A honestidade de Brian Fies em sua HQ Mamãe está com Câncer é o que mais prende o leitor à sua obra. Tanta verdade existe nas páginas da graphic novel porque ela surgiu de uma história que o quadrinista viveu quando sua mãe foi diagnosticada com câncer.
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Este episódio triste e assustador foi o que levou o artista e escritor a se dedicar de vez à sua paixão: os quadrinhos. Isso porque Brian tinha se formado em Física e trabalhado por um bom tempo como jornalista. A escrita sempre fez parte de sua vida profissional de certa forma, mas os desenhos eram algo paralelo, que ele levava como freelancer e também como hobby.
Casado com sua esposa Karen e pai de duas filhas adultas, o Brian Fies mora próximo à São Francisco, na Califórnia, e fez de Mamãe está com Câncer uma espécie de terapia para o que ele e sua família estavam enfrentando. Publicada inicialmente como uma webcomic, a obra logo fez tanto sucesso que recebeu até o Eisner Award, um dos maiores reconhecimentos no mundo dos quadrinhos.
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Após a publicação da versão brasileira da HQ no Brasil pelo selo Graphic Novel da DarkSide® Books, Brian Fies concedeu uma entrevista exclusiva ao DarkBlog, compartilhando um pouco do processo de criação de Mamãe está com Câncer e deixando uma mensagem poderosa aos leitores brasileiros que estão passando por algo parecido:
DarkBlog: Esta é a primeira oportunidade que leitores brasileiros têm de conhecer o seu trabalho. Você pode falar um pouco de você e da sua trajetória?
Brian Fies: Eu moro perto de São Francisco, nos Estados Unidos, e segui diferentes carreiras, ao mesmo tempo em que tentava me tornar escritor e cartunista. Depois de ter me formado em Física na faculdade, trabalhei como repórter de um pequeno jornal local. Depois disso, trabalhei como químico ambiental e então como escritor científico. Em todos estes empregos eu também trabalhava paralelamente como ilustrador, escritor e cartunista freelancer. Minha esposa, Karen, e eu temos duas filhas adultas.
D: Mamãe está com Câncer é seu primeiro trabalho com quadrinhos? Conte-nos mais sobre a sua carreira nesta área.
BF: Quando eu era jovem tentei me tornar um cartunista profissional ou autor de quadrinhos. Como acontece com muita gente no ramo criativo, não deu certo. Então trabalhei com outras coisas para sustentar a mim e à minha família, mas sempre continuei a escrever, desenhar e aperfeiçoar minhas habilidades. Quando minha mãe foi diagnosticada com câncer eu me dei conta de que uma história em quadrinhos seria a forma perfeita de contar a história da nossa família. Eu já tinha feito pequenas vendas como quadrinista, mas Mamãe está com Câncer foi meu primeiro livro e o primeiro grande sucesso.
Depois de Mamãe está com Câncer publiquei outro livro (em inglês), com o título Whatever Happened to the World of Tomorrow, sobre a cultura popular na Era do Espaço, e sobre como a sociedade transformou a ciência do otimismo para o pessimismo. Eu também fiz uma grande webcomic intitulada The Last Mechanical Monster, sobre um velho e seu robô gigante. Em 2017, a minha casa, assim como milhares de outras, foram incendiadas em uma tempestade de fogo, e eu escrevi um livro sobre isso chamado A Fire Story. Atualmente estamos trabalhando em uma nova edição deste livro, com material inédito. Também tenho obras futuras em produção. Infelizmente, ainda não sei de planos para traduzir outras obras para o português, mas eu adoraria que isso acontecesse.
Sou um bom exemplo de que pessoas que têm paixão por fazer arte nunca deveriam parar de tentar, porque você nunca sabe o que pode acontecer.
D: A graphic novel é autobiográfica, baseada na história da sua família e da sua mãe. Como foi o processo de escrever sobre esta jornada?
BF: Eu considerava importante que eu fosse o mais honesto possível. Depois de me formar na faculdade, meu primeiro emprego foi como repórter para um pequeno jornal na Califórnia. Também escrevi muitos artigos em diversas revistas e outras publicações. Eu encarei Mamãe está com Câncer, e todas as minhas demais obras, como um trabalho jornalístico. Eu sabia que o livro só seria interessante e útil se fosse completamente verdadeiro. E isso também se aplica às partes que são obviamente fantasiosas ou metafóricas, como aquela em que eu e minha irmã nos tornamos super-heróis ou aquela em que minha mãe anda sobre a corda-bamba. Tudo é verdade, até as partes que eu inventei! Foi ao mesmo tempo mais difícil e mais fácil do que se imagina. Mais difícil porque, por ser jornalista, eu tinha que prestar bastante atenção e compreender o máximo que pude. Mais fácil porque escrever sobre determinada situação lhe ajuda a se distanciar um pouco dela, eu acho. É quase como se estivesse acontecendo com outra pessoa quando você começa a transformá-la em uma história. Até hoje eu vejo as pessoas na minha família e as personagens como duas coisas separadas.
D: Apesar de o resultado ter sido uma obra vencedora de prêmios, o processo de criar a graphic novel não deve ter sido fácil. Como trabalhar neste quadrinho o ajudou a lidar com o que estava acontecendo na sua vida?
BF: Quando eu disse à minha esposa Karen que estava trabalhando em Mamãe está com Câncer ela disse: “Bom, pelo menos será uma boa terapia para você”. E eu acho que ela estava certa. Se você vai escrever sobre alguma coisa, você precisa compreendê-la primeiro. Por que aconteceu? Você se surpreendeu com o que aconteceu? Por que a reação da minha família era tão diferente do que eu esperava? Você precisa primeiro responder a estas perguntas antes de poder colocá-las no papel.
Escrever e ilustrar também levam bastante tempo, e você deve manter aqueles dias terríveis na sua mente enquanto está trabalhando no material. Eu acredito que isso pode mudar o processo e a cura pelos quais a maioria das pessoas passa. Se você não cuidar, pode ficar preso naquilo. Na época em que estava finalizando o roteiro de Mamãe está com Câncer eu estava esgotado de tentar observar tudo e também de sobreviver aos dias com minha mãe e minha família. É difícil prestar atenção em tudo o tempo inteiro!
D: O que sua mãe e sua família acharam de você compartilhar esta experiência com o resto do mundo pela internet?
BF: No começo eu estava bem receoso, porque comecei a publicar a webcomic de forma anônima. Não assinei e minha família não sabia o que eu estava fazendo. Mas quando viralizou eu acabei contando a eles. Felizmente a minha mãe adorou! Se ela não tivesse gostado tanto, se isso tivesse lhe causado tristeza ou ansiedade, eu teria abortado o projeto por completo. Eu acho que minha mãe viu a HQ como algo bom que pode surgir de experiências terríveis. Ela me disse: “Mal posso esperar para descobrir o que acontece a seguir!”. Minhas irmãs, meu pai e outras pessoas me disseram que não lembravam dos fatos exatamente da mesma forma que eu, mas respeitaram que eu precisava contar a minha história do meu jeito e entenderam o porquê. Depois de um tempo, eu acho que até se orgulharam disso.
D: Como você escolheu quais conversas e quais momentos da história seriam ilustrados?
BF: Conforme eu e minha família passávamos por várias dessas experiências eu fazia anotações. Eu anotava o que acontecia e às vezes fazia pequenos desenhos com isso, daí deixei os rabiscos de lado por algumas semanas. Eu precisava de perspectiva para saber quais anotações contribuiriam com a história e quais não. Editei sem clemência. Eu me lembrava frequentemente de que, apesar de eu ser um personagem na história, ela era sobre a minha mãe, não sobre mim. Se determinada anotação não contribuísse diretamente com a história dela, eu tirava. E eu tirei várias.
Há partes no livro que mostram a mim ou minha família se comportando mal. Por exemplo, eu não me orgulho de ter ficado bravo por pacientes com câncer que fumavam do lado de fora da clínica. Eu sei que deveria ter mais compaixão. Mas foi meu sentimento sincero naquele determinado dia, e estas são as passagens do livro que os leitores mais gostam.
Sinceramente, há alguns detalhes que deixei de fora porque causariam muito constrangimento à minha mãe. Ela amou Mamãe está com Câncer e eu nunca faria algo para magoá-la. Com outras pessoas me importei menos com seus sentimentos.
D: Por fim, você gostaria de deixar uma mensagem para seus leitores no Brasil que estão passando pela mesma experiência que você viveu?
BF: Ninguém irá lutar mais bravamente do que você consegue. Você deve ser a sua própria defesa. Não confie em médicos e enfermeiras que lhe dirão o que fazer e não se preocupe em ser legal. Você está lutando para salvar a si mesmo, não para fazer amigos. Você irá precisar de ajuda. Mais importante: alguém deveria ajudar fazendo anotações em consultas médicas, mantendo uma agenda e garantindo que as coisas sejam feitas. O paciente estará sobrecarregado. O marido de uma amiga recentemente foi diagnosticado com câncer e ela me perguntou o que deveria fazer. Eu disse a ela que agora o trabalho dela era ser a gerente de projetos do câncer. Mais tarde ela me disse que foi o melhor conselho que tinha recebido.
Desejo aos meus leitores no Brasil tudo de melhor e espero que eles não se sintam mal por não serem perfeitos ou por cometerem erros. Às vezes o melhor que você pode fazer é apenas chegar ao final do dia. Nada muito extravagante, apenas sobreviver a mais um dia. Eles estão fazendo o melhor que podem com esta situação ruim e com as informações incompletas que recebem. Se derem sempre o melhor de si, irão olhar para trás sem arrependimentos.
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