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Quais as chances da pandemia de The Last of Us se tornar real?

Apocalipse do jogo e da série foi causado por um fungo

18/01/2023

O mundo nem se recuperou ainda da pandemia de covid-19, declarada em 2020, e já revive o medo de um novo surto global graças à série The Last Of Us, que estreou na HBO em adaptação ao jogo de videogame de mesmo nome. Só que diferentemente do novo coronavírus, o mundo pós-apocalíptico em que a história se ambienta é causado por um fungo.

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A cena de abertura do primeiro episódio da série já coloca as cartas na mesa ao mostrar dois especialistas discutindo em um talk show de 1968 sobre qual tipo de pandemia seria mais perigosa para a humanidade. Surpreendentemente, um deles, Dr. Neuman (John Hannah), aponta os riscos de uma pandemia de fungos, em contraponto aos populares vírus e bactérias. Ele utiliza como exemplo o princípio do LSD, desenvolvido a partir de uma espécie de fungo, defendendo que o perigo desses seres não seria necessariamente a morte, mas o controle da mente humana.

Quase como uma profecia, o que se vê a seguir é a aplicação dos medos do Dr. Neuman em ação: pessoas infectadas pelo fungo cordyceps são afetadas mentalmente e passam a atacar quem ainda está saudável, espalhando a doença. Seguindo a fórmula de boa parte das produções de zumbi, passam-se vinte anos e o que se vê é uma sociedade pós-apocalíptica com poucos sobreviventes sitiados em um mundo consumido pela doença, pela paranoia e pela nova regra social que se instalou.

the last of us
HBO/Divulgação

Com gatilhos bem desconfortáveis que herdamos da incerteza do surgimento da última pandemia, ainda bem recente na nossa memória, a série reacende um medo ainda não completamente esquecido por boa parte da população global: poderia isso acontecer mesmo no mundo em que vivemos?

O que é verdade e o que é ficção na série

Nada mais assustador do que um “baseado em eventos reais”, não é mesmo? E é aqui que The Last of Us se torna ainda mais horripilante: o fungo cordyceps é real. Foi ele que inspirou os criadores do jogo, Bruce Straley e Neil Druckmann, graças a uma perturbadora cena do documentário da BBC Planet Earth, que mostra como o fungo ophiocordyceps ataca insetos como formigas, grilos, mariposas, entre outros. Nesse trecho dá para perceber a horripilante forma que ele toma conta de uma formiga e de outros insetos:

Assim como no documentário, o fungo do videogame é propagado a partir de esporos, o que é mais fiel à realidade. Porém, na série a transmissão foi alterada para evitar que os atores precisassem passar a maior parte do tempo com máscaras que cobrissem o rosto inteiro. Na série, a transmissão ocorre a partir de mordidas, incentivadas pelo comportamento agressivo provocado pelo controle do fungo — uma mistura entre o vírus da raiva e o nosso imaginário zumbi da cultura pop. 

fungo last of us
Você não é uma formiga, mas essa concept art de The Last of Us simula o que o fungo poderia fazer com a sua cabeça. / Imagem por Timothy Von Rueden

Então a possibilidade da pandemia de The Last of Us é real?

Calma, apesar do fungo existir mesmo no reino animal, na própria entrevista dos especialistas já é abordado um dos principais impeditivos para que esses seres consigam prejudicar o corpo humano: as altas temperaturas do nosso corpo. Sabe-se que fungos costumam se dar bem em temperaturas mais frias do que os aproximados 37°C do ser humano.

Isso os torna particularmente potentes contra insetos, anfíbios e plantas. Eles também não representam uma ameaça tão grande para nós porque precisariam ser capazes de absorver tecido humano, algo que esses seres não conseguem fazer muito bem. E mesmo que dessem um jeito de invadir, precisariam lidar com o nosso robusto sistema imunológico.

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Mas não é impossível, até porque vários fungos conseguem infectar humanos, como o causador da candidíase. A Candida auris, por exemplo, é uma espécie resistente a diversos medicamentos e já causa preocupação em muitos hospitais. Há também bolores causadores de pé-de-atleta e micoses. Por vezes esses fungos são capazes de burlar as nossas defesas, principalmente naqueles com um sistema imune já comprometido.

Apesar de tradicionalmente afetarem em sua maioria pessoas com baixa imunidade, os fungos têm um fator do seu lado: o aquecimento do planeta — uma possibilidade levantada pelo próprio Dr. Neuman na abertura da série. A elevação das temperaturas é um fator que pode fazer com que esses seres lentamente se adaptem e se tornem mais resistentes a altas temperaturas, inclusive a do nosso corpo. Alguns cientistas já acreditam que um aumento de infecções de candidíase já esteja ocorrendo por causa disso.

No caso específico do cordyceps, o pesquisador de micologia do New York Botanical Garden, João Araújo, disse à Forbes que é muito improvável que o fungo se adapte aos humanos devido à nossa diferença biológica dos insetos. O parasita ataca esses animais há mais de 130 milhões de anos e nunca conseguiu invadir, se estabelecer e se transmitir em mamíferos ou qualquer animal que não seja um inseto.

last of us cordyceps
HBO/Divulgação

Embora o especialista em fungos-zumbi David Hughes, consultado no primeiro jogo de Last of Us, garanta que não seja tão irreal pensar que uma infecção do reino animal afete humanos, os chamados fungos-zumbi perderiam a sua capacidade de “controle mental” no processo. Isso porque eles não teriam as ferramentas para manipular o nosso cérebro, conforme defende a especialista em fungos parasitas, Charissa de Bekker.

A verdadeira ameaça dos fungos

Um dos aspectos mais ameaçadores dos fungos no mundo real têm relação com o surgimento da pandemia na série: o cordyceps teria passado por uma mutação e se instalado na produção de alimentos, afetando suprimentos como pão, açúcar e cereais em geral. Levando em consideração os altos volumes de exportação desses produtos, isso, sim, pode se tornar um problema gigantesco em pouco tempo. 

A ameaça é real porque existe um precedente desse tipo: a Grande Fome, que afetou a Irlanda entre as décadas de 1840 e 1850. Ela ocorreu por causa de um organismo muito semelhante a um fungo, chamado Phytophthora infestans, que destruiu as plantações de batata. Ele pode não ter diretamente infectado e matado humanos, mas a falta do alimento — que era até mais essencial para os irlandeses do que o nosso arroz com feijão — provocou a morte de mais de um milhão de pessoas, forçou outro milhão a emigrar e reduziu a população do país entre 20% e 25%.

Ou seja, por mais que os fungos tenham muita dificuldade de invadirem e causarem sérios danos ao nosso corpo, eles podem muito bem comprometer a nossa nutrição e causar uma crise alimentar global. Um argumento semelhante foi utilizado por Agustina Bazterrica em Saboroso Cadáver, que narra os eventos em um mundo que abraçou o canibalismo após um vírus ter tornado a carne animal fatal aos humanos.

Várias licenças poéticas da ficção afastam os eventos de The Last of Us do mundo real. Porém, se você já leu Medicina Macabra vol. 3, já está bem familiarizado com os dispositivos e com o estrago que microrganismos — sejam eles vírus, bactérias ou fungos — podem causar à vida na Terra em todas as suas formas. 

medicina macabra 3

Depois de uma experiência muito vívida de uma pandemia que ainda deixa marcas, precisamos ficar atentos para garantir que esses cenários pós-apocalípticos nunca saiam do mundo da ficção.

LEIA TAMBÉM: AGUSTINA BAZTERRICA: “A LITERATURA DE TERROR É UM CANAL DAS EMOÇÕES SOCIAIS”

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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3 Comentários

  • cristiano fagundes

    23 de janeiro de 2023 às 14:38

    Eu simplismente, amei essa matéria, aprendi os reais e ilusorias condição de uma verdadeira PANDEMIA DE FUNGOS,não imagina a força que tem sobre insetos e alimentos,muito bom mesmo vou guardar pra mim passar pra frente.

  • cristiano fagundes

    23 de janeiro de 2023 às 16:08

    adorei !

  • Lorena

    13 de setembro de 2023 às 12:46

    pq o canibalismo?, eles poderiam simplesmente virar veganos

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