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Retribution: O que você faz, sempre volta pra você

Um filme inteligente, bem dirigido e cheio de reviravoltas

06/06/2025

Para muitos cinéfilos irreversíveis do horror, uma das tarefas difíceis ao longo dos anos é encontrar bons títulos novos. Não demora nada e descobrimos que gabaritamos todas as listas, seguimos todas as indicações, percebemos que já varremos toda a filmografia conhecida dos grandes padrinhos do gênero. Falamos de Wes Craven, José Mojica Marins, John Carpenter, Tobe Hooper, David Cronenberg, George Romero e por aí vai. Então, desprovidos do conhecimento sagrado que se perdeu com os atendentes mediúnicos das videolocadoras, tudo o que nos resta é mergulhar no abismo dos filmes desconhecidos.

O filme de hoje, Retribution, chegou ao mundo em 1987, dirigido por Guy Magar e estrelado por Dennis Lipscomb, que interpreta um homem suicida possuído por intenções vingativas. E falando em vingança, por aqui o filme recebeu o batismo de Possessão Vingativa.

Começamos esse cult intenso a bordo de um carro em movimento, banhados pelos postes de luz e neons azulados de uma grande cidade. O carro avança pelo trânsito, enquanto imagens estranhas se alternam com as luzes veiculares e o asfalto tingido pela noite. O carro nos leva até o que parece ser uma festa de Halloween, e da festa caminhamos para uma aglomeração de pessoas que, curiosas e assustadas, acompanham a decisão de um homem tirar a própria vida — ele pretende saltar do parapeito do Dan hotel. A área já está sob contenção, a polícia e os bombeiros esperam pelo pior. E o pior acontece. Ele salta.

Graças ao atendimento dos bombeiros e dos médicos especialistas, George Miller escapa com vida de sua tentativa, mas enquanto se recupera, George começa a ser afligido por ondas de pesadelos. Segundo relata em terapia, ele não sabe exatamente o que esses sonhos terríveis significam, mas existe a possibilidade de que ele saiba e não queira contar a ninguém. Enquanto está no hospital, também descobrimos que George é um pintor frustrado, e que possui bastante dificuldade de socialização desde a infância.

Com o auxílio da terapia, George recebe alta em algumas semanas; ele parece reabilitado, mesmo que ainda tenha problemas com seus pesadelos. A psiquiatra, dra. Jennifer Curtis, está convencida da recuperação, e ela apenas propõe alta e que as sessões de terapia continuem, assim George voltará para casa, mas retornará ao hospital para obter o suporte necessário para seguir em frente.

Conhecemos alguns amigos de George em seguida. Uma garota de programa que ele pretende namorar, o pessoal do hotel, sentimos que todos gostam muito dele, que o respeitam e o consideram alguém muito próximo, quase da família.

Descobrimos que George mora no mesmo hotel onde tentou acabar consigo mesmo. O quarto está uma bagunça, lixos, mobília e material de pintura se misturam, o próprio George parece surpreso com o estado de sua casa. De toda forma, ele se reinstala e começa a pintar novamente. Agora, além de sofrer com pesadelos, George passa a ser atacado pelo que parecem ser delírios, visões que se confundem com eventos paranormais. Se ele está delirando ou não, é impossível ter certeza.

Em Retribution, o clima noir, periférico e depressivo pesa bastante, ao ponto de refletir e transbordar o que se passa dentro da mente depressiva do protagonista para o exterior. Nesse filme nada é por acaso, as amizades, os encontros, tudo é pensado para compor uma atmosfera sufocante e até mesmo claustrofóbica.

Até esse momento, o filme poderia ser classificado como “morno”, mas as coisas se incendeiam quando George se envolve com a dona de um bar. Ele vai até o apartamento dessa mulher para momentos mais íntimos, mas se irrita um pouco com algo que ela diz sobre um ex-parceiro. Então George é tomado por algum tipo de força demoníaca. Agora, ele parece ter poderes paranormais, e eles são fortes o bastante para destruir o apartamento e obrigar sua dona a cortar a própria barriga de fora a fora (sim, é exatamente isso, o bom e velho gore chegando silenciosamente e com uma força brutal!).

George acorda desorientado do que acredita ser mais um pesadelo e vai até uma lanchonete, para o desjejum. Enquanto espera sua comida, ele lê no jornal sobre a mulher morta, a mesma que ele conheceu na noite passada. Mas George não se lembra de ter feito nada com ela, sua memória parece fragmentada, confusa entre os sonhos e a realidade. Quando ele conversa com a psiquiatra, a médica começa a sangrar pelo nariz, e George sente que foi ele, que de alguma forma, seus poderes ou sua maldição fazem essas coisas terríveis.

Em sua rota de desorientação, George segue atacando pessoas ou grupos de pessoas, e não fica claro em momento alguma separação entre o que se passa na cabeça de George (ou sua paranormalidade ou estado de possessão) e a realidade. Esse é outro mérito do filme, manter esse estado de confusão constante na audiência.

E confundidos ou não, somos bombardeados por sequências gore cada vez mais potentes, cenas que habitam o limite de nossa resistência (me contem depois que vocês presenciarem a cena do açougue).

No decorrer do filme, conhecemos um George doce, gentil, educado, alguém que você poderia confiar. Ele parece ser a maior vítima dessa história, inconsciente ou impotente diante da inteligência assassina que, talvez, seja parte dele mesmo — um caso clássico de o médico e o monstro. Mas talvez, apenas talvez, esse filme ainda reserve algumas surpresas até a subida dos créditos.

Levando as possibilidades do filme mais além, George se sente impelido a encontrar seguidamente uma mulher e seu filho. Segundo George, ele não sabe como está indo parar nos lugares onde os encontra, mas sente uma estranha familiaridade, algum tipo de déjà-vu ou memórias adormecidas. George consegue conversar com essa mulher, e ela explica a ele que seu marido foi assassinado há poucos meses, na festa de Halloween próxima ao local onde George pleiteava seu suicídio. George continua sem entender coisa alguma, mas existe outra familiaridade: ambos, George e o marido dessa mulher nasceram no mesmo dia, em primeiro de abril.

Infelizmente, não podemos dizer mais nada ou arruinaremos sua experiência com esse ótimo filme. Mas podemos dizer que no marasmo atual nutrido de produções rasas, previsíveis e esquecíveis que vivemos, Retribution nos leva de volta para um filme inteligente, bem dirigido e cheio de reviravoltas.

Para nossa sorte, apesar de Retribution ser pouco conhecido, ele possui uma legião de apreciadores dedicados, e uma dessas boas almas disponibilizou o filme na íntegra, e em ótima qualidade, no Youtube. Tudo o que você precisa fazer agora é ativar as legendas e apertar o play. Ah sim: e não esqueça da pipoca!! Trailer aqui: