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Conheça o interior de Ohio pelos olhos de Donald Ray Pollock

Escritor se inspira na pequena Knockemstiff para seus contos e livros.

23/07/2020

A maioria das obras que se passam nos Estados Unidos escolhem grandes cidades como palco, como é o caso de Nova York, Los Angeles, Chicago e Miami. Mas há muitos outros lugares menos óbvios, com muito menos habitantes, que podem esconder segredos devastadores. É o caso de Knockemstiff, aldeia localizada no interior de Ohio. Apesar de pequeno, o vilarejo ganhou fama através das histórias de Donald Ray Pollock, que passou a maior parte de sua vida lá e decidiu ambientar suas tramas macabras em território conhecido.

Ele é um dos cenários do livro O Mal nosso de Cada Dia, recém-lançado no Brasil pela DarkSide® Books. O restante da história se passa na região das montanhas Apalache da Virgínia Ocidental.

Mas o que muitos imaginariam como um lugar tranquilo, daqueles em que dá pra ouvir a grama crescer, acaba se mostrando como um terreno perfeito para a maldade humana. Desde as primeiras frases do livro já dá pra perceber que sangue será derramado, e muito!

Intercalando as narrativas de três histórias que se passam em lugares afastados das grandes metrópoles, o livro escancara os horripilantes segredos que os moradores de áreas rurais são capazes de esconder. A trama cobre o período do pós-guerra até os anos 1960, uma época repleta de nostalgia para o escritor.

Apesar de se sentir confortável em escrever sobre este período específico, Pollock admite que naquela época sentia uma espécie de claustrofobia por viver em um lugar tão pequeno, onde todo mundo se conhecia. “Quando era jovem só pensava em ir embora. Agora não me vejo fora daqui”.

As pessoas do interior de Ohio

A riqueza dos detalhes ao descrever as personagens que vivem em Knockemstiff vem da observação aguçada de alguém que passou sua vida inteira ali presenciando as banalidades do dia a dia. Pollock trabalhou a maior parte da vida em uma fábrica de papel onde também já tinham trabalhado seu pai e seu avô.

Em suas obras, o autor construiu um universo primitivo, um território permanentemente abandonado pelos seus habitantes, que vivem no limite do mal, apenas preocupados em sobreviver. Questionado se a vida em Ohio é exatamente como descrita em seus livros, Pollock pondera: “Não é só isso. Isso é o que sai nos meus livros, mas imagino que as pessoas não sejam tão más. Imagino que Ohio seja melhor do que isso, mas eu não consigo escrever sobre o que eu não sei”.

O escritor admite que tem algumas passagens tenebrosas em sua vida em Knockemstiff. Pollock relembra que começou a beber ainda muito jovem, mas que para ele e para as pessoas daquele lugar isso era considerado normal. “A maioria dos nossos pais bebia e nós víamos isso. Era muito fácil arranjar bebida”. A primeira vez que ele bebeu até cair foi aos 13 anos de idade.

A curiosa história sobre o nome do vilarejo também já diz muito sobre seus habitantes. Em uma tradução literal, Knockemstiff pode ser uma junção de palavras que significa bater (knock) neles (them) até ficarem duros (stiff). A explicação popular para o nome teria origem em uma mulher que descobriu que seu marido a traía com outra. Quando ela foi pedir um conselho ao padre, a sugestão dele foi a de bater nos dois.

A explicação que Donald Ray Pollock dá sobre o nome da aldeia é muito menos folclórica: se refere a um lugar onde há muitos contrabandistas. Também não é uma explicação muito agradável, mas a primeira soa mais divertida.

Uma região que parece ter parado no tempo

Localizado no nordeste dos Estados Unidos, quase na fronteira com o Canadá, Ohio é um estado de clima temperado, que tem as quatro estações bem distintas. No entanto, no inverno o local pode se tornar bem deprimente, com mudanças bruscas de clima e dias cinzentos, em que não se vê o sol.

Composto de uma vasta área rural, o estado tem 60% do seu território ocupado por fazendas – são 70 mil delas em Ohio. Outras atividades econômicas envolvem a indústria de aço borracha e papel, como na empresa em que Pollock trabalhou por mais de 30 anos.

Por ter uma área predominantemente rural, a paisagem do sul de Ohio se mantém bucólica, repleta de campos e casinhas bem afastadas. Passar por lá em pleno 2020 muitas vezes pode se assemelhar a uma viagem no tempo: o cenário da Knockemstiff dos dias atuais não é muito diferente daquela da década de 1950, de quando Pollock nasceu e que ambienta parte de suas histórias.

O autor acredita que ser do campo é uma condição muito específica, compartilhada apenas pelas pessoas que vivem em tais lugares. “Não é melhor e nem pior do que morar na cidade”, pondera quanto aos silêncios, aos olhares sorrateiros e a uma espécie de espera que nunca finda. Atualmente ele mora em Chillicothe, uma cidade um pouco maior, localizada a 10km de Knockemstiff.

Apesar desta certa angústia, Donald Ray Pollock não consegue se imaginar morando em uma cidade grande, sob pena de comprometer a sua capacidade de escrita. “Acredito, sobretudo, que é sentir que se pertence a um local e sem ele sermos incapazes de nos reconhecermos”. Para quem é de fora, o interior de Ohio pode até ser uma viagem no tempo, mas para Pollock, estar lá é uma viagem para dentro de suas ideias.