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The Believers: O que põe sua fé à prova também pode ajudar a encontrá-la

Horror religioso que merece estar nas suas orações

24/11/2023

Para um filme de terror, The Believers tem um início bastante luminoso. Manhã de sol, uma corridinha aeróbica, subúrbios americanos onde tudo parece aconchegante, previsível e seguro. Só parece…

Não demora muito e estamos na casa de Cal Jamison (Martin Sheen), que chegou de seu cooper matinal para um café da manhã com a família e a promessa de finalizar um restinho de ressaca da noite passada. Infelizmente para o nosso pai de família, tudo acabará muito mal nessa manhã gloriosa. Eis que agora teremos um gancho eletrizante para nos fisgar.

Baseado no romance The Religion, de Nicholas Conde, esse filme escrito pelo lendário Mark Frost e Dirigido por John Schlesinger recebeu por aqui o título Adoradores do Diabo, o que convenhamos, apesar da ausência do diabo in persona, não se distancia muito da verdade proposta pelo filme.

Depois de fisgados com uma cena chocante, somos lançados em um ritual, que a princípio podemos supor pertencer a uma raiz africana ou caribenha — é um pouco semelhante à forma apresentada como “vodu” em outros filmes da mesma época. Na cerimônia, três pessoas (um casal e seu filho, um menino) nos parecem um pouco deslocadas entre os seguidores do culto, mas tudo fará sentido na hora certa. Os tambores soam alto, as danças tribais provocam um frenesi. Animais são oferecidos em sacrifício.

E retornamos para o mundo de Cal Jamison (Martin Sheen) e seu filho Chris, que estão tentando reconstruir suas vidas. Cal é psicólogo, e atua a serviço principalmente da polícia, isso de certa forma age em contraponto quando sentimos uma presença ao redor dessa família, principalmente ao redor do menino, Chris. Presença essa que está em todo os lugares; entre os amigos, ante as colaboradoras de limpeza da casa (que naqueles anos nefastos eram chamadas de empregadas domésticas), entre os familiares.

Paralelamente, a trama segue com uma Nova Iorque infeccionada por extremistas religiosos — praticantes de sacríficos humanos e todo o catálogo das magias obscuras dedicadas ao andar de baixo. Policiais parecem enfeitiçados, outros policiais infiltrados estão enlouquecidos, muitos oficiais acreditam estar reféns de um mal maior. Quando os caminhos da psicanálise de Cal se encontram com um desses oficiais (Lopez, interpretado pelo monstrão Jimmy Smits), o filme atinge seu objetivo em contrapor ciência e fé. Lopez é praticante de uma religião chamada Santeria, nesse filme proposta como habitual entre os latinos dos bairros mais periféricos de Nova Iorque. Sobre Lopez paira a suspeita de um assassinato, e, a fim de ajudar a esclarecer o caso, Cal passa a se aprofundar no assunto Santeria e fica mais próximo dos investigadores da polícia.

Algumas imagens em The Believers são muito poderosas e incômodas, principalmente nas cenas de crime em que crianças foram assassinadas. Nesses quadros, sempre existe essa presença exótica, profana, diabólica. Existe muita familiaridade com grandes produções como The Devil’s Advocate e Constantine, mesmo com The Omen e The Serpent and the Rainbow, de Wes Craven. Com algum bom senso, o filme termina por desvincular a Santeria dos assassinatos, então podemos ficar à vontade para demonizar o tal culto satânico sem ofender a maioria das pessoas.

No encalço de Lopez, temos um vislumbre do poder das religiões sobre as pessoas, sobretudo sobre as mais humildes. Como brasileiros, conhecemos de perto essas sensações, o que torna esse filme uma visita ainda mais crível, táctil. Apesar das diferenças regionais, conseguimos facilmente nos vincular as ideias semeadas durante os tormentos espirituais de Lopez. Magia, benzimentos, rituais de proteção transmitidos de uma geração para a outra.

De forma muito inteligente, o filme nos confunde entre quem está do lado do bem e quem está do outro, e esse talvez seja um dos pontos-chave para nossa apreensão e atenção ao longo da produção. The Believers não é algo que você irá abandonar com facilidade, ou se desinteressar. Da mesma forma que Angel Heart fez com maestria, The Believers também nos sequestra até chegarmos as respostas que procuramos.

Mais ou menos na metade do filme, a trama envereda para um lado mais corruptível e humano, representado aqui pelos ricos e poderosos. Existe essa ONG que aparentemente resgata crianças em situação de risco, mas algo não está certo nas pessoas no comando, e dessa forma passamos a desenhar em nossas mentes o real poder a ser combatido, mesmo com a ambiguidade na qual o filme nos faz mergulhar seguidas vezes.

Desse ponto em diante, o longa recebe um tom de terror definitivo com mortes, possessões espirituais, loucura e o bom e velho (e traumático) horror corporal. O gore é bastante infrequente e pontual durante o filme, mas quando aparece, ele nos choca por sua veracidade.

Com um elenco, produção e roteiro de primeiríssima linha, The Believers não pode ficar de fora de sua lista de filmes de horror religiosos, e merece um lugar ao lado dos clássicos, mesmo com suas “patinadas sociais” em alguns pontos da trama. Essa também é uma característica interessante inclusive, por ser um filme fiel à sociedade de seu tempo, The Believers deixa perfeitamente claros alguns comportamentos e visões distorcidos da época. No final das contas, esse é um filme sobre poder, e sobre até onde algumas pessoas podem ir para conquistá-lo.

Aliás, o filme tem um final super instigante, que mais uma vez nos faz mudar nossa compreensão sobre os poderes ocultos e desejos envolvidos nessa história. Agora, se você não acredita em mim e quer testar sua fé por si mesmo, sugiro começar por esse trailer: