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Verena Cavalcante: “Sou uma pessoa que vive de memórias, reminiscências.”

DarkBlog entrevista Verena Cavalcante

13/10/2021

Ao mergulhar no universo de Verena Cavalcante somos conduzidos a lugares sombrios e sentimos na pele a temperatura da noite mais solitária da floresta e dos dias mais quentes do verão. Em seu Inventário de Predadores Domésticos temos visões devastadoras de um lugar e tempo que, se não mais existem, jamais nos deixarão em paz. Confira a entrevista exclusiva que a autora deu ao DarkBlog.

DarkBlog: Soubemos que foi bastante emocionante sua entrada no universo DarkSider, mas queremos ouvir muito mais. Conte um pouco de como está sendo essa nova experiência em sua carreira.

Verena Cavalcante: Ser convidada para publicar junto à DarkSide foi algo completamente insano, surreal, inesperado, bizarro. Eu já tinha publicado dois livros antes, em editoras bem conceituadas, mas menores, que tiveram um número reduzido de leitores. Mas, de alguma forma, esse material acabou chegando até à Dark. Aconteceu como num filme hollywoodiano: um dos editores da casa me ligou, perguntando se eu tava sentada, e, depois, jogou no meu colo a bordoada: “A DarkSide quer te publicar!”. Nessa hora eu tava no meu escritório, parada na frente das minhas dezenas de livros da editora, e tive a certeza de que ia puxar um livro do lugar, uma passagem secreta ia se abrir, e eu ia descobrir que minha vida, na verdade, era um reality show. Essa sensação de irrealidade perdura até agora. Acho que só vai passar, talvez, quando eu segurar “Inventário de Predadores Domésticos” nas mãos. Aí vai aparecer o câmera, gritando: “Pegadinha do Mallandro!”.

DB: Em uma rápida pesquisa sobre Verena Cavalcante, encontramos uma leitora ávida, presente em mesas de edição e discussões de literatura. Quais são as escritoras e escritores que moram em seu coração?

VC: Antes de ser escritora – e talvez mais do que isso – eu sou uma leitora compulsiva. Por isso, a lista é extensa e vou dividir em duas categorias: estrangeiros e brazucas. Na gringa, eu amo Angela Carter, Anne Sexton, Elena Ferrante, William Faulkner, Edgar Allan Poe, Stephen King, Samanta Schweblin, Mariana Enriquez, Shirley Jackson, Miguel Torga, Julio Cortázar e Gabriel García Márquez. Na terra do finado pau-brasil, eu amo Hilda Hilst, Raduan Nassar, José Mauro de Vasconcelos, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Cesar Bravo, Marco Severo, Marcio Benjamin, Paula Febbe, Nathalie Lourenço, Aline Bei, Bruno Ribeiro e Sheyla Smanioto.

Créditos: Victória Muller

DB: Fantasmas de infância nunca se cansam de brincar, mas em Inventário de Predadores Domésticos eles estão com toda energia. Como foi o processo de escrita desse material, como as histórias do livro te impactam durante sua composição?

VC: Eu sou uma pessoa que vive de memórias, reminiscências. Eu tenho dificuldade pra abrir mão do passado. Por isso, a infância, não só como elemento formador dos traumas, das fobias, dos transtornos, das neuroses, mas também como lugar idílico, nostálgico, é tão importante pra mim. A infância é um berço de euforia e dor. Acessá-la também é. Sendo assim, o processo de escrita é também muito doloroso. Há quem diga que não consegue ficar sem escrever, que tem certa facilidade em fazer essa transposição do plano da mente para as palavras, mas, pra mim, é sempre um expurgo. Eu luto contra a escrita. Às vezes fico longos períodos sem escrever. E então, de repente, vem. É como ficar enjoada por horas seguidas, segurando o vômito, até correr pro banheiro e, nem dá tempo!, jorros e golfadas se espalham pelas paredes, pelo chão, pelo teto, transbordando da privada. Fede, deixa um gosto horrível na boca, estraga a beleza de tudo ao redor. Minha composição é uma composição de sofrimento. E isso fica claro nas histórias.

DB: Encontrar tempo pode ser um grande problema, principalmente quando você é mãe, esposa e uma nova potência da literatura. Você tem alguma rotina de escrita? Sendo cada vez mais multifuncional, nos fale um pouco sobre suas ações em prol da literatura feminina.

VC: Eu não tenho tempo nem pra lavar o cabelo! Eu tenho dia certo na semana pra lavar o cabelo, acredita? Não, não tenho nenhuma rotina de escrita. Sou extremamente caótica. Quando estou trabalhando em algum projeto, aí sim, tento escrever todos os dias, mas não tenho horário pra isso, preciso coincidir com o trabalho do marido e os cuidados com minha filha. Mas, mesmo assim, o caos impera: tem coisa que escrevo no celular, tem coisa que escrevo no Word, tem coisa que escrevo à mão, tem coisa que escrevo NA mão… Depois pra encontrar tudo e montar leva um tempo – e às vezes eu desisto de absolutamente todas as ideias e crio algo novo. Sobre a literatura criada por mulheres, eu acho que escrever é algo inerente ao feminino. Desde criança, sempre vi meninas com seus diários, com suas cartas, com seus devaneios anotados em papéis decorados, com canetas coloridas. Escrever é algo extremamente democrático. Mesmo que as mulheres não tenham sido publicadas no mesmo ritmo e recebido o mesmo valor que os homens, elas sempre produziram. Se for para me colocar como alguém fazendo algo em prol dessas ações, eu diria que talvez eu esteja aqui para mostrar que nós, mulheres no horror, também temos muito a dizer sobre o que é feio, perverso e perturbador no mundo. E vocês têm que ter coragem pra escutar. Tem muita verdade aqui.

DB: Quando mergulhamos em seu livro, temos a nítida impressão que estamos visitando acontecimentos terríveis e reais, ou pelo menos bastante plausíveis em muitos casos. De onde nascem suas histórias?

VC: Minhas histórias nascem de lembranças do passado, de notícias lidas em jornais, de “causos” contados pelas minhas avós, de medos atávicos, de reflexões sobre a natureza humana, da observação dos insetos, da leitura de textos ocultistas e de coisas sombrias que vivem dentro de mim.

LEIA TAMBÉM: LANÇAMENTO: INVENTÁRIO DE PREDADORES DOMÉSTICOS, DE VERENA CAVALCANTE

DB: Vemos muita familiaridade com o “outro lado” em suas histórias, algo que parece ser tão natural quanto respirar em seus textos. Como sua vivência familiar se relaciona com essas dimensões ocultas? De que forma esses assuntos místicos e sobrenaturais entraram em sua vida?

VC: Eu venho de uma família do interior do estado de São Paulo em que o sobrenatural e o “além” sempre estiveram presentes nos nossos jantares, nas noites de apagão dos anos 90, nos olhos azuis da minha avó, na boca sorridente da minha tia. Desde que nasci, eu convivo com fenômenos inexplicáveis, às vezes belos, às vezes assustadores, e por mais que eu não seja uma pessoa religiosa, eu acredito que essa fascinação que a morte e os espíritos exercem sobre mim tem propósitos maiores – como os de encantar os meus leitores.

DB: Quais são seus temores mais profundos? O que é capaz de assustar uma autora de horror?

VC: Eu sou mãe. E não existe nada mais assustador do que pensar que a Morte pode tocar no filho da gente.

DB: O que podemos esperar para a Verena de amanhã? Quais são seus planos, o que o futuro ainda pode nos trazer?

VC: A Verena de amanhã, espero, vai ser uma pessoa muito mais segura de si – e de sua literatura – que a Verena de hoje. Ela saberá vencer a luta contra a escrita mais vezes, e estará trabalhando em um romance, e em um novo livro de contos, aprendendo a aperfeiçoar seus poemas macabros, e aguardando a publicação de novos projetos, quem sabe até de um livro infantojuvenil sobre o luto. <3

Créditos: Victória Muller

DB: Algum conselho para os autores que sonham com uma boa editora? Quem ajudou seus primeiros livros a chegarem nas mãos dos leitores?

VC: Meu conselho, antes de mais nada, é que leiam muito. Leiam os clássicos, os contemporâneos, os colegas escritores. Prestem atenção nas editoras e em suas publicações. Ao escrever, procurem leitores-betas qualificados para revisarem seus textos antes de publicá-los; estejam sempre abertos a críticas; reconheçam suas falhas; trabalhem em cima dos seus escritos incansavelmente; e acreditem no próprio potencial, mas deixando o ego de lado. Além disso, é importante conhecer cada editora, com que linha editorial trabalha e se seu livro se encaixa no catálogo costumeiro dela. Preste atenção nas seleções de originais e, enquanto isso, vá fazendo sua rede de autores. Ela será útil não só para que você conheça o universo em que está adentrando, como também para que seu livro circule, pelo menos dentro desse círculo. Foi o meu caso.

Meus primeiros livros foram lidos por autores antes de chegarem nos leitores propriamente ditos. Algumas pessoas que fizeram meus livros acontecerem, e é muito difícil escolher, eu juro!, foram: o escritor Luiz Biajoni, um autor de livros policiais, que enxergou potencial no meu trabalho, ajudou na publicação do meu primeiro livro, e me convidou para participar de mesas, encontros literários, oficinas; o autor Raphael Montes, que dispensa apresentações (risos), que leu meu primeiro livro, escreveu um comentário na contracapa dele e o recomendou em entrevistas, inclusive para O Globo; a Michelle Henriques, co-fundadora do clube de leitura Leia Mulheres e dona do podcast sobre horror The Witching Hour, que sempre indicou e divulgou meus livros; a Georgina Martins, autora de livros infantis e infantojuvenis, que utilizou Larva em uma matéria que ministrava no curso de Letras da UFRJ, o que me trouxe diversos leitores e, até mesmo, novos amigos; o Daniel Louzada, dono da Livraria Leonardo DaVinci, que escolheu Larva para ser o livro do mês do Clube DaVinci, me fazendo autografar mais de 80 livros – um momento surreal; o Daniel Martins, do Teatro Escola Daniel Martins, que usou um de meus livros como exercício de improvisação nas aulas de teatro ministradas para adolescentes, o que foi fantástico de assistir; e, não poderia deixar de fora, o autor Roberto Denser que, quando trabalhava de livreiro na Livraria da Travessa, fazia questão de deixar meu primeiro livro em lugar de destaque, além de recomendá-lo, sempre que tinha a oportunidade. São pessoas que eu vou guardar no coração pro resto da vida.

(Outras pessoas também, mas não dava pra falar de todo mundo, desculpa, gente! Não bota minha foto na boca do sapinho, não!)

*Todas as fotos usadas na entrevista (incluindo o banner) foram feitas por Victória Muller.

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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