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Cesar Bravo: “O som de dor choca mais do que imagens ou até palavras”

Autor fala ao DarkBlog sobre o lançamento Amplificador

19/10/2023

O Bravoverso acaba de amplificar suas histórias, personagens e, é claro, o terror. Amplificador é o lançamento de Cesar Bravo, um dos principais nomes do terror nacional. Resgatando a dinâmica de VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue, o novo livro expande o universo de 1618 com histórias que reverberam o melhor do horror corporal.

LEIA TAMBÉM: LANÇAMENTO: AMPLIFICADOR, POR CESAR BRAVO

O DarkBlog conversou com o autor, que trouxe todos os detalhes sobre Amplificador, além de comentar obras anteriores, suas influências e as características únicas que ele traz para o horror nacional. Confira, se tiver coragem:

DarkBlog: Cesar, primeiramente gostaríamos de agradecer por essa entrevista. Muitos DarkSiders já o conhecem de seus outros livros, mas podemos começar trazendo os novos leitores para mais perto dessa história? Fale um pouco de sua trajetória na DarkSide®.

Cesar Bravo: Oi, pessoal. Eu que sempre preciso agradecer a todos vocês e a esses leitores tão transtornados e especiais. Na DarkSide os escritores experimentam uma paixão que só encontra paralelos em nosso país no futebol e em nos debates familiares mais acalorados. Me considero com muita sorte de ter sido pinçado pela Caveira.

Meu primeiro trabalho publicado na DarkSide, nosso início de parceria, foi o livro Ultra Carnem, em 2016. Esse romance possui uma carga religiosa, demonológica, bastante acentuada. É um livro sobre o apetite humano em busca de satisfação, realização pessoal e poder, um livro que se comunica com crenças populares brasileiras e com toda mitologia que cerca os pactos satânicos. Em 2019 chegou a vez de VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue e, em 2020, seu irmão gêmeo, DVD: Devoção Verdadeira a D. Os dois livros trazem em suas histórias praticamente todas as escolas de terror, assim como encontraríamos em uma videolocadora (a grande homenageada desses dois romances fragmentados). Em VHS e DVD o leitor encontra desde terrores puramente humanos até o horror sobrenatural, sobrecarregado com elementos gore, além dos livros estabelecerem uma região onde tudo é possível em solo brasileiro (no noroeste paulista, na região da fictícia cidade de Três Rios). Em 2022 lançamos um romance de estrutura clássica, 1618, que apresenta uma multiplicidade de tramas e personagens, perturbações tecnológicas, além de uma expansão do horror até a ficção científica. Como um golpe de sorte, muitos elementos tratados em 1618 também encontraram ecos da realidade, o que nos colocou no rastro de uma nova expansão.

amplificador 1618

D: Depois de criar tantas histórias e explorar temáticas tão diversificadas, onde você ainda encontra inspiração para escrever? De onde vêm as novas histórias?

CB: Eu gostaria de ter uma resposta (risos) — mas tenho alguns palpites. Eu disse algumas vezes que muitas das minhas histórias nascem de um profundo incômodo. Alguma cena que vejo ou leio nos jornais, pesadelos que me deixam acordado, situações na vizinhança, muitas vezes a incompreensão de certos comportamentos humanos. Esses gatilhos continuam disparando, mas algo que me impele hoje em dia é uma certa especulação sobre o que existe do outro lado do visível, na dimensão das coisas que desconhecemos. Aqui podemos estar falando de seres espirituais, de anjos, demônios e alienígenas, até mesmo de assassinos metamorfos ou dimensões paralelas que de alguma forma encontraram maneiras de habitar e se manifestar em nosso mundo. Gosto muito de pensar que ainda existe muita mágica escondida nos becos das grandes cidades, nas propriedades rurais do interior, nas igrejas e hospitais. Prefiro acreditar que meu trabalho como ficcionista seja descobrir onde esses elementos se manifestam, e de qual maneira. No fundo, a boa ficção carrega muito de intuição, nossa tecnologia mais ancestral. Muitas das histórias que escrevo nascem dessa curiosidade pelo que permanece oculto aos olhos do mundo. No meu mundo as coincidências não existem. Tudo apresenta uma conexão.

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D: Além de um profissional que ganha a vida nos traumatizando, você é um homem casado, e pai de uma menina. Sua profissão-mãe era de farmacêutico. De que maneira essas escolhas profissionais e familiares influenciaram e ainda influenciam seu trabalho?

CB: É muito estranho quando nos damos conta dessa inserção (invasão) do mundo real em nosso trabalho ficcional. Como exemplo, posso citar algumas histórias de relacionamentos conturbados, onde geralmente faço uma projeção do que poderia acontecer de mais terrível em uma relação a dois. Felizmente não é nada que ocorra em minha vida, não o tempo todo, mas alguns fantasmas muitas vezes tentam falar comigo. O medo de ser abandonado, traído, de ser desvalorizado ou de perder um grande amor. No caso da paternidade, eu me tornei muito mais esperançoso no ser humano, porque foi através da minha filha que tive acesso ao que existe de mais puro e verdadeiro no amor. E junto com essa boa novidade também nasceu o medo de que o mundo possa feri-la, ou corrompê-la de alguma forma — o que também é matéria-prima para novas histórias. Também foi através dessas duas mulheres (esposa e filha) que me tornei mais aberto e com alguma capacidade de compreensão da natureza feminina e de suas lutas. Personagens como Lucrécia Trindade (Ultra Carnem) e Júlia Sardinha (1618) jamais teriam nascido sem referências reais.

A farmácia ainda mora em mim de alguma forma (risos), como vocês irão acompanhar nesse novo livro. Hoje, já distante dessa profissão, eu consigo ver claramente como ela foi um celeiro de ideias e experiências humanas que até hoje estão presentes em meu trabalho. Lidar com doenças por todo o expediente de trabalho, vender saúde, muitas vezes exige um tato e um temperamento que poucos conseguem ter. Acredito que parte da minha capacidade de ser empático tenha sido forjada nesses anos de balcão de atendimento. 

D: Estamos ansiosos para falar do principal personagem dessa entrevista. O que podemos esperar do seu novo livro, Amplificador? Ele é continuação de algum trabalho anterior? Amplificador pode ser classificado dessa forma?

CB: Também estou ansioso, acredite! Não, eu não diria que é uma continuação, e diria que o próprio nome do livro já diz muito. Posso refinar e dizer que é uma expansão, e uma das expansões mais agressivas e transgressoras que me propus a fazer como escritor. Desde a composição de VHS e DVD, notamos (eu e alguns leitores a parceiros criativos) que havia algo discreto perambulando entre esses livros, algo que se aproximava da tecnologia, mas que às vezes tomava um corpo muito maior, amplificado. Nesse novo trabalho, existe certa mistura entre VHS e 1618, tanto na maneira como o livro foi constituído (um romance fragmentado) quanto nos elementos que não se restringem a uma única escola de terror. Embora em Amplificador a tensão e o horror corporal alcancem níveis ultrajantes, também existe um pano de fundo muito maior, com espaço para dimensões paralelas, metalinguagem e momentos emocionantes, transformadores e essencialmente humanos. O livro não recebe esse nome gratuitamente, existe uma intenção real de fazê-lo maior, mais profundo e capaz de alcançar novos espaços e novos leitores. É realmente um amplificador da minha trajetória ficcional.

cesar bravo amplificador

D: Desde Ultra Carnem, mas principalmente nos livros posteriores, notamos sua ligação profunda com a música. O leitor irá reencontrar essa característica em Amplificador?

CB: Não só irá reencontrar como terá sérios impactos sensoriais graças a ela. Em Amplificador a música está em todo lugar. Na organização dos textos, em citações dentro de algumas passagens, está presente até mesmo na métrica, que em algumas histórias pode ser traduzida em música, como uma tablatura codificada. A música no meu entendimento está em todos os lugares, desde a buzina insistente de um alarme noturno até o pavor do grito humano. Existe música no orgasmo e na dor, existe música no choro do nascimento e nas despedidas fúnebres. O som de dor choca mais que imagem ou até palavras. O som é o amplificador sensorial do body horror. Mesmo para quem não tem audição, o som vibra, ele se agarra, ele se torna uma experiência tátil. Amplificador, de muitas maneiras, deixa isso bem claro.

D: Você mencionou uma certa mistura entre VHS: Verdadeiras História de Sangue e 1618 em Amplificador. Pode nos dizer de que forma isso acontece nas histórias?

CB: Parte dessa intenção vem do formato, “Romance Fragmentado”, onde muitas histórias se costuram e compõem uma trama muito maior. Outro ponto parecido, esse mais próximo a VHS, é a natureza dessas histórias, que trazem tanto textos mais modernos quanto histórias que ainda não tinham o livro certo para poderem existir. Você encontrará vários temperamentos nos textos, do Cesar mais “cascudo, chocante e brutal” do começo da carreira até o refinamento que está presente em trabalhos mais recentes. Do livro 1618, amplificamos principalmente o traço sci-fi do trabalho e a chama inicial para que a história pudesse nascer com credibilidade. Sem falsas modéstias, o resultado consegue transitar de Carpenter a David Cronenberg sem perder a essência brasileira. Amplificador é um livro que consegue colocar a ficção do Brasil entre qualquer coleção estrangeira, sem forçar a barra, e sem sacrificar nosso brilho ou nossa identidade.

D: Existe a obrigatoriedade do leitor conhecer seus trabalhos anteriores antes de ler esse livro? 

CB: Não, não existe. Mas eu preciso dizer que a experiência de leitura pode ficar mais rica pelo menos com uma ideia acerca dos eventos finais ocorridos no livro 1618. Na composição de 1618, para colocar tudo o que gostaríamos de história e preencher todos os espaços e lacunas da trama, precisaríamos de 800 páginas, o que era extremamente inviável. O que fizemos foi transportar essas questões para esse novo livro, onde elas poderiam ter a dimensão necessária para que pudessem ser relevantes. Existe uma organização criminosa mencionada em 1618, por exemplo, que acaba sendo investigada por um dos personagens (o policial Diogo). Essa história e seus desdobramentos são dois dos momentos mais especiais de Amplificador, pelo menos na minha condição de escritor. Existem muitos outros, mas eu vou deixar que o leitor descubra por si mesmo.

amplificador

D: Você também é editor na DarkSide®. Como essas experiências contribuem na composição de seus livros? Existe essa troca?

CB: Vamos colocar dessa forma: nosso cérebro precisa se exercitar, como um músculo. E nada melhor para praticar uma atividade do que em boa companhia. Quando edito o livro de um colega ou o ajudo com alguma questão criativa, eu também estou aprendendo com ele. Estou absorvendo, mesmo sem perceber, os mecanismos de escrita desse colega, da mesma forma que ele absorve os meus. Então, sim, eu acredito que toda essa troca criativa e a constante busca por soluções que amplifiquem e consolidem cada projeto tenha contribuído de alguma forma para que meus textos também se tornassem melhores e mais consistentes.

D: Ultra Carnem, na opinião de muitos, ainda é seu livro mais pesado. Existiu uma atenuação no elemento sangrento de seus outros livros? Ou não? O que esperar de Amplificador

CB: De Amplificador vocês podem esperar potência, em todas as esferas. Eu acredito que Ultra Carnem possua elementos que precisavam existir para aquela história, algo que não foi tão necessário, com tanta constância, em alguns outros trabalhos. O gore em VHS e DVD continua bastante “volumoso”, em 1618 ele encontra momentos mais específicos. Agora, em Amplificador, todos os limites serão testados. Na composição desse livro não existiu freio ou contenção em momento algum, a história contou com tudo o que era preciso, e se isso vai chocar alguém? Tenho certeza que sim, e tenho uma certeza ainda maior que essa será uma experiência inesquecível. Estamos falando aqui de danos mentais e profanações físicas, da corrupção de corpos e mentes. Aos que sentiram saudade do gore e dos maiores absurdos corporais: vocês serão saciados.

D: Precisamos falar um pouco sobre o que ninguém se cansa de perguntar: quando teremos uma adaptação de seus livros?

CB: Bem, essa é outra resposta que eu gostaria de ter. O que posso adiantar é que estamos frequentemente analisando propostas, tanto de players como de produtores e diretores. No Brasil e no mundo, o cinema está passando por uma transformação, por uma reestruturação como negócio, e até que esse processo se concretize, tudo acontecerá em um ritmo mais lento. Pelo que dizem os astros e os oráculos, pode ser que uma novidade apareça no audiovisual com minha participação, na verdade uma contribuição no ano que vem. Além disso, estou me reunindo com diretores e jovens produtores que tentam encontrar maneiras de driblar as dificuldades e compor obras de ficção que possam ser monetizadas e também ajudar outros colegas de criação. Na hora irá acontecer, mas não podemos queimar a largada, já que o risco maior é produzir algo desinteressante, que atrapalhe ainda mais esse mercado já tão delicado.

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D: O que faz do seu trabalho algo que seja reconhecidamente brasileiro? Que partes de sua ficção apresentam essa característica?

CB: Essa é uma pergunta que tenho recebido com certa frequência, e fico, inclusive, feliz em poder respondê-la. Eu e muitos colegas de escrita de horror crescemos sob influência de produções norte-americanas e europeias, sejam elas literárias ou audiovisuais. Crescemos sob a influência das novelas da rede Globo e dos programas que a emissora veiculava. Hoje noto certa tendência em desmerecer essas influências como se elas fossem tumorais ou cancerosas; isso é um grande desperdício. O que faz a literatura de ficção BR ser BR são justamente esses elementos. É a penúria do dia a dia, a violência doméstica, os programas de TV que habitam as casas brasileiras, o bate-boca político, o jeitinho brasileiro, a violência contra a mulher…

Então eu não acredito que um autor daqui, por mais influenciado que tenha sido, consiga se passar por um estrangeiro. O que fazemos de melhor, eu e muitos colegas, é tecer com essas influências algo que possa ser considerado único e que possua a nossa identidade. Podemos ter palhaços assassinos aqui, mas eles não serão como os lá de fora. O mesmo com nossos serial killers, o mesmo com nossas releituras de lendas urbanas como a loira do banheiro, zumbis, ou vampiros e licantropos. O mesmo com nossos alienígenas. A identidade não está no mito, mas na capacidade que o leitor tem de compreender e tomar aquele universo para si, de transformá-lo em algo seu.

D: Das suas histórias mais pesadas, sempre ouvimos falar de Ultra Carnem, “Bicho Papão” (VHS) e “Ballet Royale” (DVD). Em Amplificador teremos outros hinos ao sofrimento humano? 

CB: Adorei a nomenclatura (risos), poderia ter saído da minha cabeça! Teremos, sim, um livro com muitos hinos dessa natureza. Nosso Amplificador irá trazer à superfície muitos comportamentos humanos distorcidos como ciúme, avareza, vaidade, luxúria, solidão; em alguns trechos Amplificador consegue ser mais pesado que qualquer livro que eu tenha escrito. Um detalhe bônus, eu acredito, será que as percepções mais pesadas, as experiências que realmente irão colocar a moralidade do leitor em xeque, estarão entre os acontecimentos do dia a dia, entre as pequenas brechas e aberturas do convívio humano que somos desafiados a frequentar ou não. Meu desejo é que os leitores se deixem amplificar a essas experiências e sensações, esse é um livro dedicado a quantificar até onde sua imaginação está disposta a ir. E se ela será capaz de retornar.

D: Antes de encerrarmos, algum recado especial aos DarkSiders? 

CB: Eu só posso agradecer novamente, pela companhia e por manterem minha família em segurança com a fé em meus livros. A minha parte como escritor eu fiz em Amplificador, entregando a vocês mais um pedacinho de minha carne, sangue e espírito. Mas essa parte vocês me contam depois…

LEIA TAMBÉM: O UNIVERSO MACABRO DE CESAR BRAVO

Sobre DarkSide

Avatar photoEles bem que tentaram nos vender um mundo perfeito. Não é nossa culpa se enxergamos as marcas de sangue embaixo do tapete. Na verdade, essa é a nossa maldição. Somos íntimos das sombras. Sentimos o frio que habita os corações humanos. Conhecemos o medo de perto, por vezes, até rimos dele. Dentro de nós, é sempre meia-noite. É inútil resistir. Faça um pacto com quem reconhece a beleza d’ O terror. O terror. Você é um dos nossos.

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1 Comentário

  • Mirela Dutra

    21 de outubro de 2023 às 13:56

    Um brinde a esse escritor tão querido e que me dá arrepios. Nossa literatura é mais rica tendo ele por aqui. Salve, meu malvado favorito.

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