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Conheça os Livros com Pele Humana. Aviso: São de Arrepiar

Os segredos revelados dessa encadernação torpe e macabra

24/07/2023

Hoje vamos adentrar um território sombrio e um tanto repulsivo, onde os textos impressos
estão literalmente “sob a pele”. Sim, vamos explorar o mundo da Bibliopegia antropodérmica, uma prática arrepiante que envolve encadernar livros com… pele humana!

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A ideia pode parecer saída diretamente de um filme de terror, mas acreditem, é realidade! Alguns indivíduos, ao longo da história, decidiram transformar os livros em verdadeiras obras-primas do macabro. Ora, por que não revestir as páginas com um pedaço de pele humana, não é mesmo? Uma forma, digamos, “criativa” de agregar um toque pessoal e perturbador às edições.

Mas antes, vale destacar que embora possa parecer fascinante do ponto de vista histórico e cultural, não podemos ignorar a falta de respeito e ética por trás dessa prática. Livros devem ser apreciados por seu conteúdo e valor intelectual, não por sua capa feita de restos humanos. É uma prática condenável e não deve ser incentivada. Portanto, este texto utiliza elementos de humor ácido apenas como recurso literário e não visa a apoiar ou promover a Bibliopegia antropodérmica.

Avisos feitos. Chegou a hora de mostrar os segredos desses livros de terror epidérmico.

Origens subcutâneas

O termo “Bibliopegia antropodérmica” é um daqueles nomes que parecem saídos diretamente de um livro de feitiçaria. Mas não se engane, não são os bruxos que estão por trás dessa prática sinistra. O nome é derivado do grego, combinando “anthropos” (que significa “humano”) e “derma” (que significa “pele”), com “Bibliopegia” um sinônimo para encadernar. Ou seja: livros encadernados com pele humana. É uma mistura bizarra de arte, morbidez e um toque de insanidade literária.

livro de pele humana
Holding History/Reprodução

Há muitas pistas históricas que nos levam a essa prática hedionda. Por muito tempo foi tratada como lenda e teria sido praticada na Revolução Francesa. E de fato há livros seculares com anotações escritas no interior dizendo “encadernado em pele humana”. Mas nada tinha sido confirmado até que pesquisadores sérios deram uma olhada mais de perto. E os responsáveis mais comuns por essa estranha escolha de acabamento para seus volumes não foram feiticeiros ou líderes de cultos secretos. Foram, na verdade, médicos.

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Estamos falando de alguns médicos do século XIX que tinham uma veia artística um tanto quanto peculiar. Parece que os bons doutores gostavam de um souvenir um tanto quanto macabro. E, veja só, eles não precisavam ser líderes de cultos secretos ou feiticeiros para entrar nessa moda mórbida. Tudo o que precisavam era de um condenado pelo Estado e voilà, uma nova adição chocante para suas bibliotecas particulares. Será que os criminosos sentenciados à morte poderiam se gabar de terem contribuído para a preservação do conhecimento impresso? Talvez, apenas talvez, eles tenham encontrado algum alento em saber que, de alguma forma, suas peles estariam eternizadas nas capas de livros.

Um livro de amor e morte

Eliza Balsom, uma jovem aparentemente comum dos subúrbios de Bristol, na Inglaterra, tinha um interesse que muitos pensam ser contemporâneo, mas que sempre existiu aqui e ali: ela tinha uma crush por bad boys. E John Horwood, um jovem local, definitivamente se encaixava nesse perfil. Com seus 16 anos, John era conhecido por causar distúrbios, ser um vândalo e, provavelmente, um membro da Gangue Cock Road, que aterrorizava os bons cidadãos. Em 1820, seus caminhos se cruzaram.

O relacionamento não durou muito. Elisa partiu pra outra e o destemperado John partiu pra cima. Ele assediou a pobre garota várias vezes entre 1820 e 1821, chegando ao ponto de jogar algum tipo de ácido nela. E isso não foi o pior. Em 25 de janeiro de 1821, John avistou Eliza com outro rapaz. Ele pegou uma pedra. Arremessou. E com esse gesto selou seu destino… e o dela.

medicina macabra

Eliza sofreu um ferimento leve na têmpora, perto de um dos olhos. Uma pequena ferida que foi grande o suficiente para permitir a entrada de uma infecção. Ela caminhou 16 quilômetros até a Bristol Royal Infirmary esperando encontrar uma cura, mas encontrou o dr. Richard Smith. O médico insistiu que ela fosse internada para tratar uma suposta fratura no crânio. Infelizmente, a situação de Eliza só piorou. E o proativo dr. Smith decidiu realizar o tratamento da infecção de dentro do crânio!

A cirurgia não foi bem-sucedida. No dia 17 de fevereiro de 1821 Elisa morreu. O dr. Smith alegou que um abscesso provocado pelo impacto da pedra seria a causa e deu o nome de John para a polícia. John Horwood foi preso, julgado e condenado por assassinato, com o próprio dr. Smith testemunhando contra ele. Uma forca improvisada foi montada e a multidão que se reuniu para assistir foi tão grande que alertas foram emitidos sobre os perigos das aglomerações. Era 13 de abril, dois dias após o julgamento, três dias depois de John completar 18 anos.

O corpo de John foi solicitado e entregue ao próprio dr. Smith para uma dissecação pública. O que melhor pode haver para se divertir numa sexta à noite do século XIX do que assistir a uma autópsia, não é mesmo? O interesse do médico foi tão intenso que ele armou uma partida durante a noite, temendo que amigos de John tentassem recuperar o cadáver. Após a dissecação, a pele foi curtida e o doutor a entregou a um encadernador. O livro reúne documentações do assassinato, do julgamento, da excussão e da dissecação. Sua capa traz em baixo relevo a ilustração de uma forca e a inscrição em latim “Cutis Vera Johannis Horwood”, ou seja, “A Verdadeira Pele de John Horwood”. O dr. Smith podia não ser um bad boy, mas talvez seria um tipo de nerd sádico.

livro de pele humana bristol
Bristol Live/Reprodução

Hoje, esse macabro livro repousa nos arquivos públicos da cidade de Bristol. Mas pode ser que o horror desses acontecimentos esteja além do relatado em suas páginas. Revisões posteriores do caso, incluindo um exame minucioso do crânio da pobre vítima, lançam dúvidas sobre a validade do julgamento e até mesmo sobre a autoria do crime. Será que o tal abscesso que levou a infeliz Eliza à morte foi realmente causado pelos “procedimentos” do dr. Smith, como a defesa alegou na época? Os descendentes de John Horwood não deixam a história morrer e estão determinados a trazer à luz a verdade. Em 2011, após 190 anos desde a execução, os ossos de John foram finalmente sepultados. Pois o excêntrico dr. Richard Smith, além de sua criativa encadernação, também fez questão de manter o esqueleto de John em sua própria casa até o fim de seus dias.

Matéria-prima não faltava

Há muitos outros livros encadernados com a contribuição epidérmica de condenados executados. Parece que essa matéria-prima foi abundante por volta do século XIX. Um dos mais conhecidos traz o relato de um dos crimes mais célebres, o lendário Assassinato do Celeiro Vermelho.

Em 1827, no interior da Inglaterra, a jovem Maria Marten foi friamente assassinada por seu amante, William Corder, no tal celeiro vermelho. O casal planejava fugir junto, mas Corder tinha outros planos em mente. Após enviar cartas fingindo para a família que Maria estava viva, a verdade sinistra foi revelada quando seu corpo foi descoberto um ano depois. Corder foi capturado, julgado e enforcado perante uma multidão ávida por um entretenimento sadio. Bom, sadio para os padrões da época. A história alimentou a imprensa sensacionalista, inspirou canções e peças teatrais, transformando a vila do crime em um ponto de peregrinação. Muitos souvenirs do crime e do julgamento foram vendidos, desde cópias da máscara mortuária do assassino até, claro, o livro encapado com sua pele. A edição agora se encontra em exibição no Moyse’s Hall Museum, em Suffolk, no leste da Inglaterra.

livro pele celeiro vermelho
Reprodução

Mas talvez o livro mais famoso desta coleção mórbida não tenha seu revestimento vindo de um condenado executado. Em 1837, o prisioneiro americano James Allen fez sua confissão em seu leito de morte na Prisão Estadual de Massachusetts. E como seu último pedido, desejou que duas cópias de sua história fossem encadernadas com sua própria pele. Generoso e um talvez tanto sentimental, James presenteou uma das edições a uma de suas vítimas, um homem que não se deixou roubar por ele e que, por sua bravura, ganhou sua admiração. A outra cópia deveria ser dada a seu médico. Você pode ver uma das cópias quando visitar o Ateneu de Boston, nos EUA, ou simplesmente ler a transcrição no site da instituição.

Caso esse texto também abordasse os exemplares ainda sem confirmação se o couro das capas é realmente humano, poderíamos falar de livros até mais sórdidos, como os de literatura erótica. Ou das fraudes históricas como o manuscrito árabe escrito em 1848 que se encontra na Biblioteca Newberry em Chicago. Embora uma nota no manuscrito afirme uma procedência humana para o couro do pergaminho, basta uma inspeção de um olho treinado para atestar que se trata de simples couro de bode. O que nos leva a perguntar como identificar se a capa do meu livro favorito já andou por aí, literalmente falando.

Julgando pela capa

Se você pensou que a identificação de encadernações em pele humana é feita através de exames de DNA, como em um programa de TV popular, sinto dizer que nem chegou perto. Testar uma amostra de DNA é possível em princípio, mas o DNA pode ser destruído quando a pele é curtida. O DNA também se degrada ao longo do tempo e a amostra pode ser contaminada por leitores humanos.

Um dos métodos mais comuns é simplesmente treinar o olhar. Afinal, cada mamífero tem um padrão específico dos poros. Isso mesmo, bezerros, ovelhas, cabras, porcos ou humanos, cada animal tem um desenho de folículos capilares próprio. O tratamento do couro pode até confundir em alguns casos, mas no geral é como uma impressão digital apontando a identidade da vítima. Claro, esse é um método subjetivo, que depende da declaração de um especialista. Felizmente hoje em dia podemos contar também com tecnologias estrambólicas, que conferem a credibilidade sintética capaz de sanar as dúvidas dos mais céticos.

livro de pele humana
Reprodução

Quer uma amostra de tecnologias estrambólicas? Que tal a Impressão Digital de Massa de Peptídeos (PMF)? Ou ainda a Técnica de Dessorção/Ionização a Laser Assistida por Matriz (MALDI)? Essas duas maravilhas da modernidade têm sido usadas recentemente para identificar o material das encadernações de livros. Na MALDI uma pequena amostra é extraída da capa do livro e o colágeno é analisado por espectrometria de massa para identificar a variedade de proteínas características de diferentes espécies. Já a PMF pode identificar a pele como pertencente a um primata; uma vez que macacos quase nunca foram usados como fonte de pele para encadernações, isso implicaria pele humana.

Como todo mundo precisa de um hobby, há alguns anos um grupo de pesquisadores se juntou para formar o The Anthropodermic Book Project, um collab voluntário que curte identificar quais livros foram realmente encapados com a epiderme de alguém. Dos 31 livros analisados, nada menos do que 18 foram confirmados. Tudo atestado pelas tecnologias da PMF e da MALDI. Quem sabe você também pode adotar esta missão e sair por aí investigando quais capas de livros são mesmo de arrepiar.

No vasto universo dos livros, encontramos histórias que nos encantam, mistérios que nos intrigam e segredos que nos arrepiam. A encadernação com pele humana é apenas mais um desses enigmas sombrios que nos convidam a explorar as profundezas perturbadoras da literatura.

Se você ficou fascinado por essa curiosa prática ou quer descobrir mais sobre os livros encadernados com pele humana, deixe seu comentário abaixo. Conte-nos o que achou dessa excêntrica forma de encadernação ou sugira novos temas para explorarmos juntos. Afinal, no mundo literário, a estranheza muitas vezes esconde as histórias mais cativantes.

Estamos ansiosos para ler o que você tem a dizer, antes que essas páginas macabras se fechem.

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Sobre Joel Lobo

Avatar photoJornalista e artista visual. Produz com sua esposa, a restauradora Cristina Sanches, o projeto Ateliê de Restauro que difunde para o grande público os meios e a importância de se conservar a Arte e a Cultura.

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2 Comentários

  • Maria Nair

    7 de agosto de 2023 às 20:32

    Boa noite, existe alguma biblioteca no Brasil com livros encadernados com pele humana, no Brasil?
    Obrigada.

  • Cristina Sanches

    15 de agosto de 2023 às 13:24

    Muito bem escrito o texto e você conseguiu dar uma abordagem leve.
    Obrigada por compartilhar.

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