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Por que o terror de Junji Ito é tão perturbador?

A Caveira dissecou as principais características da obra do mestre

19/01/2023

Verdade seja dita: Junji Ito não é apenas um mestre dos mangás de terror, ele é um dos principais nomes do horror contemporâneo como um todo. Prova disso é que a sua obra conversa com outras mídias, como é o caso da nova série da Netflix Junji Ito: Histórias Macabras do Japão, que compila diferentes narrativas de Ito, além de apresentar aos fãs materiais inéditos, mas não menos horripilantes.

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E como todo bom mestre do terror, Junji Ito tem lugar garantido nas estantes da Caveira. A DarkSide® tem um orgulho aterrorizante das publicações Fragmentos do Horror e Contos de Horror da Mimi, duas obras essenciais para conhecer toda a perversidade da arte desse mangaká incomparável.

Contos de Horror da Mimi

Quem já se aventurou pelas histórias de Junji Ito sabe da genialidade do mestre ao entregar narrativas originais e surpreendentes. Mas mais do que o suspense de seus enredos, os leitores são fisgados de vez pelas sensações que elas são capazes de provocar: desconforto, adrenalina e um pavor peculiar. É uma mistura daquele sentimento de “queria desver isso” com “não consigo tirar os olhos do que estou vendo”. O conflito faz parte da Junji Ito experience.

Mas afinal, qual o segredo desse mestre do terror? A Caveira se arriscou a dissecar os principais elementos que tornam a obra de Junji Ito tão perturbadora. Você se atreve a mergulhar nessa análise sinistra?

1. Terror visceral

Muito do estilo artístico de Junji Ito depende do conteúdo de suas histórias, e aqui o mangaká investe pesado no terror visceral, com direito a muito gore, body horror e criaturas com visual perturbador. A mistura de monstros humanoides e não humanoides também faz parte de sua enervante assinatura.

Como um verdadeiro mestre o body horror, ele não está satisfeito com pessoas morrendo. Isso seria pouco. Que tal deformar, torcer e entortá-las também? Nem sempre essa transformação perturbadora ocorre apenas na hora da morte, muitos dos personagens de Ito vão passando pelo processo ao longo da história. Personagens que começam bonitos ou pelo menos de aparência mais convencional vão se tornando assustadores, versões doentias de si mesmos ou simplesmente sucumbem à insanidade. 

2. Estética preto & branco, textura e alto contraste

Boa parte dos mangás chega aos leitores somente em preto e branco, mas a forma com que Junji Ito trabalha os dois elementos torna tudo ainda mais horripilante. Sua arte aposta nos detalhes e nos contrastes, criando uma estética grotesca e impactante através das sombras e das linhas que entregam textura e um visual mais repugnante e visceral. 

Outro conceito amplamente utilizado por ele é o alto contraste, tanto nos cenários como nos personagens, ressuscitando em partes alguns dos trabalhos mais perturbadores do Expressionismo Alemão no cinema.

O estilo visual de Junji Ito se torna ainda mais marcante em seus personagens, que nunca ficam corados ou mostram qualquer sinal de uma felicidade saudável. Em vez disso, eles são eternamente pálidos e com traços que denotam o vazio e a falta de vida, antes mesmo que o terror aconteça de vez. Com uma aparência caracterizada por bochechas caídas, uma magreza doentia quase esquelética, círculos pretos ao redor dos olhos e íris anormais, os personagens transmitem emoções como tristeza e depressão.

junji ito estética
© Junji Ito

3. Horror cósmico e absurdo

A obra desse mestre frequentemente explora territórios do horror sobrenatural ou cósmico. Na maioria das vezes o terror é inexplicável, originário de forças que estão além do nosso controle ou que surgem a partir de nossas próprias falhas, medos, obsessões e fobias. Cidades assombradas por espirais, balões que assumem rostos de pessoas e as perseguem e até uma história sobre buracos em forma de humanos após um terremoto se tornam pesadelos vivos em suas obras.

Junji Ito também investe pesado no horror cósmico, que se baseia na ideia de que a humanidade é irrelevante diante do grande escopo do universo e que há poderes e seres maiores do que podemos conceber — nossas vidas, sonhos e problemas são irrelevantes diante do cosmo

Embora o mangaká tenha forte influência da obra de H. P. Lovecraft, ele criou sua própria vertente do horror cósmico — ainda mais estranha do que o do criador desse subgênero. Junji Ito prefere se concentrar em aspectos mais íntimos e mundanos. Outra característica em comum é a ausência de um vilão central ou da representação do mal nos moldes que o conhecemos.

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4. Narrativa pouco convencional

Pode perceber: as histórias de Junji Ito não seguem as fórmulas tradicionais de narrativa. Seus personagens não possuem grande desenvolvimento, eles estão lá como telas em branco ou só existem para demonstrar algum medo, fobia ou obsessão. 

O mesmo pode-se dizer dos enredos, que não costumam ser super elaborados ou com a tradicional fórmula de início, meio e fim. Suas histórias servem para que o leitor possa captar um vislumbre sobre a vida de alguém e testemunhar as coisas terríveis que acontecem àquela pessoa. Elas são mais centradas na atmosfera, no terror e no grotesco desfecho de seus personagens.

Junji Ito também não está muito preocupado em dar grandes explicações sobre seus enredos. Em vez disso, ele costuma nos deixar agonizando no mistério, temendo justamente o que não se vê.

junji ito
© Junji Ito

5. A transgressão do mundano

Em vez de cenários mirabolantes ou histórias prévias complexas, Junji Ito nos apresenta a personagens e contextos absolutamente comuns. Alguém indo para a escola, se apaixonando, indo ao hospital… tudo normal até que o terror começa a acontecer, distorcendo tudo com fobias e insanidade. Isso nos dá um enervante senso de proximidade: se tais horrores acontecem em circunstâncias normais, quer dizer que algo assim poderia muito bem acontecer conosco.

As torturas orquestradas pelo autor se tornam críveis, próximas e ainda mais desconfortáveis. Seus personagens estão longe de ser heróis, eles não têm nada de especial e muito provavelmente é por isso que nos colocamos nos horrores vividos por eles. Esse contraste entre o mundano e o insano é a fórmula de nossos piores pesadelos.

6. Medos irracionais

Todo mundo tem ou conhece muito bem a sensação de ter um medo irracional ou infantil. Quando criança, todos tínhamos medo do monstro debaixo da cama, ou do escuro, do médico, de vizinhos estranhos ou de sombras. Ao chegarmos à fase adulta, entendemos que muitos deles eram irracionais.

Porém, Junji Ito gosta de explorar justamente esses medos, entregando um sentimento desconfortável, afinal, são aflições que conhecemos muito bem. O trabalho do mestre do horror é explorar tais fobias à exaustão, pegando os nossos medos mais bobos de dar vida a eles em histórias horripilantes, bagunçando os nossos instintos mais primitivos.

Contos de Horror da Mimi

7. Terror psicológico

A mente humana é um dos mecanismos preferidos de terror de Junji Ito. Mas ele não se contenta em apenas explorar aspectos como depressão, fobias e obsessões, o autor os utiliza como base da loucura de seus personagens, amplificando-os e distorcendo-os de maneira horripilante.

Emoções poderosas demais e comportamentos erráticos e irracionais são frequentes em sua obra, tornando-se quase um lugar-comum para seus personagens. Excêntricos, estranhos, pessoas cuja personalidade se desenvolve em cima de um aspecto, como fobia ou obsessão, eles costumam ter sua mente corrompida e transformada ao mesmo tempo em que o aspecto físico acompanha o processo de autodestruição.

8. Insanidade, desespero e o inevitável fim

Ao explorar ao máximo as fobias, obsessões e melancolias de seus personagens, Junji Ito se junta a Franz Kafka e a H. P. Lovecraft no rol de escritores cujas criaturas são amaldiçoadas e não têm qualquer poder sobre o mundo ou suas vidas. Não há qualquer tipo de esperança ou saída daquela situação, tudo o que se pode fazer é esperar agonizantemente pela inevitável morte.

Esse tipo de pavor existencial está no centro do que nos torna humanos. Graças à nossa consciência, somos os únicos seres no planeta com a certeza de que iremos morrer um dia e que não há nada que possamos fazer a respeito. As histórias de Junji Ito estão repletas desse terror existencial, potencializado em mundos ainda mais estranhos e erráticos do que o nosso — se é que isso é possível. 

junji ito
© Junji Ito

Unindo aspectos estéticos com os nossos receios mais primitivos, Junji Ito se torna um verdadeiro manipulador do horror. Suas histórias não oferecem algo novo que deveríamos temer, elas cutucam e ressuscitam aqueles pavores que já existem dentro de nós, mas que às vezes estamos assustados demais para olhar.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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