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Quando o esporte se torna um culto

Talvez você esteja numa seita fitness sem saber

01/08/2024

Há algum tempo quando falávamos as palavras “culto” e “esporte” na mesma frase a primeira associação provavelmente seria relativa à devoção dos torcedores com o seu time do coração — e morando no Brasil, é bem provável que o time seja de futebol. Mas hoje em dia a própria busca por uma vida saudável tem se assemelhado aos cultos.

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Todo mundo tem aquele amigo que parou de sair à noite porque “tem longão no sábado”. Ou que começou a usar termos como “pace”, ou “Z2”, “Z3” e não vive sem aquele relógio que monitora seus treinos — e literalmente todos os passos que você dá em um dia. O exemplo aqui é o do “culto da corrida”, que parece estar em plena ascensão, mas ele poderia ser o da yoga, do crossfit, das bikes indoor, do beach tennis ou vários outros.

A relação da prática esportiva com cultos é tão forte que Amanda Montell dedicou um capítulo inteiro do seu livro Cultos: A Linguagem Secreta do Fanatismo ao que ela chamou de “culto fitness”. O tema é introduzido de uma maneira bem espirituosa, com a autora e seus pais tentando praticar os exercícios de uma metodologia chamada de intenSati, que mistura prática esportiva com autoajuda — e do qual o pai de Amanda logo desiste, lembrando que ele é uma pessoa que se exercita sozinha. 

cultos

A própria definição do intenSati lembra algo de culto: “intenSati é um método de movimento, mantra e meditação para despertar a mente, corpo e espírito e nos treinar para ser observadores de nossos pensamentos, e escolher aqueles poderosos e positivos”. A metodologia combina exercícios de cardio com mantras de “alta emoção” que prometem deixar seus praticantes “elevados, conectados e fortes”.

Um breve histórico da prática esportiva 

Nossa preocupação com uma vida saudável associada à prática esportiva é relativamente recente, como Amanda relembra em seu livro. Até a década de 1950 a comunidade médica não recomendava exercícios para mulheres — embora corpos magros já fossem valorizados naquela época, o que desenvolveu a fixação das mulheres por reduzir medidas.

A partir da década de 1960 perceberam que fazer exercícios físicos até transpirar era bom pra todo mundo, e nas duas décadas seguintes as mulheres abraçaram a prática, principalmente nos exercícios praticados em grupo. Nos anos 1980, Jane Fonda e Rachel Welch se tornaram o que podemos chamar de primeiras influenciadoras fitness.

Foto: Paul Popper/ Getty Images

Nos anos 1990 alguns ginásios e academias foram se instalando, assim como a prática de yoga foi sendo difundida no Ocidente — ainda mais como uma prática meditativa do que necessariamente fitness. Foi na virada do século que o esporte passou a se parecer muito mais com um culto.

A ascensão dos vários cultos fitness

Em 2000 surgiu o Bar Method, o estúdio que catalisou a fixação dos norte-americanos por um treino inspirado em balé (apesar do nome, não tinha nada a ver com um bar). No mesmo ano surgiu o CrossFit, cujos boxes também tinham um clima de boutique, como uma espécie de antiacademia. No seu auge, em 2020, o CrossFit já mantinha mais de 10 mil boxes nos EUA, gerando 4 bilhões de dólares anualmente.

Em 2001 veio a Pure Barre, que chegou a ter cerca de quinhentos estúdios na América do Norte. O ano seguinte trouxe o surgimento da CorePower Yoga, que cresceu até chegar a mais de duzentas locações. Em 2006 foi a vez da SoulCycle, com sua iluminação de balada, música alta e instrutores enérgicos.

soulcycle
Imagem: The Washington Post/Getty Images

Nos quinze anos que se seguiram, os estúdios e academias se multiplicaram, desmembraram e causaram uma verdadeira fixação na sociedade. Segundo a International Health, Racquet & Sportsclub Association, em 2018 a indústria fitness dos Estados Unidos valia mais de 32 bilhões de dólares.

Além de SoulCycle, CrossFit, treinos de barra, pilates e yoga (dos mais variados tipos), hoje temos o Barry’s Bootcamp (uma espécie de HIIT), Orangetheory (tipo o Barry, mas mais competitivo), November Project (práticas ao ar livre estilo circuito militar), The Class (uma mistura de November project, yoga e berros), modelFIT, Platefit, RiseNation (tipo uma SoulCycle de escadas), LIT Method (remo), LEKFIT (trampolins), Peloton e outros incontáveis… talvez um deles esteja surgindo no momento em que você lê esse post.

Onde se esconde o culto

Ok, percebemos que o interesse das pessoas pela prática esportiva aumentou e o capitalismo, associado aos algoritmos da internet, consegue deixar tudo isso mais intenso. Mas por que essa associação com cultos?

Diferentemente dos métodos esportivos do passado, essas academias se posicionam como espaços sagrados, oferecendo, além do exercício em si, uma forte experiência ideológica e pessoal. Já reparou na quantidade de mensagens motivacionais que você encontra dentro de uma academia? Em uma aula on-line? Nas camisetas de corrida?

Imagem: Divulgação

A coisa ganha contornos de culto quando você não apenas melhora o seu condicionamento físico, você também encontrará o seu mentor, conhecerá seus novos melhores amigos, superará o ex, reunirá a confiança necessária para se valorizar mais no trabalho, ficará sóbria e, principalmente, provará para si mesma o seu poder.

Dois fatores contribuem para que as pessoas busquem seus cultos fitness nos tempos atuais: o descontentamento com o sistema de saúde e a desilusão na fé tradicional. Em 2015, o estudo “How We Gather” [Como nos reunimos] analisou as maneiras com que os millennials encontram um senso de comunidade, e para surpresa de zero pessoas os estúdios fitness estavam entre os dez espaços mais profundos para formação de caráter dos jovens.

Millennials de centros urbanos com dinheiro para gastar (é claro) são o principal público-alvo dos cultos fitness — e isso coincide com a população que renunciou à religião tradicional. Tal qual as igrejas, as marcas fitness se tornaram tanto uma identidade social quanto um código de como levar a vida. Esse movimento engloba costumes e rituais, expectativas sociais e traz consigo consequências caso seus seguid… digo, praticantes, faltem aos encontros.

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Imagem: Reprodução

Com seus mantras, normas sociais próprias e, claro, seu próprio “cultês” fitness, práticas esportivas estão se tornando cada vez mais próximas de práticas cultistas, espirituais, quase que religiosas. Na nossa busca incessante por sentido e uma epidemia de solidão, é na prática esportiva que muitas pessoas acabam encontrando algo próximo de propósito e comunidade — algo alimentado por uma indústria de influenciadores, marcas de roupas e suplementos que tem muito a lucrar com isso.

Cuidar da própria saúde é ótimo, e a aura cultista da prática esportiva pode até ajudar aquelas pessoas que têm dificuldade em manter uma vida mais ativa. Porém, quando falamos de culto é sempre importante se atentar para que ele não lhe cause prejuízo, seja social, financeiro, pessoal e até mesmo de, veja só, saúde.

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Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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