Há uma espécie de consolo e uma amarga ironia em acreditar que as dificuldades sempre serão uma oportunidade de redenção, de crescimento. Para Úrsula Francisco, a arma com a qual seu marido Ronaldo ameaçava sua vida e a de seu filho diariamente foi justamente o instrumento que lhe devolveu a mesma vida quando ela a disparou e matou seu agressor.
LEIA TAMBÉM: ELAS EM LEGÍTIMA DEFESA: CONTUNDENTES HISTÓRIAS REAIS
Mas a história de Úrsula é uma exceção à triste realidade que destrói lares todos os dias no Brasil. Somente em 2017, 4.936 mulheres foram mortas no país, o que contabiliza cerca de 13 assassinatos de mulheres por dia, segundo o Atlas da Violência publicado em 2019. Destas, 88% das mulheres são mortas pelos companheiros ou ex-companheiros.
O desfecho da história de Úrsula é trágico e envolveu um exaustivo processo até que ela conseguisse provar que tinha agido em legítima defesa, sendo absolvida cerca de seis anos após ter se defendido do marido pela última vez. A história desta sobrevivente é uma das que compõem o livro Elas em Legítima Defesa, publicação de Sara Stopazzolli com a pesquisa utilizada na produção do documentário Legítima Defesa, lançado em 2017.
LEIA TAMBÉM: ELAS EM LEGÍTIMA DEFESA: CONHEÇA O DOCUMENTÁRIO QUE INSPIROU O LIVRO
Além de compartilhar a sua história, Úrsula Francisco decidiu se dedicar mais à causa e hoje trabalha ativamente para que menos mulheres precisem passar pelo que ela vivenciou em seu casamento. Depois de sua absolvição, ela cursou a faculdade e se formou em Serviço Social, é pós-graduada em Violência Doméstica, e está cursando Direito.
Em uma entrevista ao DarkBlog, Úrsula divide sua visão sobre o cenário de violência doméstica e conta como a sua vida se transformou desde que se libertou de um relacionamento que era uma ameaça constante a sua vida.
DarkSide: O que mudou na sua vida após compartilhar sua história no documentário e no livro?
Úrsula Francisco: Com a minha história eu pude ajudar muitas mulheres que sofrem com a violência doméstica. Pude mostrar para elas que eu superei. Que eu estive sim no fundo do poço, sofri violência de vários tipos, matei meu marido… mas eu superei. Eu fiz uma faculdade, hoje sou pós-graduada em Violência Doméstica e consegui sair desse poço. Embora eu tenha ficado bem mal psicologicamente, hoje tenho essa lição de superação para passar adiante. Quero que elas vejam a minha história, que se espelhem em mim, não pelo ato que cometi, mas sim pela minha superação.
D: Qual a importância de discutirmos os temas do livro e do documentário durante a pandemia?
ÚF: Houve um aumento de violência doméstica durante a pandemia, de maneira absurda. O documentário e o livro apresentam temas fortes e polêmicos, mas que precisam ser sempre divulgados e falados para todas as idades. Isso ajuda na conscientização, mas não vai fazer com que a violência contra a mulher pare. O que precisamos é de penas punitivas severas para esses casos. Muitas vezes, o denunciado não é preso, somente quando ocorre o flagrante da violência. Então, por isso, a divulgação destes materiais ajuda na conscientização para que esses casos não cheguem ao extremo.
Mas, da mesma forma que muitos me apoiaram quando viram o documentário, eu também fui muito julgada e criticada. Muitos acham que eu matei o meu marido pra conseguir dinheiro do seguro, ou que eu tinha um amante. As pessoas fantasiam muitas coisas. Mas é através da divulgação do documentário ou do livro, e das palestras e encontros que eu participo que consigo ajudar. Quando eu posso falar da minha história pra alguém as pessoas entendem que é possível sair dessa situação. Posso mostrar para uma mulher que sofre violência que eu venci. Não incentivo ninguém a atirar em seus companheiros, pelo contrário. Eu paguei um preço muito alto por isso, mesmo sendo absolvida sumariamente. Eu incentivo a conversa, o diálogo.
LEIA TAMBÉM: ISOLAMENTO SOCIAL DISPARA CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
D: Você acha que hoje em dia os jovens contam com mais informação sobre os perigos de uma relação abusiva?
ÚF: Hoje os jovens contam com mais informação sobre os perigos de uma relação abusiva. Por conta do aumento do feminicídio, as campanhas contra a violência de gênero foram ampliadas. Hoje existe uma grande rede de anúncios e propagandas de suporte para as mulheres que sofrem abusos. E eu sempre costumo dizer que a educação é que vai fazer com os jovens entendam a questão das relações abusivas.
D: O que, em sua jornada de superação, você encontrou para aplacar a dor que declarou estar fadada a carregar para o resto da vida?
ÚF: Olhar para o meu filho e ver que eu consegui salvar a vida dele e a minha também. Isso pra mim me ajudou muito a superar a dor que eu sentia pelo ocorrido, por ter praticado o ato de homicídio. É muito bom poder olhar para o meu filho hoje e ver que ele é um homem feito, que constituiu uma família e que nós dois superamos tudo isso. Eu já não sinto mais a mesma dor que sentia quando falei no documentário, porque agora olho pra mim e pra ele e vejo que estamos vivos e que conseguimos superar.
Também a minha graduação, o fato de eu ter conseguido concluir a faculdade do curso que eu queria fazer. Eu falei pra mim mesma que, quando eu superasse isso tudo, me recuperasse emocionalmente e fosse absolvida da justiça, que eu iria fazer uma faculdade de Direito para escrever um livro e ajudar as mulheres que não têm condições de ter apoio jurídico. E eu realizei um dos meus sonhos, que foi terminar a faculdade de Serviço Social, e ainda vou, em nome de Jesus, conseguir divulgar meu livro.
O trabalho que eu tenho feito em defesa das mulheres também me dá forças. Ajudar o próximo, principalmente na questão da violência de gênero, e orientar as pessoas que me procuram me fortalece também.
D: Como tem sido a sua atuação defendendo mulheres que enfrentam o mesmo problema?
ÚF: Eu não paro nunca. Sempre que posso, estou ajudando alguém. Meu telefone está sempre ativo para ajudar as minhas amigas ou mulheres que me procuram. Uma vez, era meia-noite quando uma amiga me ligou pedindo socorro porque o ex-marido tinha entrado na casa dela pra tentar matá-la. Então estou sempre à disposição. Minha atuação nessa causa vai ser pro resto da vida e, sempre que eu puder, quero ajudar alguma mulher a lutar pela justiça e por sua sobrevivência.
D: O que você diria hoje para a Úrsula do passado, na época em que notou os primeiros sinais de alerta em Ronaldo?
ÚF: Eu tinha que ter procurado ajuda, mas o medo… Por falta de conhecimento na época, eu não sabia dos meios e veículos que existiam para denúncias de violência contra a mulher. Talvez se eu o tivesse denunciado ele não precisaria ter morrido.
D: Você daria alguma orientação para mulheres que estão passando por situações violentas em seus relacionamentos? Qual seria?
ÚF: A primeira orientação que eu dou quando algumas mulheres me procuram é que procurem a delegacia de mulheres. E também encaminho para a Coordenadoria de Mulheres que tem aqui em Nova Iguaçu (RJ).
LEIA TAMBÉM: ELAS EM LEGÍTIMA DEFESA: CONHEÇA A INSTITUIÇÃO AMAC
Caso você seja vítima ou conheça alguma mulher vítima de violência, não se silencie. Disque os números 190 (Polícia Militar), 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 100 (Disque Direitos Humanos). Vale lembrar que vizinhos e testemunhas também podem fazer a denúncia em nome da vítima.
Os jurados do 7º Prêmio Jacarandá sentiram a potência das ferroadas da obra de Irka...
De um lado temos o Cavaleiro das Trevas, o Morcegão que conquistou os quadrinhos e os...
Depois de um livro, lançado no Brasil pela DarkSide® Books, e de dois filmaços —...
Ninguém pode promover o bem-estar literário da escritora negra melhor do que ela...
Dorothy, Espantalho, Homem de Lata, Leão, Bruxa Má do Oeste e, claro, o próprio...
0 Comentários