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Hardware: As coisas vão melhorar (mas ficarão piores antes disso)

Um cult de horror e ficção científica cyberpunk de 1990

11/04/2025

Todo cinéfilo que esgotou os blockbusters das primeiras prateleiras das videolocadoras descobriu, mais cedo ou mais tarde, que para continuar se surpreendendo é preciso se aventurar, correr alguns riscos. Em um passado não muito distante, se aventurar significava alugar filmes desconhecidos, endossar sinopses mal feitas, muitas vezes desprezar a arte tosca das embalagens das VHSs, implorando aos deuses do technicolor que o filme locado fosse digno, ou quem sabe, uma agradável surpresa. O filme de hoje é um desses casos onde tudo o que podemos fazer é jogar uma moeda pra cima e torcer contra as probabilidades do fiasco.

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Hardware emergiu dos escombros do celuloide em 1990, um filme de terror e ficção científica cyberpunk escrito e dirigido por Richard Stanley, em sua estreia como diretor. Pra manter as apostas altas, adiantamos que o filme conta com participações especiais de Iggy Pop e do deus supremo do rock, Lemmy Kilmister (vocalista da banda Motörhead e para sempre vivo em nossos corações).

Começamos o filme aos sons da tempestade, atordoados por flashes luminosos. Logo estamos em um deserto vermelho e pós-apocalíptico, acompanhando os passos de um sobrevivente nômade. Soterrado na mesma areia escaldante alguém, ou alguma coisa, pretende voltar a viver. Nesse mundo inóspito e futurista, a civilização humana foi reduzida a um ferro velho. Sim, e só precisamos dessas informações (e da voz de Iggy Pop dando vida ao locutor de rádio Angry Bob) para sermos enfeitiçados pelo filme.

O nômade encontra partes de um androide soterrado e as leva consigo para negociar no próximo povoado, com um intermediador de sucata chamado Alvy. Antes disso, porém, um dos clientes de Alvy, um soldado chamado Mo, se aproveita da situação para comprar e ficar com a cabeça do androide, deixando apenas o resto das peças com Alvy. Já nesse começo, a mistura de computação, tecnologias analógicas e cenários apocalípticos sequestra a nossa atenção, nos obrigando a acompanhar o transcorrer do filme.

Seguimos com Mo e seu amigo Shades até um deck, no que sobrou de Los Angeles, então conhecemos o “taxista de transportes aquáticos” e ele é Lemmy Kilmister, que rapidamente coloca “Ace of Spades” do Motörhead no toca-fitas de seu barco-táxi e dirige, enquanto disserta sobre os bons tempos. Além de contar com a aparência atemporal de Lemmy, os cenários do filme são extremamente bem construídos, então se você é fã da desgraceira e de um futuro bastante desagradável, vai amar cada frame de Hardware.

O destino final de Mo e Shades é o apartamento de Jill, artista e escultora de metal e também namorada de Mo. Ele a presenteia com a cabeça do androide e, como recompensa, eles fazem amor. Durante o ato, percebemos que a cabeça do androide não está assim tão desativada. Também descobrimos um homem desagradável, tarado e nojento, que espiona Jill com uma luneta pela janela do prédio da frente, onde ele mora. Eventualmente, o senhor-tarado-desagradável também faz ligações anônimas (e taradas e desagradáveis) para Jill.

Alvy (o revendedor de ferro velho e amigo de Mo), descobre detalhes sobre as peças do androide que ficaram e ele convoca Mo para falar a esse respeito. Antes que Mo chegue a ele, descobrimos que o androide pertence a um modelo militar chamado Mark 13, que se regenera sozinho e é equipado com um arsenal de armas, incluindo químicas. No apartamento de Jill, Mark 13 já começou sua reconstrução e logo estará pronto para atacar.

Na cena seguinte Mo descobre mais sobre o androide, e também encontra o corpo de Alvy, assassinado pelas partes de Mark 13 que ficaram com ele. Mark tenta avisar Jill sobre o perigo, tenta falar com seu amigo Shades, mas Shades está chapado com algum tipo de droga sintética. Quem avista o androide é o vizinho tarado, que descobrimos se tratar de Lincoln Wineberg, engenheiro de segurança que acabou se aficionando por Jill. Ele agora está no apartamento dela, e é a única opção de Jill escapar de Mark 13. Mas o senhor tarado também tenta assediá-la, e embora ele pareça quase inofensivo, ficamos incomodados e receosos. Isso termina depressa, porque Mark 13 disseca Lincoln ainda vivo, em uma bela composição de dor física, gritos e muito sangue.

Nesse momento entendemos que o filme se tornou uma caçada, o que não é exatamente um problema se você desistir das grandes tramas retilíneas e souber extrair o que essa produção tem de melhor. Hardware possui uma fotografia excelente, ótimos efeitos visuais, os atores são competentes e as participações especiais são um deleite. O filme também se inspira em alguns clássicos como Terminator, The Predator, Blade Runner, Mad Max, Lifeforce, 1984, entre outras grandes produções que você irá reconhecer se estiver atento. Além disso, Hardware pode muito bem ter inspirado alguns elementos presentes em 12 Monkeys e The Fifty Element.

O filme também aborda questões filosóficas, especula sobre gestão de crises de escassez (que incluem racionamento de bens e direitos e controle populacional obtido através de assassinatos e esterilização em massa) e uma boa dose de messianismo e revelações espirituais movidas a drogas sintéticas e viagens místicas. Nos momentos finais, o retorno do gore é absoluto e inesperado, então, mesmo com esse aviso, você vai acabar virando o rosto para o lado em certas cenas. Também existe uma proximidade alta com os quadrinhos, notadamente com um conto intitulado “SHOK!” que apareceu em 1980 no Judge Dredd Annual 1981 (depois de um pequeno processo por plágio, o crédito foi adicionado a lançamentos posteriores do filme).

Verdade seja dita, Hardware é uma ótima experiência que, desde o seu lançamento, se projetou como um filme cult. E foi o que ele se tornou. Se vale a pena? Eu digo que vale sim, vale muito. Lembra daquela moeda jogada pra cima? Parece que tiramos a sorte grande outra vez.