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Literatura e saúde mental

Como os livros dão voz ao que sentimos

06/09/2021

Quando se procura a definição de empatia no dicionário, o que encontramos é que empatia é a capacidade de compreender emocionalmente um objeto. Mas afinal de contas o que é compreender emocionalmente algo?

Eu sempre me questiono muito sobre isso quando chega o Setembro Amarelo, muito se fala sobre ter mais empatia com o próximo, a gente nunca sabe pelo que ele pode estar passando. Como a gente vai ser capaz de compreender emocionalmente alguém que a gente não sabe o que sente, quando não temos a compreensão do que é sentir o que essa pessoa está sentindo.

Esses são os pensamentos que acabam me isolando do convívio com os outros. Eu sou uma das 400 milhões de pessoas no mundo que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), lidam com questões de doença e transtornos mentais. Eu sei que 400 milhões é um número gigantesco e é bem antiético dizer que eu me sinto solitário sabendo que tantas pessoas compartilham de problemas tão similares aos meus, mas é assim que eu me sinto na maior parte do tempo. Existe um sentimento de inadequação, de que não importa o quanto eu tente explicar as pessoas vão ser incapazes de se colocar no meu lugar e compreender todos esses sentimentos que muitas vezes nem eu mesmo entendo.

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A primeira vez que eu me senti um pouco menos solitário foi ali entre 2014 e 2015 quando li pela primeira vez A Menina Submersa, livro de Caitlín R. Kiernan. Nesse conto de fadas de horror pós-moderno habitado por sereias, fantasmas e licantropos, conhecemos India Morgan Phelps ou IMP, uma jovem com esquizofrenia tentando encontrar sentido nas memórias que tem enquanto tenta lidar com suas questões mentais. O livro traz uma narrativa propositalmente confusa e conturbada que muitas vezes faz você mesmo se questionar se não foi você que se perdeu completamente nesse emaranhado de memórias.

Soa um pouco errado dizer isso, afinal eu não estou querendo celebrar o surto esquizofrênico de ninguém e nem tentando romantizar, mas aqueceu algo em mim. Ler toda aquela confusão mental e incerteza, as dúvidas sobre o que estava acontecendo ou não com IMP, me trouxeram um sentimento de familiaridade. Estava me lembrando de como era passar pelas minhas próprias crises, pois sou diagnosticada com transtorno bipolar tipo II. Eu já não me sentia tão sozinho, conseguia comunicar o que acontecia comigo usando o livro para os amigos que leram.

LEIA TAMBÉM: 5 MOTIVOS PARA LER A MENINA SUBMERSA, DE CAITLÍN R. KIERNAN

Sei que livros literários podem não ser a melhor forma de adquirir informação e se educar sobre temas importantes como saúde mental, e eu realmente incentivo que as pessoas procurem artigos, profissionais da área de saúde, matérias para ampliar seu conhecimento sobre esse assunto, mas a literatura tem um papel muito importante pois através de histórias ficcionais podemos empatizar. Bons autores conseguem passar e nos fazer sentir como esses personagens e exercitar a habilidade de se colocar no lugar do outro. Meus amigos não tem transtorno bipolar ou esquizofrenia, mas consigo pegar passagens do livro e ser mais facilmente compreendida.

Muitas vezes os livros não apenas nos ajudam a achar uma forma para expressar o que sentimos ou passamos, podem também ser uma forma de ver esse outro ponto de vista que ainda não havíamos considerado. Foi o que aconteceu quando li O Último Adeus; sempre que se fala sobre questões de suicídio é do ponto de vista do suicida, esteja ele vivo ou não, quase não se fala do impacto que o ato tem nas pessoas ao seu redor.

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E para mim foi pessoalmente importante saber que esse livro existe no mundo, porque eu não conseguia articular, lidar ou cuidar dos sentimentos dos outros para com minhas tentativas de suicídio. A minha demanda interna já exigia muito. No entanto, eu não queria que ficassem completamente desamparados, eu quero que tenham formas de processar suas emoções (além de esperar que eles façam terapia também, nenhum livro substitui a necessidade universal de terapia) e eu sei que o livro pode ocupar esse espaço onde eu ainda não me sinto pronto para falar.

Eu sou uma pessoa suicida, tive três tentativas e precisei ser internada duas vezes e eu sempre foquei na minha relação com o suicídio, em como eu me sentia e como tudo aquilo havia me afetado. No livro de Cynthia Hand a gente acompanha Alexis tentando lidar com sua vida depois que seu irmão mais novo, Tyler, cometeu suicídio. E a verdade é que não é apenas ela quem está sofrendo com tudo que aconteceu, isso impactou todos ao redor de Tyler. Namorada, amigos, mãe, pai e irmã. E eu não estou tentando responsabilizar e culpabilizar o suicida, longe de mim, o objetivo do livro é ver como as ações individuais refletem naqueles que estão ao nosso redor. Hand trata muito bem sobre essa jornada de luto e autoperdão que sua protagonista precisa passar. Sobre a complexidade que é conseguir aceitar que você não falhou com alguém, que não estava em suas mãos impedir uma morte. Quando você consegue compreender o motivo do título do livro, essa mensagem se torna muito poderosa.

Existem muitas formas de incentivar a conscientização sobre questões de saúde mental. Não apenas durante o Setembro Amarelo, mas o ano todo. Lutar por acesso à saúde gratuito para todos, valorização do SUS e do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), valorização de profissionais da área de saúde mental, compartilhamento de informação para quebra de estigmas e naturalização da terapia e do uso responsável de medicação. Também é importante incentivar o consumo de livros e outras mídias, como A Menina Submersa e O Último Adeus, que aproximam questões de saúde mental, abrem uma comunicação e facilitam que pessoas possam enfim empatizar.

São diversas camadas de ações que facilitam a vida de pessoas que estão lidando com ansiedade, depressão, borderline e diversas outras doenças e transtornos mentais. A boa representação na mídia e na literatura é uma delas e quando se encontra bons títulos é importante que a gente não apenas leia, como divulgue e enalteça para chegar a mais pessoas ainda.

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Sobre Camila Cerdeira

Avatar photoCamila Cerdeira trabalha com escrita, fotografia e teatro. Fez parte da equipe do NaTV e da Preta, Nerd & Burning Hell. Nerd de criação, negra, não-binário e feminista, mora em Fortaleza, onde também faz parte dos podcasts Orgulho Contra Ataca e Bisão Voador. Camila tem um texto no livro RPG Indagações e assinou com a Se Liga Editorial para publicação de Física do Amor. Espalhada virtualmente, é quase sempre possível encontrá-la discursando sobre questões sociais ou sobre nerdiandade, mas provavelmente sobre ambos ao mesmo tempo.

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