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Esqueceram de Mim é um filme de terror e podemos provar

Invasão, tortura e sadismo no clássico de Natal

21/12/2023

Época de Natal é tempo de rever aqueles clássicos natalinos que você jura que não aguenta mais, mas que se estiver dando bobeira na TV você acaba assistindo. Um deles é Esqueceram de Mim, o longa estrelado por Macaulay Culkin que se tornou tão sinônimo de Natal quanto Papai Noel ou panetone.

Mas você já parou para pensar no que transforma esse filme escrito por John Hughes em algo tão atraente para crianças e tão inesquecível para os adultos? Ou melhor, você já parou para prestar atenção em alguns detalhes depois do raio problematizador dos nossos tempos?

Existe algum grau de transgressão em Esqueceram de Mim que ultrapassa o território da mera traquinagem. Um menino de 8 anos não apenas consegue se virar que nem um adulto como consegue afugentar dois bandidos de sua casa em seus próprios termos, que provavelmente já arrancaram boas risadas de você. Mas você já parou pra pensar em como muitos elementos desse filme mimetizam fatores que nos fascinam nos filmes de terror?

1. O medo do abandono

Ok, num primeiro momento a sua versão criança deve ter reagido que nem o Kevin do filme ao se dar conta de que a família tinha ido embora sem ele: “Uhul, a casa é toda minha!”. Principalmente após as tretas que tinham rolado no jantar na noite anterior — o que é um Natal em família sem essas tortas de climão, né?

Mas na prática, dar-se conta de que você é uma criança sozinha no mundo é assustador. Você depende dos outros para muitas coisas, sem contar a própria sensação de insegurança que vem com essa solidão. Esse medo tão comum às crianças rendeu até o filme Skinamarink, sobre duas crianças que se veem sozinhas em casa no que acreditamos ser o meio da noite.

2. O homem da pá e lendas urbanas

Desde pequenos somos incentivados a temer desconhecidos, frequentemente chamados de “estranhos”. Levando em consideração a quantidade de pessoas más pelo mundo, determinadas a causar mal às outras, em especial crianças, é uma ótima medida de segurança para repassar aos mais novos. Mas às vezes a cautela vai longe demais.

No começo do filme, o irmão mais velho de Kevin, Buzz, conta a ele sobre o homem com a pá limpando a neve das ruas. Buzz diz que o “Velho Marley” é um serial killer. A partir de então, o homem vira a principal fonte de medo de Kevin, principalmente quando ele se vê sozinho.

É bem provável que quando você era pequeno já tenha ouvido alguma história terrível sobre alguém que não conhecesse direito ou até alguma lenda urbana, como a do “Homem do Saco” ou dos palhaços que sequestravam crianças em uma Kombi (ou van, dependendo da versão que você ouviu). O “Velho Marley” se torna aquela ameaça que intensifica o medo em uma situação que já não é ideal, mais ou menos como no romance de Stephen King, Jogo Perigoso.

3. É um filme de home invasion

Não sei vocês, mas um dos meus maiores medos de infância era de que bandidos entrariam na minha casa no meio da noite. Tudo bem que os nossos problemas com violência urbana têm grande contribuição nisso, mas é bem provável que esse medo tenha tomado proporções maiores graças a Esqueceram de Mim. Possivelmente foi o primeiro filme de home invasion que eu vi na vida, e que mais tarde fui descobrir ser um subgênero bem popular do terror.

Os Estranhos, Uma Noite de Crime, Quarto do Pânico, Você é o Próximo, Nós… a ideia de que não estamos seguros nem na nossa própria casa é frequentemente explorada no terror em produções que vão fazer você checar mais uma vez se realmente trancou todas as portas e janelas. Kevin talvez não tivesse se dado conta de que estava em um filme de terror, mas os pais deles certamente imaginaram todos esses cenários dignos dos mais sanguinolentos slashers.

4. Sadismo, tortura e horror corporal

Agora vamos sair do mundo das possibilidades e ver tudo o que realmente acontece no filme, principalmente quando os assaltantes decidem invadir a casa dos McCallister. Algumas são até bem inocentes, como jogar plumas em cima deles e colocar uma corda para que eles tropecem — claro que o fato de isso estar perto de uma escada torna o tombo excepcionalmente perigoso. Mas Kevin tem surpresas bem piores no seu arsenal.

Ele transformou um grampeador em uma arma, fez com que eles pisassem em enfeites de vidro, atirou com balas de festim nas partes de um e no rosto do outro, deixou um prego estrategicamente para ser pisado por um deles após ter perdido o sapato (graças à supercola que Kevin colocou na escada), jogou latas de tinta na cabeça por um pêndulo, aqueceu a maçaneta, jogou um ferro de passar quente na cara e, a melhor (ou pior) de todas: preparou um lança-chamas para incendiar a cabeça de um ao abrir uma porta.

Tudo parece bem cartunesco e digno de desenhos como Looney Tunes ou Tom & Jerry, mas ver isso acontecer com pessoas de carne e osso é bem diferente, mesmo que na ficção. Sim, pensamos “bem feito” para os bandidos, eles não tinham nada que estar ali, e demos boas risadas porque ninguém morre. Mas pensando friamente, essas cenas não são muito diferentes do horror corporal do terror (ou você nunca desviou o olhar quando Marv pisa no prego?) e se tudo isso acontecesse na realidade, é bem provável que os vilões não tivessem sobrevivido. Mas um desfecho disso em um filme de Natal é melhor deixar para produções como Duro de Matar, não algo com classificação livre, não é mesmo?

5. Um aceno à aracnofobia

Vou destacar essa armadilha porque para algumas pessoas ela provavelmente foi a mais traumática de todas. Aquela cena em que a tarântula vai parar no rosto de Marv provavelmente causou arrepios até em quem não tem aracnofobia.

Para tornar tudo ainda mais assustador, aqui vai uma curiosidade de bastidor: sim, era uma aranha de verdade. O nome dela era Barry. E sim, ela era venenosa. O diretor Chris Columbus até tinha providenciado uma réplica de borracha, mas o ator Daniel Stern estava 100% comprometido com o longa e concordou em deixar a aranha andar sobre seu rosto e ainda deu aquele grito digno de homenagem a Psicose. Certamente uma cena que poderíamos ver no conto “Pavor”, de Clive Barker, que está em Livros de Sangue vol. 2.

6. Kevin tem várias qualidades de um vilão do terror

Você consegue pensar em que outro personagem do cinema conseguiria pensar em armadilhas tão bem elaboradas como as de Esqueceram de Mim? Eu só consigo pensar em Jigsaw e todas as arapucas da franquia Jogos Mortais. Kevin é rancoroso com sua família, assustou o entregador de pizza por puro sadismo e depois pensou friamente em maneiras de não apenas se proteger, mas de humilhar, torturar e, quem sabe, matar dois adultos. Enquanto ele poderia apenas ter ligado para a polícia desde o início.

Se isso não o transformasse em um vilão de filme de terror, provavelmente o tornaria em um daqueles sobrevivencialistas, prontos para sobreviver a qualquer ameaça em um mundo pós-apocalíptico. Mais ou menos como Laurie Strode na trilogia mais recente de Halloween, em que ela se preparou de todas as maneiras para o confronto final (?) com Michael Myers. Aliás, já imaginou se o assassino da franquia de John Carpenter decidisse invadir a casa dos McCallister? Esse crossover eu gostaria de ver.