão de histórias, e sua performance o elevou ao escalão superior dos atores norte-americanos”, publicou James Andrew Miller no livro Tinderbox, que conta a história da HBO. E prosseguiu: “Ele se adaptou facilmente ao escopo ampliado da série, seu crescimento de retrato íntimo para uma tapeçaria rica e manchada de sangue, e foi enormemente instrumental em fazer de Família Soprano um evento cultural memorável”.

Essa opinião era compartilhada por seus colegas de elenco. “Quando você contracenava com Jimmy você saía dela um ator melhor”, disse Steven Van Zandt, o Silvio Dante de Sopranos. “Ao ler [roteiros] com ele, o que me chamou a atenção foi sua imprevisibilidade como ator. E foi isso que o tornou tão fantástico de assistir”, lembrou a atriz Famke Janssen, que contracenou com James em Segredos Mortais, de 2011.

james gandolfini

Mas James foi muito mais que apenas um grande ator — dos maiores, sim. Seus amigos e ex-colegas frequentemente lembram dele como um cara divertido, sensível e generoso, que visitava ex-combatentes de guerra em hospitais (e chorava com seus dramas pessoais) e era capaz de tirar dinheiro do próprio salário para recompensar os colegas de Família Soprano que não haviam recebido o mesmo aumento que ele com o sucesso das temporadas da série da HBO.

“Ele cuidava de todos ao seu redor de maneira 360º. E eu fiquei realmente impressionada com isso. Porque obviamente nem todo mundo da estatura dele faz isso”, lembrou Marcia Gay Harden, que estrelou a montagem de Deus da Carnificina ao lado do ator na Broadway, pela qual foram indicados ao Tony (e só ela venceu). “Jimmy dizia”: ‘Você está feliz [com essa cena]?’, e eu dizia: ‘Eu não sei’, então ele virava para o diretor e dizia: ‘Dê a ele outro take'”, contou Vincent Pastore, o eterno Pussy da série da HBO. “Jim não era Tony Soprano. Ele era uma cara que calçava Birkenstock e amava música. Ele era quase um hippie. Não era aquele cara de jeito nenhum”, afirmou Steve Schirripa, o Bobby Baccalieri. O livro Família Soprano: Menu de Episódios traz um tributo emocionante ao ator.

família soprano

Mas, demasiadamente humano como seu personagem mais notório, James viveu momentos em que se confundiu com Tony. Há diversos relatos de que o ator não conseguiu controlar suas emoções nas cenas mais pesadas do mafioso. Não era um papel normal, convenhamos. “Você não entende o que isso está fazendo comigo”, ele repetia aos mais próximos, por ser obrigado a enfrentar em cena, dia após dia, ano após ano, seus piores demônios.

Certa vez, o ator comentou que saía do set direto para o chuveiro, pois se sentia “sujo” ao interpretar as maldades de Tony Soprano. Tudo isso levou Jimmy a abusar do álcool e das drogas, e ele passou a chegar atrasado ou a não aparecer no set. Jimmy também não era muito afeito a dar entrevistas, mas sempre que precisava fazê-lo, fazia questão de chamar outros colegas de elenco para acompanhá-lo e ele não ficasse sozinho sob os holofotes, dividindo as atenções.

james gandolfini sopranos

Por vezes, brigou com fãs e paparazzi que invadiram seu espaço pessoal, mas nada disso foi capaz de ofuscar o talento e a comoção que a morte do filho de dona Santa Penna, uma merendeira escolar nascida nos Estados Unidos e criada em Nápoles, e do pedreiro e zelador de colégio Giacomo Giuseppe Gandolfini, imigrante nascido na Itália, causou. Ele morreu durante as comemorações pela formatura do filho, Michael, no país europeu que lhe deu uma identidade e seu maior papel — aquele que ele achou que não iria levar por não ser bonitão o suficiente como os galãs ítalo-americanos. James não só encarnou Tony Soprano, como o fez com tal maestria que, daqui a outros 25 anos, sua atuação continuará sendo aclamada mundo afora.

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Sobre Liv Brandão

Avatar photoJornalista, criadora de conteúdo e roteirista. Passou por veículos como O Globo e UOL sempre falando de cultura e entretenimento. É especialista em séries de TV, mas também fala de filmes, música, literatura e o que mais vier.

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