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Leandro Durazzo: “O corpo do texto vem do corpo do mundo”

Palavras e antropologia se encontram na carreira deste tradutor de clássicos que estão de volta no LOOP DRKx.

03/03/2021

Entender idiomas é entender pessoas e culturas inteiras. Isso se torna ainda mais verdadeiro para Leandro Durazzo, tradutor de obras publicadas pela DarkSide® Books, cientista social, mestre em Letras, doutor em Antropologia Social e pós-doutorando nesta mesma área.  

LEIA TAMBÉM: JORNADAS PODEROSAS: AS CONEXÕES ENTRE OS LIVROS DO UNIVERSO DARKLOVE

Durazzo é pesquisador em estudos interculturais relacionados à etnologia indígena, à literatura e à esfera das religiões. Ele desempenha atividades com povos indígenas no Nordeste, em especial com refugiados venezuelanos de uma etnia indígena chamada Warao. Apenas algumas destas pessoas dominam o espanhol, uma vez que a maioria fala warao, sua língua própria. Com isso, o antropólogo acaba atuando como intérprete e mediador, já que as autoridades brasileiras por vezes têm dificuldade em se comunicar com estes refugiados.

Em sua carreira, Leandro Durazzo desenvolveu estudos das tradições Chan/Zen e Terra Pura do budismo de matriz chinesa, principalmente em relação ao seu contraste com dimensões socioculturais dos imaginários ocidental e brasileiro. Suas traduções envolvem trabalhos de língua inglesa, espanhola e chinesa.

Para a Caveira, ele já trouxe para a língua portuguesa os livros A Noiva Fantasma, de Yangsze Choo, Só os Animais Salvam, de Ceridwen Dovey, e Onde Cantam os Pássaros, de Evie Wyld, que estão de volta na campanha LOOP DRKx, além de outros títulos. As três obras, inclusive, estão com 20% de desconto* na Loja Oficial da Darkside com o cupom Durazzo20, até dia 09/03/21. Aproveite a oportunidade para conhecer essas histórias!

Em entrevista ao DarkBlog Leandro comenta como suas duas profissões – tradutor e antropólogo – se encontram e como se complementam.

DarkSide: Há quanto tempo trabalha como tradutor?

Leandro Durazzo: Profissionalmente, desde 2014. Mas antes disso eu vinha experimentando traduções fazia alguns anos, então hoje, 2021, dá pra dizer: mais de dez. Parece que foi ontem.

D: Como descobriu que essa era uma área que gostaria de atuar?

LD: Acho que foi Millôr (sempre que alguma coisa começa com “acho que foi Fulano” talvez não tenha sido, mas a história compensa) acho que foi Millôr quem disse, em entrevista, algo assim: “e como virou tradutor de Shakespeare?” perguntaram; “eu precisava pagar as contas,” respondeu. Eu descobri a tradução como uma área que me agradava profissionalmente porque precisava pagar contas, mas antes disso, bem antes disso, sempre fui de escrita. Então, traduzir é quase como escrever (tecnicamente, é exatamente como escrever), e a ideia de atuar com escrita, trabalhar com a palavra, foi sempre ou quase sempre algo que me interessou.

Na faculdade, lembro de uma palestra de Nilson Moulin, tradutor de, entre outros, meu preferido, Italo Calvino, em que a fala de Nilson me encantou do começo ao fim. Não lembro absolutamente nada do que foi falado, mas lembro perfeitamente do sentimento de “rapaz, olha só isso!” e de como foi agradável ter conversado com o tradutor depois do evento. Uma amiga na época sentenciou que eu viraria tradutor, isso ou algo parecido com isso, e na hora eu não dei bola. Haha! Mas pra essa resposta não terminar em piada, teve outra coisa que na mesma época me mostrou como o ofício da tradução é uma coisa assim de louco: as leituras que fiz de Paulo Rónai, um dos santos padroeiros da tradução (que agora pretendo reler, inclusive, e sugiro que leiam porque é demais). Os textos de Paulo Rónai são um deleite.

D: Qual sua formação e profissão?

LD: Sou formado em Ciências Sociais, mestre em Letras e doutor em Antropologia Social, então minha profissão, para além de tradutor, é relacionada a isso: sou antropólogo e trabalho com projetos sociais acompanhando, entre outros temas, a luta dos povos indígenas pela garantia de seus direitos. Viver no Brasil, ainda mais neste Brasil atual, tem sido um tremendo desafio porque, bem, as garantias de direitos sociais parecem cada vez menos garantidas. Desde 2020 tenho trabalhado como professor e pós-doutorando em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em parte porque alguns colegas começaram a acompanhar a situação de refugiados venezuelanos que estão aqui pela cidade, refugiados de uma etnia indígena chamada Warao. Vindas da Venezuela, a totalidade dessas pessoas fala sua própria língua, warao, e algumas dominam o espanhol. Daí meu trabalho como tradutor se junta, em situações assim, a um trabalho de intérprete, mediador, porque muitas vezes os órgãos do poder público precisam se comunicar com os Warao e não dispõem de intérpretes espanhol/português (muito menos warao/português).

Minha formação e profissão, nesse sentido, são formações e profissões, porque percorri algumas trajetórias bem interdisciplinares que atualmente têm se reencontrado em projetos como este pós-doutorado que acabo de mencionar. Às vezes ser escritor se encaixa mais ou menos como profissão, também, mas nem sempre, Então, antropólogo e tradutor.

D: Trabalhar com tradução é mais do que apenas traduzir para outra língua um texto. Quais as aptidões básicas que um tradutor precisa possuir, além claro, da fluência na língua?

LD: Quem traduz precisa ter um domínio médio de muitas coisas e uma grande capacidade de pesquisar, de perceber que “aquilo-que-apareceu-no-texto-original” talvez não signifique algo óbvio, talvez seja uma expressão idiomática, talvez seja um tipo de metáfora que em português simplesmente não existe. E, percebendo isso, tem que pesquisar (com a internet, não há mais tanta dificuldade nisso, embora ainda haja algumas). Então, quem traduz precisa ser desconfiado. Cismar com as palavras, apurar o ouvido, conhecer bem as línguas de partida, mas conhecer MUITO MAIS a língua de chegada. Quem traduz no Brasil escreve em português, então a fluência tem que estar aqui, mais do que lá. Português mais do que qualquer outro idioma. Prestar atenção ao que ensinam os tradutores mais experientes é uma competência básica também, a que a gente nem sempre dá o valor que merece.

Traduções antigas e tradutores mais experientes ensinam nossa atenção a estar mais aguçada, e assim nossas opções tradutórias podem ser sempre um pouquinho mais ajustadas. Uma tradutora excelente, queridíssima e sempre muito cuidadosa com os textos que traduz é Denise Bottmann. Não bastasse isso, ela ainda pratica uma arte louvável que é a de compartilhar alguns de seus processos tradutórios em blogs e grupos em redes sociais, nos quais os participantes acabam aprendendo muitíssimo mesmo. É incrível.

D: Quantos livros já foi responsável por traduzir? Quais foram os livros da Caveira que já traduziu? 

LD: Livros, até agora foram (estão sendo) treze, se não me engano. A imensa maioria pra DarkSide. Foram: A Noiva Fantasma, de Yangsze Choo; Fábrica de Vespas, de Iain Banks; Onde Cantam os Pássaros, de Evie Wyld; Cabo do Medo, de John MacDonald; Só os Animais Salvam, de Ceridwen Dovey; o poema Phantasmagoria, de Lewis Carroll, que integrou a versão recente de Alice no País das Maravilhas (traduzido por Marcia Heloisa, minha madrinha nesse mundo da tradução); um trecho de Menina Má, de William March. E ainda teremos muitos outros lançamentos em breve!

D: Com funções e aplicativos novos, como por exemplo, o Google Tradutor, muitos acreditam que a tradução de um livro é algo simples de se realizar. Qual é a verdade sobre as dificuldades de ser um tradutor?

LD: A verdade, a verdade mesmo, não sei, mas posso dizer de algo aqui da minha experiência: tem texto que vai, que te leva, no qual você, traduzindo, embarca, e tem texto que não arranca fácil. Tudo isso deixa a impressão de que a tradução de um livro não é algo simples de se realizar, não, mesmo que vez ou outra seja fácil. Quando a gente pensa em tradução literária, humanística, ensaística até, não tem como acreditar que ferramentas como tradutores automáticos sejam capazes (tão cedo) de substituir o trabalho humano, em parte porque muito do trabalho com textos é, afinal… o trabalho com textos. Embora o Google Tradutor, por exemplo, atualmente seja excelente, com um vocabulário vastíssimo e uma compreensão bastante acertada de estruturas gramaticais, um texto (literário etc.) é o corpo do texto, é o estilo do texto, é a forma pela qual o texto flui. E como a escrita literária é um trabalho artístico e também artesanal, a percepção da leitura também guarda um pouco disso: lendo, a gente percebe que a mão que escreveu aquele texto tinha seu próprio estilo, a própria forma de organizar as palavras, a própria forma de forçar as possibilidades estilísticas. Quando a gente traduz, é mais ou menos isso que tenta fazer.

A gente escreve sobre a escrita de outro autor como se fosse o outro escritor, mas sendo a gente também, e o trabalho de transpor uma literatura estrangeira para a língua portuguesa demanda um ouvido especial, uma sensibilidade de quem traduz escrevendo, mas também recordando toda a leitura que já fez (e continua fazendo) ao longo da própria vida. Talvez um dia os robôs cheguem nesse nível, mas não sei, não…

D: Quais foram os maiores desafios da sua carreira como tradutor?

LD: Manter uma constância, uma rotina no trabalho, é sempre um dos maiores desafios. Manter a rotina em meio a uma crise de proporções pandêmicas tem sido, talvez, o maior desafio. Claro que isso não é culpa da carreira, senão dos tempos em que vivemos, mas não deixa de afetar a forma como o trabalho flui (e, como trabalho com outras coisas também, aproveito e digo a quem quer que esteja lendo: a situação do mundo, das nossas vidas, as dificuldades para além do horário comercial, tudo isso afeta a forma como o trabalho flui, seja tradução, escrita acadêmica, seja o estudo, o trabalho doméstico, tudo. Então é isso. Saber que os maiores desafios de qualquer carreira vêm pelo cruzamento de todas as coisas, pela vida em si – que às vezes pesa –, saber e fazer as pazes com isso talvez seja esse o maior desafio. Quem sabe?).

D: Que dicas você dá para quem gostaria de atuar nessa função um dia?

LD: Começar é sempre um gargalo, e o povo que pretende entrar no mercado editorial costuma ter dificuldade nesse ponto: como fazer pra entrar, ser conhecido? Tive sorte nisso, porque já possuía alguma experiência com o mercado editorial e literário (sendo escritor e essas coisas) e porque consegui uma indicação para minha primeira obra traduzida. Mas quando comecei com a DarkSide, por exemplo, fiz do jeito mais comum de se fazer: enviando e-mail, mandando um alô e meu currículo, dizendo “editores, olá, sou um tradutor em busca de trabalho”. Claro que não mandei um e-mail exatamente com essas palavras (não mandem e-mails exatamente com essas palavras!), mas a ideia é essa: ir se apresentando, construindo um currículo, fazendo testes de tradução e esperando dar certo. Uma hora dá certo.

Enquanto não dá, vale a pena ir estudando, traduzindo coisas que te interessem, sejam poemas ou contos ou o que for, talvez fazendo cursos (de idiomas, mas também de escrita, por que não?) e lendo. Lendo e prestando atenção ao que não apenas os livros falam, mas ao que as pessoas no mundo falam. Já notaram que literatura é uma forma de transformar em escrita uma série de coisas que acontecem na vida? Pois pronto. Prestar atenção às pessoas fora das páginas é um bom modo de tentar construir narrativas, originais ou traduzidas, que correspondam a algo do mundo. Mesmo quando ficção extremamente ficcional, um texto vale por aquilo que convence, e o corpo do texto vem do corpo do mundo também.

LEIA TAMBÉM: DIA DO TRADUTOR: CONHEÇA CURIOSIDADES E DESAFIOS DA PROFISSÃO

*Enquanto durarem os estoques.

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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5 Comentários

  • Sidney

    3 de março de 2021 às 14:20

    Só quero deixar registrado o orgulho de ter como filho um homem com essa grande capacidade intelectual e moral que só me deixa cada vez mais feliz, é isso

    • Avatar photo

      DarkSide

      3 de março de 2021 às 17:52

      Mamãe orgulhosa, assim como a Darkside!

  • Aline

    4 de março de 2021 às 06:48

    Já era fã, agora sou mais.

    • Avatar photo

      DarkSide

      4 de março de 2021 às 14:29

      Caveirinha também!

  • Pedro Rocha

    18 de março de 2021 às 14:20

    Tenho muita preocupação com o futuro, vivemos em tempos onde a violência, ceifa vidas de muitos jovens e crianças por motivos torpes, por causa dessa preocupação instalei um programa no celular do meus filhos assim posso protege-los de perigos. https://brunoespiao.com.br/espiao-de-internet

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