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Caveira Viu: O Corvo

Longa se afasta do filme de 1994 e também da HQ original

26/08/2024

Dirigida por Alex Proyas e estrelada por Brandon Lee, a primeira adaptação dos quadrinhos de James O’Barr, O Corvo, chegou aos cinemas em 1994. Com uma estética gótica acompanhada de uma trilha sonora emblemática, o filme foi extremamente bem sucedido ao transpor para as telonas os sentimentos da obra original, ao mesmo tempo em que conseguiu trilhar criativamente um caminho próprio. Além disso, a trágica morte de Lee durante as filmagens contribuiu para que o longa ganhasse uma aura própria, tornando-se uma das produções mais emblemáticas da década de 1990. 

LEIA TAMBÉM: O Corvo: Dos quadrinhos ao cinema

Não demorou muito para que o sucesso da primeira adaptação originasse uma franquia de filmes e até mesmo uma série de televisão. Contudo, nenhuma dessas produções chegou perto de emular o impacto do filme de 1994. Marcado pela tragédia dentro e fora das telas, O Corvo de Proyas e o Eric Draven de Lee acabaram enraizados na cultura pop e em nosso imaginário coletivo como a versão definitiva dos icônicos quadrinhos

Quando em 2008 foi anunciado que a história ganharia uma nova versão, muitos fãs torceram o nariz. No entanto, ninguém imaginava que o longa demoraria tanto tempo para chegar aos cinemas. Após anos de espera, o projeto, que foi marcado pela troca constante de diretores e atores, finalmente foi para frente em 2020 quando Rupert Sanders assumiu a direção. Eis que em 2024 o mundo enfim conheceu a nova versão de O Corvo, desta vez com Bill Skarsgård assumindo o papel que um dia pertenceu a Brandon Lee. 

o corvo

O Corvo que não era O Corvo

Desde que se envolveu com o projeto, o cineasta Rupert Sanders afirmou que queria criar algo diferente, partindo diretamente da história de James O’Barr e focando em temas como tristeza, moralidade e melancolia. Para sermos justos, Sanders assumiu uma tarefa difícil. Não apenas o projeto se mostrou turbulento desde seu anúncio em 2008, como também possuía um antecessor amado por muitos fãs. Todos sabiam que seria difícil criar um sucessor à altura do filme de 1994.  

Quando o trailer de O Corvo foi divulgado, percebemos que Sanders manteve a palavra quando disse que desejava explorar um novo material, levando a franquia para outros caminhos. Com roteiro de Zach Baylin e William Schneider, a refilmagem conta a história de Eric Draven (Skarsgård) e Shelley (FKA Twigs), um jovem casal que se conhece e se apaixona perdidamente durante sua estadia em um centro de reabilitação.

No entanto, o amor dos dois é brutalmente interrompido por Vincent Roeg (Danny Huston), um senhor do crime conectado ao passado de Shelley, que envia seus capangas para rastrear a jovem.  Após ser assassinado junto da amada, Eric ganha uma segunda chance e inicia então uma vingança impiedosa, atravessando as fronteiras entre os mundos para corrigir as coisas. 

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Embora a estrutura narrativa pareça a mesma, o filme de Sanders segue uma direção bastante diferente da trilhada pelo longa de Alex Proyas. Isso por si só não é problema nenhum, afinal refilmagens devem partir de novos materiais e buscar seu próprio tom e originalidade. Contudo, é justamente nessa tentativa de se afastar a qualquer custo do filme de 1994 que o longa também se afasta de seu material de origem: os quadrinhos de James O’Barr. No fim, O Corvo não sabe bem para onde quer ir e a ânsia de fazer algo diferente o transforma em um filme vazio, sem sentimentos e que perde completamente a mensagem por trás da história de Eric e Shelley.

O roteiro até encontra algumas inovações interessantes pelo caminho. Diferentemente de seu antecessor, o filme presta mais atenção na relação entre Eric e Shelley, destinando grande parte da trama para a construção do romance entre os dois. Enquanto isso funciona para dar maior dimensão à personagem de Shelley, também ocasiona um enorme descuido perante os outros aspectos da história, que acabam mal construídos e confusos. São cenas sem propósito, transições estranhas, personagens pouco marcantes e uma ação que chega tarde demais. 

Mas esse não é nem de longe o maior problema de O Corvo. Ao tentar inovar a história com questões de tonalidade religiosa — como céu e inferno, salvação e maldade — o filme se afasta tanto do material de origem que acaba irreconhecível. A introdução de um misterioso vilão com essência sobrenatural cria um efeito colateral que apaga a questão da violência banal e humana que acerta em cheio Eric e Shelley. 

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A partir disso, o protagonista tem sua ressurreição e dor deixadas de lado, assim como o próprio corvo que o acompanha também o é. Eric termina transformado em um vingador despido de emoções que cruza o reino espiritual e se cura rapidamente tal qual um super-herói moderno. São essas escolhas que fazem a refilmagem perder grande parte das mensagens dos quadrinhos de O’Barr, falhando miseravelmente em ser uma história sobre luto, redenção e culpa.

Para sermos otimistas, Bill Skarsgård funciona enquanto uma nova e modernizada versão de Eric Draven. No entanto, os personagens ao seu redor são tão esquecíveis e mal aproveitados que o protagonista em si também perde seu impacto, não possuindo os momentos melancólicos e atormentados do personagem.

A própria tragédia que recai sobre o jovem casal perde sua potência quando somos levados ao reino espiritual junto com Eric e descobrimos que existe a possibilidade de retorno à vida. Essa talvez seja uma das maiores atrocidades dessa refilmagem. Afinal, O Corvo nunca foi uma história sobre voltar à vida, mas sim sobre fazer as pazes consigo mesmo e lidar com a culpa e a dor causadas pela perda

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Por outro lado, Rupert Sanders acerta em fazer um filme mais violento e com muito, mas muito, derramamento de sangue. Contudo, a ação e a violência demoram tanto a acontecer, aparecendo em um apressado terceiro ato, que desembocam em cenas vazias que não causam efeitos nos espectadores. Sem estabelecer nenhum contexto com anseios e questões contemporâneas, a personalidade do longa demora tanto a vir que quando finalmente chega já é tarde demais. 

Tudo isso contribui para que, no fim, O Corvo seja um filme esquecível, perdido entre tantos outros fracassos da franquia. Mostrando que nem toda história precisa de uma refilmagem, a produção de Sanders tropeça em suas próprias mudanças e acaba se firmando como um longa artificial e asséptico, que traz uma história rasa que está longe de ser a versão reimaginada que Eric e Shelley mereciam em 2024. Infelizmente, essa vontade em trazer uma visão ousada para os quadrinhos de O’Barr transforma a refilmagem em algo desinteressante e sem vida, que talvez merecesse, e até se beneficiasse de, ser intitulada de qualquer outra coisa menos O Corvo.

LEIA TAMBÉM: A simbologia do corvo em diferentes culturas

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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