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A Criatura do Cemitério e o lendário gore de Stephen King

"Nós iremos para o inferno juntos"

26/05/2023

Se existe um subgênero do horror que foi atacado e subestimado ao longo dos séculos e conseguiu resistir e se solidificar como um dos pilares indestrutíveis do cinema de horror ele é o gore. Para os corações mais puros e não totalmente alfabetizados no gênero, o gore compreende a tríade: sangue, cortes e depravação e uma porção generosa de gritos, vísceras e sofrimento.

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Longe de ser unanimidade, o gore não encontrou acolhimento nem mesmo em seus anos dourados, um período compreendido entre os anos 1975 e 1990. Quase sempre, era um subgênero tão mal visto pelos frequentadores de videolocadoras quanto a pornografia. Esse não foi o caso da Firestar, que sempre manteve um pedaço considerável da prateleira horror dedicada ao gore. E era nesse espaço discreto e bem próximo ao chão (para não ser ofensivo aos olhares da clientela despreparada) que ficava um dos filmes baseados em Stephen King mais injustiçados da história. Falamos de A Criatura do Cemitério, longa de 1990 baseado no conto “The Graveyard Shift”, publicado na coletânea The Night Shift (Sombras da Noite no Brasil. Falamos de adaptações desse livro em The Mangler, e adianto que não pretendo parar tão cedo).

E como estamos falando do homem, vamos gastar mais algumas letras com Steve.

Bem, todo fã de Stephen King sabe (ou deveria saber) que ele não gostou nada da adaptação de O Iluminado que ganhou o mundo pelas mãos frias de Stanley Kubrick, e o rei disparou críticas parecidas sobre esse filme aqui. Enfim… opinião não se discute, mas na opinião de muitos, o criador original estava errado mais uma vez.

graveyard shift

A Criatura do Cemitério parte de uma premissa simples de funcionários de uma tecelagem sendo explorados pelo empregador e obrigados a participar de uma operação de limpeza nos porões esquecidos da fábrica. A tecelagem em questão (filmada na companhia têxtil real mais antiga dos Estados Unidos), gentilmente rebatizada de “Fábrica Têxtil Bachman”, fica ao lado de um cemitério, e abriga criaturas nojentas, selvagens e famintas: ratos. É… você já percebeu que não estamos falando do Mickey…

a criatura do cemitério

Diz a lenda que na ocasião da escrita de Salem’s Lot, King havia desenvolvido uma certa fixação por ratos, obstinação que ainda viria a perdurar em alguns de seus textos mais nojentos, e seria usada outro punhado de vezes em adaptações audiovisuais (entre outras aparições, os ratos ganham um papel de destaque em 1922 que está no catálogo da Netflix, fizeram uma ponta em The Stand, e também em If it Bleeds, coletânea mais recente do homem, na qual existe um conto chamado “Rat”). Mas o fato é que as cenas mais repugnantes envolvendo roedores em Salem’s Lot ficaram de fora das produções da época, por serem ofensivas demais à grande parte do público. Já em A Criatura do Cemitério, todos querem que o público tenha um infarto. Existem ratos no começo, no meio e no fim, ratos mordendo e sendo desfiados, ratos como alvo de estilingues e latinhas de Pepsi-Cola. Ratos que são o Titanic dos ratos, o Everest dos ratos, o anjo vampírico de todos os ratos!

a criatura do cemitério

Outro ponto super interessante do filme é que nessa fase Stephen King mergulhava em um horror urbano, mundano, e isso se refletia nas diferentes esferas das relações de trabalho. Perseguições, assédio sexual, assédio moral, e mais todo o catálogo de assédios de qualquer apostila de sindicato. Invariavelmente, o “patrão” encarnava o mal pela óptica de King, e essa criatura arrogante, abusiva e prepotente, viria a ser aniquilada nos momentos finais do livro. Nas escolas, no mercado imobiliário e nos necrotérios, era a vez do proletariado rir por último.

Tem mais? Temos sim.

No filme A Criatura do Cemitério, a direção de Ralph S. Singleton imerge o espectador em um horror evolucionário estranho, que também leva o rótulo de eco-horror ou horror ecológico, flertando com muitos pensamentos transtornados de H.P. Lovecraft, mas mantendo o pé no mundo terreno. Os ratos dessa produção são gigantescos, deformados, verdadeiras criaturas mutantes que se desenvolveram em décadas de involução venenosa. Eles comem algodão, comem gente e comem até si mesmos se estiverem com muita fome. As cenas gore são de uma grosseria absoluta, com sangue, tripas e pelos de rato sendo jogados na cara do espectador seguidas vezes. Os efeitos práticos são datados, mas bastante críveis, o que gera uma experiência maravilhosamente irritante aos nossos olhos e estômagos.

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Mas o mais irritante provavelmente é o comportamento de Warwick, o encarregado sádico que coleciona casos amorosos e abusos com as funcionárias da tecelagem. Esse é o típico filme onde você fica em dúvida para quem torcer, oscilando entre os demônios roedores e os humanos um pouco mais podres, no caso, Warwick e alguns outros funcionários do seu clã. O grande herói é John Hall, que acabou de chegar à cidade viúvo e azedo e está tentando reconstruir sua vida no lugar errado. John ganha nossa simpatia imediatamente, pois é um dos únicos a confrontar a tirania testosterônica de Warwick.

a criatura do cemitério

Se tudo isso ainda for pouco para motivar você a caçar essa pérola gore, vamos aos brindes de elenco.

Nesse filme Andrew Divoff (que viria a se eternizar como um Djinn em O Mestre dos Desejos) é um funcionário durão chamado Danson, Warwick é interpretado pelo astro dos anos 1990 Stephen Macht, e temos Brad Claude Dourif (o nada mais nada menos que protagonista original e alma eterna do brinquedo assassino Chucky) como o exterminador de pragas Tucker Cleveland. Enquanto Danson é um personagem menos explorado, Tucker masca tabaco, usa coque de samurai e tem momentos dignos de apreciação. Existe um diálogo nesse filme em que Tucker fala sobre o Vietnã e podemos ver toda a sua loucura brotando pelos olhos, só isso já valeria o ingresso, mas o ator nos entrega muito mais, carregando algumas passagens do longa literalmente nas costas. No destaque feminino, Kelly Wolf passa credibilidade resistindo aos ataques de Warwick e trabalhando duro no meio dos detritos orgânicos, crânios e demais funcionários perturbados da fábrica.

a criatura do cemitério

Por essas e muitas outras razões, A Criatura do Cemitério envelheceu muito bem, consolidando-se como expoente de alguns subgêneros que só receberiam seu devido valor décadas mais tarde. Meu conselho é que você corra atrás dessa VHS e aperte o play, e nas palavras de Warwick: “Nós iremos para o inferno juntos!”

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Sobre Cesar Bravo

amplificador cesar bravoCesar Bravo é escritor, criador de conteúdo e editor. Pela DarkSide® Books, publicou Ultra Carnem, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, DVD: Devoção Verdadeira a D., 1618 e Amplificador.

4 Comentários

  • Evandro Cardoso

    29 de maio de 2023 às 12:33

    Acho que até já soube da existência dessa adaptação, mas se soube, esqueci.
    Muito obrigado por citar, ótima matéria!
    Será um dos próximos filmes que verei!

  • Marhja

    31 de maio de 2023 às 06:24

    Hahahaha… Que demais essa matéria. O filme nem paree ser tão interessante, mas a forma que o texto foi redigido, me divertiu muito… Me identifiquei… Tem um tom se sarcasmo, humor e drama… hahahahaha. Parabéns ❤️

  • Juvanildo Cabral dos Santos

    3 de junho de 2023 às 11:30

    Já assisti esse filme nos tempos dos videocassetes. Muito bom! Como tambem já assisti todas as adaptações de Stephen King, até agora! Estou esperando as novas. The Boggeyman é o próximo, apesar de já ter assistido um curta metragem desse filme.

  • Afonso Ferreira Firmo

    5 de junho de 2023 às 17:04

    Exelente filme . Mas ainda prefiro cemitério maldito.

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