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Graphic Novel

O que foi o crime do século e como ele fez nascer um poeta

História improvável virou quadrinho

06/05/2022

Ao longo de nossas vidas passamos por diversas transformações que muitas vezes as pessoas ao nosso redor não se dão conta. A vida de Matt Rizzo mudou drasticamente quando ele foi preso e se tornou amigo de um assassino condenado — mas a família só soube do ocorrido muitos anos depois.

Em 1936, Rizzo, que na época estava com 22 anos, foi preso após se envolver em um assalto a uma loja no qual ele acabou perdendo a visão. Nos 5 anos seguintes, enquanto cumpria pena, a amizade que ele desenvolveu com um outro detento — Nathan Leopold — o fez mergulhar em um universo de literatura clássica, poesia e reflexões sobre a vida.

Ao sair da cadeia, Matt seguiu sua vida e arranjou emprego como vendedor de seguros. Seu dia era dividido entre o trabalho, seu filho e a escrita de literatura e poesia, mas toda a verdade sobre a sua prisão e sua cegueira veio à tona quando uma velha mala foi aberta. A história virou quadrinho publicado pela DarkSide® Books.

Mas vamos dar um passo atrás e entender quem foi Nathan Leopold, o criminoso que se tornou amigo de Matt e cumpria pena pelo crime do século, caso que deu origem a diversos filmes, sendo o Festim Diabólico — dirigido por Alfred Hitchcock —  um dos mais famosos.

LEIA TAMBÉM: UMA HISTÓRIA REAL DE CRIME & POESIA, DE DAVID L. CARSON E LANDIS BLAIR

Dois amigos, vários crimes

Os jovens Nathan Leopold e Richard Loeb se tornaram amigos inseparáveis após se aproximarem na Universidade. Dentre seus interesses em comum estavam os escritos de Friedrich Nietzsche, crimes, direito e literatura.

Considerados inteligentes e ambiciosos, os dois chamavam atenção pelos currículos acadêmicos: Leopold era superdotado, falava 4 línguas e estudava Direito. Loeb foi o mais jovem aluno a se formar em História e planejava se graduar em Direito após terminar suas pós-graduações.

Aos poucos eles começaram a tecer uma vida criminosa envolvendo furtos, pequenos crimes, arrombamento e o caso que foi considerado o crime do século.

Richard Loeb (esq.) e Nathan Leopold (dir.) | Créditos: Wikipédia

Um crime (quase) perfeito

Em 21 de Maio de 1924, após quase um ano de planejamento, Leopold e Loeb sequestraram Robert “Bobby” Franks, de 14 anos. O garoto morava na mesma vizinhança da dupla e era primo de 2º grau de Loeb, mas não estava envolvido em nenhum conflito com os dois amigos.

A dupla alugou um carro sob o nome de Morton D. Ballard e ofereceu uma carona a Franks enquanto ele voltava para casa. Por conhecer os dois rapazes, o garoto acabou aceitando e entrando no carro, onde foi atingido por golpes de cinzel — uma ferramenta cortante — por Loeb. Em seguida ele foi colocado no banco de trás e amordaçado, vindo a morrer em seguida.

Após a morte de Franks, a dupla dirigiu por cerca de 40 km até Hammond, Indiana, onde o corpo foi deixado temporariamente de lado. Ao anoitecer, Leopold e Loeb se desfizeram das roupas de Franks e jogaram ácido clorídrico em seu rosto para dificultar o reconhecimento. Por fim, esconderam o corpo do garoto em um bueiro e voltaram para casa.

A notícia do desaparecimento de Franks se espalhou rapidamente, o que levou a dupla à próxima fase do plano: o pedido de resgate. Para não levantar suspeitas, Leopold ligou para a mãe do garoto, identificando-se como “George Johnson”, e disse a ela que Franks havia sido sequestrado. Para que ele fosse solto, Leopold informou que enviaria um bilhete com as instruções de pagamento do resgate no dia seguinte.

Créditos: Chicago Daily News/Chicago Historical Society

Na tarde seguinte, um novo telefonema informava como deveria proceder o pagamento do resgate, mas o intrincado plano foi abandonado logo em seguida pois o corpo de Franks tinha acabado de ser encontrado. Leopold e Loeb seguiram com suas vidas normalmente enquanto a polícia se lançava em uma investigação intensa.

Crime do Século

Franks vinha de uma família rica e sua morte rendeu muito assunto na mídia com diversas pessoas especulando as causas e recompensas sendo oferecidas em troca de informações. Os jornais exploraram cada aspecto possível do caso, chamando-o de “crime do século” e noticiando cada pequeno detalhe encontrado.

Durante a investigação, a polícia encontrou um óculos preto comum perto de onde foi deixado o corpo, mas um detalhe chamou atenção: a dobradiça do óculos era de um modelo bem incomum. Rastreando as óticas, foi descoberto que apenas 3 pessoas na cidade tinham requisitado aquelas dobradiças. Uma dessas pessoas era Nathan Leopold.

Créditos: Chicago Crime Tours

Ao ser questionado pela polícia, Leopold confirmou que o óculos era seu mas que ele devia ter caído do seu bolso durante uma viagem para observação de pássaros que ele fez na semana anterior. Ele também contou que, na noite do crime, estava em seu carro com Loeb e algumas mulheres, mas era incapaz de dizer os nomes delas. Seu álibi caiu por terra quando o mecânico contou à polícia que o carro de Leopold estava no conserto naquela data. 

Em 29 de Maio, Leopold e Loeb foram levados a um interrogatório e acabaram confessando o crime em detalhes, com cada um deles acusando o outro do assassinato.

Durante a fase pré-julgamento, eles admitiram que não tinham um motivo específico para assassinar Franks, eram movidos apenas pela vontade de cometer um crime e se inspiravam nas palavras de Friedrich Nietzsche sobre Übermenschen (super-homens).

Julgamento do Século

A cobertura do julgamento também foi bastante detalhada, transformando a ocasião em uma extensão do circo midiático que tinha sido a investigação. Muito material produzido na época depois foi usado em livros, filmes, peças de teatro e até musicais.

Ao longo dos 32 dias que durou o julgamento, foram ouvidas mais de 100 pessoas entre testemunhas oculares, amigos, médicos e psiquiatras. Ao que tudo indicava, eles alegariam insanidade, o que levaria quase que certamente à pena de morte. Alguns dos motivos apontados para o crime envolviam imaturidade emocional dos réus, obsessões com a vida criminosa e filosofia nietzschiana, além de abuso de álcool, disfunções glandulares e desejos e inseguranças sexuais.

LEIA TAMBÉM: 8 FILMES COM PSICOPATAS INSPIRADOS EM CRIMINOSOS REAIS

Créditos: Emerson Kent

A equipe de defesa foi liderada por Clarence Darrow, o mais famoso advogado da época e um ferrenho opositor da pena de morte. Seu discurso de defesa do caso é apontado como o mais brilhante de toda a sua carreira. Um trecho adaptado do discurso pode ser lido abaixo:

“Meritíssimo sabe que neste mesmo tribunal os crimes de violência aumentaram com a guerra. Não necessariamente por aqueles que lutaram, mas por aqueles que aprenderam que o sangue era barato e a vida humana era barata. Se o Estado podia levar isso levianamente, por que não o menino?”

A defesa de Leopold e Loeb não conseguiu vencer o caso, mas ao invés da pena de morte, eles foram condenados à prisão perpétua pelo assassinato e mais 99 anos pelo sequestro.

Prisão

Em 10 de Setembro de 1924, após a condenação, os jovens foram encaminhados para a prisão de Joliet e mantidos separados — fato que não abalou a amizade entre eles. Em 1931, Leopold foi transferido para a Penitenciária de Stateville e, mais tarde, Loeb também seguiu para o mesmo lugar.

Créditos: Bettman/Getty Images 

Em 28 de Janeiro de 1936, Richard Loeb foi atacado por outro preso, James Day, com uma navalha. Por conta da extensão de seus ferimentos, ele foi enviado à ala médica, onde viria a morrer no mesmo dia. Day foi absolvido do seu crime — que foi considerado legítima defesa — apesar de ter desferido mais de 50 golpes em Loeb.

Nathan Leopold conseguiu se manter ativo na prisão, trabalhando na ala médica, reorganizando a biblioteca e até mesmo projetando um novo modelo de ensino para os presos. Por conta da sua aproximação com outro preso, Matt Rizzo, ele aprendeu Braille e continuou a se dedicar ao aprendizado e ensino de literatura clássica. A história da amizade e as consequências dela para Rizzo são narradas na graphic novel Uma História Real de Crime & Poesia.

Uma História Real de Crime & Poesia

“Você nunca será livre até que você se liberte da prisão em sua mente”, assim começa a premiada graphic novel de David L. Carlson e Landis Blair. Uma combinação perfeita de palavras e imagens que são usadas para nos contar a história de um pai cego, um filho órfão e sua conexão com o crime do século.

Matt Rizzo levava a vida como corretor de seguros, mas nunca se distanciou do universo da literatura e da poesia que descobriu enquanto esteve preso. Com o passar do tempo, Charlie aprende a viver como uma pessoa cega, ressignificando e se adaptando à condição de seu pai. A parceria e a dependência entre os dois cresce com o passar dos anos, porém Charlie não imaginava que seu próprio pai pudesse mantê-lo cego diante da verdadeira história de sua vida.

Os anos passados na cadeia fizeram Rizzo descobrir a literatura clássica e a poesia, além de despertarem seu talento para a escrita — que só se tornou possível através do aprendizado de Braille, pelo qual Leopold se tornou responsável. Da amizade improvável entre os dois nasceu um poeta que enviou incontáveis textos e poemas para revistas especializadas e publicações acadêmicas.

Uma História Real de Crime & Poesia recebeu o Fauve D’Or, como melhor álbum publicado na França em 2020, do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, um dos prêmios mais importantes do mundo. Nada mais justo, pois se trata de uma história poderosa, contada de forma magistral, que tem tudo para se tornar um clássico dos quadrinhos. Não feche os olhos para ela.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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