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Chucky e o terrível mundo dos bonecos assassinos

Esses brinquedos não têm nada de inofensivos

27/11/2023

Lembro como se fosse ontem. Estava inocentemente assistindo televisão quando passou a chamada do filme que seria exibido naquela semana. Eis que um dos meus maiores terrores aparecia na televisão, rindo e olhando pelo buraco de uma fechadura, como se estivesse avisando que ia me pegar. Chucky. Era o suficiente para me deixar semanas sem dormir. 

LEIA TAMBÉM: RELEMBRE O UNIVERSO DE CHUCKY

Sou da geração aterrorizada pelo brinquedo assassino. Nasci em 1992, um ano depois do lançamento do terceiro filme, então passei boa parte da infância encontrando Chucky por aí. Seus filmes já passavam na televisão aberta e estavam disponíveis nas locadoras. Só de passar pelo VHS de A Noiva de Chucky eu já ficava apavorada. Chegava a trancar minhas próprias bonecas dentro do guarda-roupa e pedia para minha mãe ficar ao meu lado até pegar no sono. Só por precaução, sabe como é. 

Os anos se passaram e o medo se transformou em fascínio. Afinal, como boa fã de filmes de terror era praticamente obrigatório encarar a clássica franquia Brinquedo Assassino. Nisso, minha relação com Chucky melhorou e nos tornamos bons amigos. Até que essa relação ficou ainda mais especial quando tive a oportunidade de traduzir Chucky: O Legado do Brinquedo Assassino e mergulhar fundo na criação de Don Mancini. Foi como reencontrar um velho amigo e lembrar novamente o porquê você gosta tanto dele. 

chucky

A coisa que mais me chama a atenção é como o sucesso de Chucky não é aleatório. Claro, o personagem é carismático, assustador na medida certa e as produções são feitas com muito carinho por todos os envolvidos. Mas há algo a mais. Chucky conversa com um medo profundo que habita em muitas pessoas. Um medo que habitava em mim quando criança e que habitava em muitos dos meus amigos. O medo dos bonecos assassinos. 

Chucky, Annabelle, M3gan…

Inúmeras histórias de terror giram em torno de bonecos aterrorizantes. Chucky é o mais famoso, mas há outros. Alguns até vieram antes do boneco ruivo. Na Solidão da Noite, filme de 1945, temos o ventríloquo Hugo e, alguns anos mais tarde, a bizarra Tina Falante da série de televisão Além da Imaginação. Não podemos esquecer também do ventríloquo Fats em Um Passe de Mágica, filme de 1978 protagonizado por Anthony Hopkins. 

O tempo passou e os bonecos continuaram conquistando espaço nos filmes de terror. Chucky ganhou uma companheira, Tiffany. Annabelle foi para as telas no universo de Invocação do Mal e M3GAN chegou para representar a inteligência artificial. Há também o ventríloquo Slappy da franquia Goosebumps, o boneco Billy da franquia Jogos Mortais, a boneca Chinga de Arquivo X e filmes como Gritos Mortais e Boneco do Mal. Os roteiros variam: alguns são mais sérios, outros mais debochados. Alguns enveredam pelo sobrenatural, outros não. Mas todos, todos partem do medo que sentimos dessas criaturinhas aparentemente inofensivas. 

annabelle

O que torna bonecos tão assustadores?

Para muitos estudiosos, muito desse medo vem do fato dos bonecos parecerem humanos, ao mesmo tempo em que não são. Eles são construídos para parecerem como nós, mas há algo errado em sua existência, pois não são humanos. Isso acaba acionando instintos básicos em nossos cérebros, que processam o senso de perigo e alerta

É o chamado vale da estranheza (em inglês, uncanny valley). Uma hipótese que procura explicar por que réplicas humanas, como robôs, causam tanto medo e repulsa em seres humanos reais. O conceito deriva de outro, chamado estranho familiar (em inglês, uncanny), que explica uma sensação de angústia e confusão por algo que é, ao mesmo tempo, familiar e misterioso. Não é simplesmente assustador. É assustador justamente porque é familiar, com qualidades simultâneas de estranheza e familiaridade. 

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Parece confuso, mas calma que eu te explico. Já se perguntou por que filmes de terror usam tanto sombras, reflexos no espelho, bonecos de cera, autómatos, doppelgängers e déjà vus? Todas essas coisas desfocam as linhas entre animado e inanimado, entre humano e inumano. Entre o que conhecemos e o que não conhecemos. Entre o que é estranho e o que é familiar. Sabe o susto que levamos ao nos olhar no espelho durante a noite? Então… é justamente esse sentimento. 

slappy bonecos do terror

O medo intenso de bonecos possui até mesmo um nome: pediofobia. Trata-se de um medo exagerado e persistente que causa severas crises de ansiedade e pânico. É claro que a grande maioria das pessoas não possui fobia, o que impossibilitaria de assistirmos aos filmes, mas sim um desconforto. A sensação de que algo está errado. 

Além disso, muitos desses bonecos evocam medos infantis. Existe algo mais aterrorizante do que seu amigo inanimado, aquele que deveria ser abraçado e amado, se voltar contra você? Andy Barclay que o diga! Esses seres mexem fundo com a segurança e inocência infantis, transitando entre o bem e o mal. O que deveria ser reconfortante e divertido, torna-se aterrorizante. Põe aterrorizante nisso.

Há também outros probleminhas. Bonecos são brinquedos com olhos — as janelas da alma — o que significa que possuem a capacidade de espionar e observar tudo o que fazemos, enquanto não esboçam nenhuma reação. Eles retiram qualquer sensação de segurança e privacidade que possamos ter. Podem nos observar enquanto trabalhamos, comemos, dormimos… acho que dá para ter uma ideia do perigo, não é mesmo?

brinquedo assassino

Por fim, bonecos são ótimos meios para possessões demoníacas. Convenhamos, eles são receptáculos perfeitos, apenas esperando para serem habitados, justapondo assim inocência e mal em um único ser. Chucky e Annabelle que o digam. Se não bastasse, ainda existe o fato de que, bem… bonecos não morrem. Ok, talvez eles precisem trocar ou recarregar as baterias, mas enquanto nós somos mortais, eles vivem para sempre. Então, meus amigos, é como Chucky sempre disse: amigos até o fim. 

Amigos para sempre (ou não)

O fato de olharmos para bonecos inanimados e ainda sentirmos uma certa incerteza cria uma tensão em todos nós. Combinando as diversas qualidades sinistras desses seres com conceitos como vale da estranheza e estranho familiar conseguimos ter um vislumbre de por que eles conseguem nos assustar tanto. É o desconforto causado por aquele pensamento que invade nossas mentes e abala nossas certezas. Afinal, como algo que deveria ser fofo, inanimado e inofensivo pode querer nos matar?

Desde cedo os filmes de terror utilizaram isso para construir suas narrativas. Com o tempo, é claro, esses antagonistas foram ficando mais sofisticados e… ousados. Da mera sugestão de que algo estava errado passamos para a concretização dos fatos. Foi principalmente com Chucky em Brinquedo Assassino que isso aconteceu. O que antes era apenas insinuado, agora acontece perante nossos olhos com o boneco Good Guy ganhando vida. Ele se mexe. Possui expressões faciais. Fala, xinga e caminha. E obviamente, assassina. A partir disso não havia mais como voltar atrás. Com isso, o legado de Chucky se iniciou e os bonecos assassinos chegaram para ficar. Ficar nos cinemas. Em nossas mentes. E até mesmo em nossas casas.

chucky

Inclusive, se eu fosse você, daria uma checada embaixo da cama hoje à noite. Ou dentro do guarda-roupa. Quem garante que não tem nada te observando agora mesmo

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Sobre Gabriela Müller Larocca

Avatar photoHistoriadora e pesquisadora de cinema de horror há mais de dez anos, enfatizando a representação feminina no audiovisual e o uso do horror como fonte histórica. Produtora de conteúdo e aspirante a garota final. Nunca nega um livro da Caveirinha nem um bom filme de horror. Fala bastante e reclama muito no RdMCast.

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1 Comentário

  • Marilane Martins Bicca

    6 de dezembro de 2023 às 13:53

    Amo tudo isto , muito aterrorizante e legal.

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