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Dark Night of the Scarecrow: Frank De Felitta como você nunca imaginou

Se Frankenstein pudesse ser um espantalho

19/07/2024

Vocês já pararam para se perguntar de onde vem nosso fascínio pelos filmes antigos? Eu não sei quanto a vocês, mas sempre senti que existe alguma coisa mágica nessas produções. Na textura que passa longe da definição perfeita, nos efeitos especiais questionáveis, algo que pode ser sentido, mas não totalmente definido, alguma coisa capaz de nos enfeitiçar, arrasando com nosso senso crítico e nos levando a acreditar, de alguma forma, que fazemos parte das histórias implausíveis que assistimos em nossas telas modernas. Esse é o caso do filme de hoje, que despretensiosamente veio a ocupar um lugar de honra no coração de muitos devotos do horror.

Dirigido por Frank De Felitta (você não leu errado, é ele mesmo, em carne e osso, o nosso autor de O Demônio do Gólgota e também autor de A Entidade), esse foi um filme proposto para a televisão, que nasceu em 1981 e foi rebatizado nas videolocadoras daqui da terrinha como A Vingança do Espantalho.

Começamos esse filme observando um homem adulto e uma criança em um campo com flores. Eles cantam e brincam como se tivessem a mesma idade, uma cena carregada de inocência, ligeiramente corrompida pela trilha sonora que se encarrega de nos colocar em estado de alerta desde o primeiro segundo. O homem é Bubba, e ele tem algum tipo de condição mental que o mantém preso na infância, a menina é Marylee Williams.

Não existe maldade entre eles, mas um funcionário dos correios, Otis Hazelrigg, enxerga o oposto. Ele não gosta de Bubba, diz para toda a cidade que o homem é perigoso, incita que o expulsem das redondezas ou promovam algo mais definitivo.

Sem saber de nada disso, Marylee e Bubba continuam com sua rotina infantil, e como duas crianças eles gostam de explorar e aprontar. Mas em uma dessas incursões Marylee passa por uma cerca e invade uma casa desconhecida, onde é brutalmente atacada por um cachorro. Bubba ainda tenta ajudá-la, mas é inútil, Marylee acaba sendo massacrada. O próprio Bubba, em desespero, a entrega para a mãe da menina e tudo o que ele consegue dizer é “Bubba não fez isso”.

Com o motivo que buscavam (Marylee é dada como morta por alguns fofoqueiros da cidade), alguns homens do lugar se organizam para um linchamento, sob o comando de Otis, o homem dos correios. Eles são quatro: o funcionário dos correios em pessoa, um mecânico, um agricultor e um criador de porcos. Com armas e cães de caça, essas pessoas partem à procura de Bubba. Seguindo seu rastro, chegam em sua casa, mas a mãe de Bubba já conseguiu que ele se escondesse, para que não fosse morto.

Infelizmente o esconderijo não era tão bom assim, Bubba estava fantasiado de espantalho, e depois de ser encontrado ele é fuzilado pelos quatro justiceiros da cidade (cidadãos de bem, vocês conhecem o tipo…). Assim que esses homens o matam, os oficiais de polícia informam a verdade pelo rádio: Bubba tinha tentado ajudar Marylee e a menina havia sobrevivido para contar a sua história.

A morte de Bubba já seria maldição suficiente, mas Otis ainda colocou um forcado nas mãos do cadáver, para simular que ele haveria resistido e tentado ferir a milícia de justiceiros. No julgamento, Otis mentiu deliberadamente, conduzindo o júri para que ele e seus comparsas fossem inocentados do crime. Com o veredito do juiz e a retirada das acusações, a mãe de Bubba profere que existe uma lei e uma justiça muito maiores nesse mundo, amaldiçoando a todos os envolvidos. Os homens a ignoram e saem para uma bebedeira comemorativa, mas existe uma sombra chegando para tomar a cidade, algo que nenhum tribunal será capaz de impedir.

Dark Night Of The Scarecrow mexe com nosso âmago, e boa parte desse êxito vem da atuação de bons atores e da condução perfeita do diretor Felitta. Ficamos revoltados, enfurecidos, e quando menos percebemos estando torcendo para que cada um daqueles assassinos mentirosos encontre as garras da justiça. E como estamos falando de um filme de horror, é claro que não irá demorar!

Marylee também está se recuperando do acidente, e ela pede com insistência para ver seu amigo Bubba, sem saber dos desdobramentos terríveis dos últimos dias. Marylee foge em uma noite e vai até a casa de Bubba, a fim de falar com ele, e só então a mãe do rapaz tenta contar o que aconteceu de verdade, e diz que Bubba foi para um lugar distante onde ninguém poderá machucá-lo, e que não irá voltar. Marylee não aceita o que ouve, e diz que Bubba está apenas brincando de se esconder. Existe um elemento lúdico nessas cenas muito profundo, e esse tom e inocência é parte fundamental para que esse filme seja tão inesquecível. É como Frankenstein de James Whale, se Frankenstein pudesse ser um espantalho.

Depois de inocentados, os justiceiros continuam com suas vidas, e tudo parece perfeitamente nos trilhos, até que em uma tarde um espantalho aparece nas terras de um deles. Sim, senhoras e senhores, que comece a contagem dos corpos.

Em um jogo de gato e rato cheio de paranoia, mortes elaboradas e com um gostinho de vingança para adoçar a vida, nós nos pegamos torcendo para o monstro, e esse é um daqueles detalhes que fazem um filme comum subir vários pontos na escalada do horror. Se os verdadeiros monstros do filme se tornarem os humanos, fica ainda melhor.

Confrontado pela morte dos amigos, Otis-do-correio resolve contra-atacar, e faz uma visita ameaçadora à mãe de Bubba. Tudo o que consegue é ser expulso do lugar, acusado de tendências pedófilas e outras coisinhas podres que homens como ele costumam esconder por trás da fachada de cidadão preocupado. Otis entra em desespero, e perde qualquer limite enquanto tenta continuar vivo.

E chegou a hora de parar essa matéria para não estragar a experiência de quem deseja se aventurar nesse filme. Dividindo espaço entre o suspense, o terror e o gore, Dark Night Of The Scarecrow pode ser resumido como um ótimo filme, uma experiência emocional bastante desafiadora em alguns momentos, que segura nossa respiração até os segundos finais quando, finalmente, sentimos que a justiça foi feita. O nosso tipo de justiça.